segunda-feira, 30 de setembro de 2013

BONS VENTOS OU MUDANÇA?

 

Os cabelos e a tesoura e eis o mais curto caminho para modificar a vida, os rumos da vida e o que se pensa dela. Raspar a cabeça pode ser um alívio, principalmente porque os cabelos voltam a crescer e quer se queira ou não, um processo entre o tudo e o nada terá se iniciado.  É mais fácil do que nascer cigano de verdade e levantar acampamento deixando tudo e todos para trás, sem medo, sem culpa e só com a vontade de se redefinir como pessoa, se apresentar de outro jeito, recontar a própria história com novos detalhes em preto e branco ou colorido.

Dito desta forma parece que mudar é algo simples, ao alcance de menores ou maiores distâncias, entre a tesoura e o couro cabeludo, o pé e a estrada, os passos e os quilômetros, a ideia e a massa cinzenta, mas quem presta atenção nos movimentos encontra outro enredo, não tão fácil de escrever, repete as mesmas falas e gestos estando careca ou com a depilação atrasada, na praça, no curral, no deserto, na rota mais cotada ou em qualquer lugar.

Não se faz amor e nem mudança e quem acredita em tal façanha apenas paga por seus preços em tempo e energia confabulada. O fato é que objetivos podem mudar, nem sempre as pessoas mudam de acordo com eles por um ato de vontade unilateral, aleatório ou não.

Vou encontrar algo é objetivo, o quê, é acontecimento e a discrepância entre ambos é fundamental para que? Trabalho, filhos, diversão e o algo já não é mais objetivo é meio para o que se alcança ou não, com sucesso ou não.

Não somos compelidos por mudanças apesar de engendrarmos atitudes confrontantes a qualquer estado presente em prol do futuro onde se realizam objetivos consoante os bons ventos que precisam soprar a favor ou contra e, nesse contexto as ações contam sem nada garantir. O taxi almejado passa na rua de mão única, do lado oposto logo após se atravessar de lá ao outro lado e daí? Espera-se por outro taxi. Qual foi o papel da mudança? Um atraso de intenção e a sensação de haver cometido um erro premonitório...

Contudo e ao revés, a estática fora de sua função referencial não é mudança que se faça muito menos se objetivo houver, significando isso, mais uma vez o determinante e não a mudança com efetivo significado diante dos fatos. Ficar parado diante de um copo de água não resolverá a sede.

A dedução mais óbvia de se fazer é que a vida demanda determinação e que mudanças obedecem a esse critério bastante válido para alcançar objetivos, se isso fosse suficiente, e não é, porque daí se estabelece uma relação de compensação à outros desafios e efeitos, onde o cansaço, por exemplo, pese mais do que a satisfação, as perdas pesem mais do que os ganhos. Enquanto se ganha uma corrida um joelho saudável pode estar se deteriorando.

Contemplada a mudança e a determinação bem como a independência mútua que uma exerce sobre a outra, tão natural quanto à vida levar à distinta morte, é possível racionalmente isolar a mudança fora da suposição de sua necessária finalidade, como um fato espontâneo sem invocar o chavão do casulo, da metamorfose biológica arquitetada por típicos períodos de encubação repetitivos ao exponente do infinito no padrão borboleta, mas o fruto da percepção, o que na filosofia socrática se registrou como o “conhece-te a ti mesmo” e a réplica “e torna-te o que tu és” de Píndaro desembocando na questão de Nietzsche: Como? Pense e pense bem, reclama Descartes:

O sem causa só existe num mundo de determinações e propósitos, assim, o acaso deixa de existir quando o homem é a perspectiva de si inacabada e, portanto, aberta ao tempo e ao movimento insuspeito quanto a si no que se torna o que é ainda que sujeito à angústia do indivisível e do irreconciliável. Mudança eterna e incessante donde a individualidade exerce-se no trágico imensurável pela moral como a maior das capacidades e o melhor dos afetos.

Jussara Paschoini


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

SEXO, DESARMONIA E CRIME

















É quase cruel dissociar a palavra sexo de prazer considerando-se o aparato natural tão bem elaborado de sensações rítmicas fisicamente enlevadas num fenômeno pessoal bastante favorável e vital. Como chave da reprodução dos seres animais, observe-se porém que nem todos são agraciados com a mesma percepção. As exemplificativas cotias revelam uma prática dolorosa em geral conducente à imposição forçosa da cópula pelo macho à fêmea entrementes ferida pelo órgão acima retratado (é espinhoso mesmo e com dente!) . Diferente do rato marsupial australiano, da espécie Antechinus que depois de uma maratona alucinante e compulsiva morre de cansaço e por queda da imunidade em dez dias, deixando para sempre a diferida batalha para perpetuar a espécie emprenhando todas as fêmeas sofregamente encontradas no caloroso prelúdio mórbido aparentemente extasiante.

