quinta-feira, 29 de abril de 2010

Ética na perícia médica











Segundo a mais corrente visão dos Conselhos Profissionais Médicos voltados ao resguardo ético da medicina: “A perícia médica é atividade legal responsável pela produção de prova técnica em procedimentos administrativos ou em processos judiciais.”

Nesta definição usual se encontra a primeira e mais importante vinculação ética da perícia, qual seja, a produção responsável de prova no contexto de procedimentos administrativos e ou judiciais.

Nesta dicotomia, é importante observar como administrativo o contexto da perícia médica vinculada aos serviços públicos de oferta obrigatória do Estado, mormente os voltados para a satisfação de direitos trabalhistas e previdenciários, no âmbito da averiguação, constatação, definição e mensuração de efeitos de doenças e deformidades para regular oferta de benefícios e compensações garantidas pela lei em proporção ao grau de incapacitação dos cidadãos respectivamente envolvidos.

A perícia médica vinculada a atos judiciais é conseqüência de litígio, ou seja, difere da meramente administrativa por servir a interesses contrapostos entre partes sujeitas ao arbítrio jurisdicional.

Diante deste fato, imprescindível notar, antes de submeter à análise ética específica, que o expediente pericial médico se trata de um ato direta ou indiretamente sujeito às regras públicas de administração, aos princípios de legalidade, razoabilidade, moralidade, supremacia do interesse público ou do bem-comum em uma sociedade politicamente organizada.

Ponderando a abordagem sobre parecer pericial de Hely Lopes Meireles, segundo o qual: “No parecer ou julgamento não prevalece a hierarquia administrativa, pois não há subordinação no campo da técnica.”, eis que o contexto ético da perícia no âmbito administrativo e ou judicial não poderá deixar de se sujeitar à regência dos atos públicos para que o expediente pericial seja revestido de probidade.

O perito médico por essência é um agente público, ainda que temporariamente investido nesta condição, de maneira à, precipuamente, sujeitar-se aos já mencionados princípios cuja definição, em suma, se apresentará a seguir.

O princípio da legalidade diz respeito a vinculação do ato à lei, tanto para efetivação do direito como para respeito à liberdade do cidadão.

O princípio da razoabilidade se refere à utilização de meios adequados à obtenção dos melhores resultados na finalidade do ato.

O princípio da supremacia do interesse público ou do bem-comum, em uma sociedade politicamente organizada, concerne ao caráter impessoal do ato, no sentido de que se busque efetivar o bom e o justo acima de qualquer outro interesse desvinculado.

O princípio da moralidade é aquele mais ligado aos aspectos éticos do ato administrativo, à conduta do agente ou perito, constituindo fundamento de correlata responsabilidade, a qual, conforme já se viu, na perícia médica, aplica-se à regular produção de prova, bem como à validação da mesma no mundo jurídico.

Assim, a perícia médica se traduz em um ato administrativo em que a moralidade é preponderante da responsabilidade do perito, daí advindo a necessidade de se estabelecer norteadores éticos desta conduta para realização de todos os outros princípios já explicitados.

Partindo do óbvio de que o perito médico é legalmente inscrito como tal em um Conselho Regional representativo da categoria, é no Código de Ética Médica que se encontram os fundamentos éticos principais da conduta em comento.

O Capítulo XI do Código de Ética Médica, em seu típico sistema de vedações, estabelece:

“É vedado ao médico:

Art. 92. Assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação médico-legal, quando não tenha realizado pessoalmente o exame.

Art. 93. Ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.

Art. 94. Intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório.

Art. 95. Realizar exames médico-periciais de corpo de delito em seres humanos no interior de prédios ou de dependências de delegacias de polícia, unidades militares, casas de detenção e presídios.

Art. 96. Receber remuneração ou gratificação por valores vinculados à glosa ou ao sucesso da causa, quando na função de perito ou de auditor.

Art. 97. Autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos, salvo, no último caso, em situações de urgência, emergência ou iminente perigo de morte do paciente, comunicando, por escrito, o fato ao médico assistente.

Art. 98. Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência.
Parágrafo único. O médico tem direito a justa remuneração pela realização do exame pericial.

Depreende-se do conteúdo ético-normativo que a perícia deva se restringir à técnica, no caso sob análise, aos argumentos científicos próprios da medicina para realizar a finalidade competente, qual seja, a produção de prova documentada em relatório acerca de um evento ou condição plausível de constatação e análise médica.