Os racionais são passíveis dos denominados desvios ou parafilias representativos de uma sexualidade com tão extravagante diferenciação prática capaz de ocasionar pouca ou nenhuma receptividade na direção "normal" do ato conjunto, portanto a configurar o ingresso na esfera íntima de outra ou outras pessoas causando de mau a péssimo resultado.

Nem sempre a parafilia está relacionada ao transtorno, ou seja, nem sempre é fadada a subtrair satisfação alheia por meios indesejados, vez que pode ser restrita ao pervertido, assim considerado em face de uma discrepância intensa com relação ao meio social e que termina por reduzi-lo pessoalmente à extrema rejeição ou ao isolamento em grupos diminutos de semelhantes eventualmente condescendentes.

Da rejeição surge a falta de alternativa, a impotência e a compulsão enquanto fatores que fazem possível enveredar para o vitimismo e o descontrole de conduta passível à violência dirigida tanto à vida quanto à integridade de parceiros não consensuais a quem se impõe o prejuízo da morte ou do trauma causado pela invasão íntima violenta e ou repulsiva.

Quando se ingressa no terreno dos crimes sexuais, numa visão moderna e atual, a gravidade e o sentido repressor da lei visam justamente o pervertido extremo na parafilia, cuja análise inseparável do contexto social representa potentes graus de agressividade somados a presumível reincidência.

Se ultrapassada a criminalidade pura e simples com a forte característica premeditada típica da conduta delituosa bastante comum aos pervertidos, se adentra no terreno patológico da alienação mental franca, ilimitada pois quanto ao efeito de restringir, por razões de ordem médica, o retorno do indivíduo ao convívio social nas denominadas medidas de segurança que não só podem como devem ser perpétuas às hipóteses de maior gravidade como atestam os casos dos maníacos assassinos em série ou os requintes de crueldade visivelmente perpetrados.

O pior e mais árduo da análise dos crimes sexuais está na tênue linha separatória entre o típico criminoso calculista, sociopata de exemplar comportamento disfarçado e o claramente portador de doença mental, considerando que para o primeiro os motivos agravantes tanto pela agressividade quanto pela reincidência são muitas vezes maiores.

Dito isto, cumpre lembrar que pelo lado das vítimas, antigamente eram elas discriminadas, havendo graus de maior ou menor punibilidade ao agressor conforme a característica da vítima como “mulher honesta” sopesando fatores como virgindade ou  estado civil e sendo expressa a menor consideração para com as prostitutas.

Hodiernamente com o advento da Lei 12.015/2009, condensou-se o crime de estupro num único delito que inclui no fato criminoso ou típico, homens e mulheres submetidos à violência e ou grave ameaça não só à conjunção carnal como à prática de ato libidinoso (manipulação libidinosa) cuja pena pode variar de seis a dez anos e atingir a pena máxima de trinta anos conforme associado com resultado de lesão corporal grave ou morte.

Deste modo superou-se a grande discussão antes redundante acerca da dificultosa prova da conjunção carnal, notando que a perícia ou exame de corpo de delito ainda que pela constatação de lesões genitais, se sugeria ser amplamente refutada em termos de caracterizar a ausência de consentimento e repulsa da vítima.

Não é que se dispense o corpo de delito como importante elemento inquisitivo, apenas deixou de ser e definitivamente essencial para caracterizar a prática de estupro, o que remete à perícia psicológica tanto a vítima como o acusado , bem como a outras evidências necessárias à imputação da pena de reclusão mínima de seis anos. Nesse aspecto a reincidência de pessoa já acusada anteriormente pelo mesmo crime ou similar agravará em muito a possível condenação. Mulheres não são mais apenas vítimas, podem ser acusadas de estupro.

A harmonia e desarmonia do consentimento sexual e o grau de perversão envolvido em integrar o prejuízo da vítima, bem como a agressão do delinquente, são hoje producentes de pena de reclusão com o mínimo de dois anos e quatro meses em regime fechado já que 2/5 da mínima pena para possível progressão ao regime semiaberto para crime classificado como hediondo o que sobe para 3/5 nos caso de reincidência. Ampla é a margem de interpretação jurisdicional tanto para compreender a relevância da invasão íntima criminalizada e condenar quanto para absolver a pessoa acusada. Isso à exemplo da amplitude que reverbera a validação de contratos na órbita civil, sujeita a caracterização de abuso nem tanto por especificidades legais mas por ampla abertura a interpretação dos juízes.

A vítima menor de catorze anos faz presumir a ocorrência do estupro (estupro de vulnerável), agrava diante disso a pena entre oito e quinze anos de reclusão e é crime hediondo também.

O fato tipificado como crime independe de violência ou ameaça que se presumem ocorridas. Todavia, por questões de interpretação doutrinária, nenhuma presunção fixada em lei é absoluta, admitem-se provas em contrário e novamente fica a critério jurisdicional avaliar as condições entre o consentimento da vítima e a perversão do presumido estuprador, estabelecendo-se contudo mais forte imputação de pena quanto menor idade tiver a vítima e maior o grau de perversão, agressividade ou fraude balizados contra o acusado.

A lei penal tipificou como crime o assédio sexual equiparando em efeitos punitivos a obtenção de favores sexuais aproveitada em virtude do quanto possa ser interpretado como ascendência ou superioridade hierárquica, mas estabelece pena menos grave de detenção (regime semiaberto) entre um e dois anos. 

Aumenta de um terço a pena por assédio sexual se a idade da vítima for entre catorze e dezoito anos. No caso de estupro a pena parte de oito e vai a doze anos de reclusão.

Causar inconsciência e impossibilidade de reação como forma de burlar o consenso da prática sexual também é modalidade de estupro.

A excessiva incidência de estupros e mesmo de atos pedófilos estabeleceu vistosa margem legal tanto para a caraterização quanto para a imputação condenatória pelos crimes sexuais, amplificando principalmente o estupro no referente aos sujeitos ativos e passivos. Contudo, os extremos da lei penal tendem não só a minimizar como a maximizar rigores de análise probatória ao critério jurisdicional em circunstância favorável à invocação das mais elevadas instâncias judiciárias para a análise da matéria que por envolver forte restrição gravada à liberdade do direito de ir e vir, enquanto máxima constitucional, se encontra bem mais apta ao pleno galgar dos mais elevados graus, com culminância inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Há apenas correlação lógica e não dependência entre os julgamentos por crimes sexuais e a reparação indenizatória destes crimes nas instâncias civis. 


Jussara Paschoini



  

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

IMPERIALISMO, UMA DESCULPA FUNDAMENTAL

 


Ninguém é educado quando está com fome e civilização e miséria são contradições, portanto, quando se avalia uma ordem moral com vistas a pacificar o convívio em sociedade, a corte, o papado, o reinado, a universidade, o congresso, o hino, pouco dizem. A miséria é o inexorável do grau civilizado de qualquer cultura e não importa a beleza dos monumentos, a qualidade da literatura, a fidelidade das rezas e a submissão das mulheres. Filhos desmamados precisam de comida, teto, alfabeto e brincadeira, se isso falhar todo o resto vai atrás escondido por símbolos nacionais frequentemente arrotados pelos embustes patrióticos.

Não tem café e narguilé que supere a fraqueza física e a depreciação ética de quem vive em estado de necessidade e absoluta ignorância. E é para eles então que o capital excedente de nações prósperas vem sob a forma de investimento, aventura, filantropia e ambição, direto para mentes um pouco mais inteligentes e midiáticas, lideranças perenes em suas institucionalizadas barbáries, crivo garantidor da traição do governo para com os governados, moderna pirataria de escravos que nem precisam mais ser transportados para lugar nenhum, estão lá, defendendo território, reservas naturais e crença com o cérebro à toque peristáltico.

Interessante porém é que se a miséria desconcerta a moral a ganância sobrevivente disso é proporcionalmente instável e exponencialmente fóbica porque fontes se esgotam, ovelhas negras nascem, e o amor acaba! E como já diria o finado Chorão: Guerra!

Brasões se confrontam e é declarada a independência, da exploração ao conflito bélico é só um pequeno tiro de carabina. E o imperialismo leva a fama, além de providenciar as armas, preferencialmente para ambos os lados.

Não é difícil saber quem ganha.

O terrorismo se justifica porque os jovens e os pobres ameaçados pelo desculto aos seus algozes precisam ser preservados junto com sua pátria e cultura subsidiária dessa mesma submissão convidativa atroz da pertinente prática sanguinária. E o imperialismo reage com o que tem de melhor, o clamor da liberdade e de pior, a paixão pela dominação da vingança, além de fazer cinema e publicidade. Tudo instantâneo e solúvel em sangue e fibra ótica.

É muito mais teórico que prático o confronto de culturas, ocidente e oriente, religião e ciência, fanatismo e oportunismo e o imperialismo é só uma desculpa para que isso se materialize na manutenção da miséria pela degradação do valor humano em prol dos símbolos de especulação ideológica deterministas enquanto agentes financeiros vigorosos. E que não se despreze por isso o debate ou se deixe de evoluir em análise crítica, até em gosto e por que não dizer contracultura?