Qualquer outra disposição pericial que não a técnica apropriada, compromete a isenção ética assinalada pelo preponderante artigo regente da atuação ética na perícia.

Outra percepção ética diz respeito ao conteúdo autoral ideológico do relatório ou laudo produzido em perícia, vinculando o perito ao documento produzido mediante sua participação pessoal para a conseqüente assinatura. Deve haver identidade entre laudo e perito.

Também figura como importante a disposição derivada daquela comentada inicialmente ao especificar a impossibilidade de intervenção de vínculos pessoais quaisquer com pessoas envolvidas no expediente pericial e que possam mesmo que hipoteticamente caracterizar influência no trabalho a ser realizado.

A intervenção do perito em procedimentos propedêuticos recebe limitação aos casos de iminente perigo de morte.

Merece registro por fim , a disposição ética que assinala o caráter documental escrito da prova a ser produzida em perícia, restringindo as manifestações orais acerca dos pareceres conseqüentes dos exames técnicos realizados, à presença do examinado.

O mesmo artigo menciona ainda a intervenção nos atos de outro profissional também como uma limitação do perito, mais propriamente no sentido de reservar e limitar o objeto de análise ao relatório ou laudo, mediante conteúdo tecnicamente fundamentado e isento.

Vistos os princípios fundamentais dos atos administrativos ou judiciais aos quais a perícia estará normalmente vinculada para a produção de uma prova técnica e documental conforme indicadores éticos da categoria médica principalmente para efeitos da moralidade imponente, cumpre registrar que a prática desenvolveu outras normas com vistas ao resguardo de tais preceitos básicos.

O Conselho Federal de Medicina em Resolução 1.497 de 08 de julho de 1.998, considera que os Conselhos Regionais de Medicina têm a incumbência de fiscalizar os atos profissionais do médico designado como perito, este investido da condição de agente público responsável, civil, penal e administrativamente e normatiza :

Art. 1º - Determinar que o médico nomeado perito, execute e cumpra o encargo no prazo que lhe for determinado, mantendo-se sempre atento às suas responsabilidades ética, administrativa, penal e civil.

Art. 2º - O médico designado perito pode, todavia, nos termos do artigo 424 do Código de processo Civil, escusar-se do cargo alegando motivo legítimo.

Art. 3º - O descumprimento da presente Resolução configura infração ética, sujeita a ação disciplinar pelos respectivos Conselhos Regionais de Medicina.

Os Conselhos Regionais de Medicina muitas vezes estabelecem normas específicas no que concerne as perícias médicas para especificar e deixar claro condutas que podem ferir o necessário respeito à ética profissional conducente a regularidade da perícia.

Exemplificativamente é possível citar os Conselhos Regionais de Medicina da Bahia e de São Paulo, Resoluções 288/07 e 126/05 alterada pela 167/07 , de modo respectivo.

De um modo geral as resoluções reformulam vedações relativas à suspeição do perito e o dever de esquivar-se do encargo sempre que caracterizados impeditivos da espécie, fazendo-o de forma escrita e justificada.

Além disso, as resoluções costumam incluir vedações tangentes aos assistentes técnicos, embora estes não sejam propriamente investidos na condição de agentes públicos, quando houver vínculo de trabalho ou de qualquer outro interesse com relação a empresas envolvidas em expediente pericial.

São também comumente observadas as necessidades respeito aos prazos assinalados para a realização da perícia, o dever de sigilo, o respeito a autonomia profissional do ato médico analisado livre de intervenções modificativas junto ao examinado, ressalvada a iminência de risco de morte ou perda de função deste.

As resoluções assinalam ainda a necessidade de preservação da intimidade do examinado, o direito a obtenção e disponibilidade recíproca de documentos e informações sobre o quanto estiver sob análise pericial, a preponderância da autonomia científica do perito que poderá esquivar-se por escrito sempre que submetido a qualquer constrangimento, coação ou pressão capaz de influir na imparcialidade técnica necessária.

Resumindo, são vários os indicativos regionais acerca de especificidades regentes do que pode ser considerado uma conduta ética na perícia, todavia as variáveis convergem ao fundamental princípio da moralidade regente de todo e qualquer ato público, no caso àquele destinado a produção de prova consoante o já explicitado.


JUSSARA PASCHOINI