Facas, balas e coquetéis de molotov e enquanto se empunham metralhadoras e se armam mísseis, bactérias e bacericidas são pesquisados e pessoas gargarejam a distinção entre o alcorão e a torá, o terço e o masbaha, o rock e o carnaval, a gaita escocesa e o pagode sanfonado, o whisky irlandês e a bagaceira portuguesa etc., e a causa da miséria? Fica para o Juízo Final e para a ressurreição  dos mortos, senão o imperialismo resolve, por ser um fato comum em todas as culturas, desculpa nacional predileta e fundamental.
 

Jussara Paschoini


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O MENSALÃO, OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS E OS EMBARGOS INFRINGENTES NAS AÇÕES DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

Do ponto de vista legal tanto os embargos declaratórios quanto os embargos infringentes são cabíveis em instância do Supremo Tribunal Federal.

Os embargos declaratórios porque são de ordem formal, corrigem omissões, contradições e obscuridades, o que não fica difícil supor plausível em um acórdão com aproximadamente trinta páginas de cada nove ministros votantes para trinta e oito réus.

A divergência atual gira em torno da Lei 8.038/90, editada no governo de Fernando Collor e que teria suprimido por ausência de menção específica,  a um único grau de jurisdição o julgamento privilegiado a que fazem jus os parlamentares, invalidando o Regimento Interno do TSF, o qual, relativamente,  autorizaria a oposição do recurso para decisões não unânimes com mais de quatro votos divergentes aos votos predominantes.

Primeiramente é importante esclarecer que nas instâncias inferiores, ou seja, naquelas onde ocorrem os julgamentos com primeiro e segundo graus normais de jurisdição, respectivamente, primeira e segunda instâncias,  o crivo regulamentar (regimental) para subida de processos à terceira instância, ou seja, aos Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, mediante comprovada divergência jurisprudencial e ou negação de dispositivo de lei federal ou artigo da constituição é de enorme discriminação tangente a mera admissão. Os recursos especiais e extraordinários são “abortados” geralmente na origem.

 Há obstruções como: a negação da lei  federal ou constituição deve constar expressa no acórdão (escancarada com todas as letras e pingos nos “is”/ o que os desembargadores não são inocentes em fazer); e há também desprezo ao demonstrativo de divergência jurisprudencial na matéria sob debate, tudo como modo de deixar de admitir oposição para as maiores instâncias,  é claro, quando isso disser respeito a alguns pobres mortais desfavorecidos pelas disposições sumuladas ou outro amparo tido por considerável, como estar sendo televisado ou ter alguma expressão publicitária.

A superlotação dos tribunais superiores somada à insatisfação com a morosidade processual há muito autoriza que normas regimentais suprimam o terceiro grau recursal.  E no caso dos processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal, aparentemente desautoriza a qualquer revisão decisória, levando a crer que já se instaurava alguma cristalização jurisprudencial no sentido de interpretar a restrição dos embargos infringentes, os quais, de fato, ganharam forte impressão de única via recursal para serem invocados como duplo grau de jurisdição enquanto direito constitucional de qualquer pessoa processada, observado que um órgão jurisdicional não pode ser sobreposto a si mesmo, mas tem oportunidade possivelmente provocada de rever a decisão, especificamente por essa via, como se pretende no caso do mensalão.

Argumenta o respeitável voto do Ministro Marco Aurélio que a qualidade jurisdicional do julgamento em plenário é suficiente ao foro em si já privilegiado de modo a desconfigurar o cabimento dos embargos infringentes.

Todavia, por lei é de se admitir o cabimento dos Embargos Infringentes pela não unanimidade da decisão recorrida e pelo que dispõe a Lei Processual Penal e o Regimento a que alude, embora seja relevante ressalvar que esse tratamento inova, ao que se demonstra, o posicionamento da elevada e maioral instância porque pelos ares e bufadas, teve o Supremo Tribunal Federal de se curvar na discricionariedade de seus trâmites interpretativos separatórios entre o “joio e o trigo”, a favor da importância política do assunto sub judice.     

Jussara Paschoini

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

EXPERIÊNCIA, MATURIDADE OU VELHICE?



Um dos cernes do pensamento cartesiano para se guardar é que: as pessoas se acham tão suficientemente providas de bom senso que acreditam dele não precisar mais do que possuem.

Nesta visão qualificada do senso, a escolha acertada é colocada numa proposital distância do que se sabe ou do que se acredita pela acusação de insuficiência desafiante do saber, padronizando a ignorância como ponto de partida para as importantes atitudes.

Acumular saber e não saber são mutuamente necessidades lógicas do método de pensamento cartesiano, sua matemática gráfica de sentidos negativos e positivos a relacionar pontos do pensar numa sistemática de infinitas possibilidades, exata com números, coerente com ideias. Daí se deduzir com apreço a experiência valorosa, não como aquela trancada numa definição, mas, também não aquela destituída de definição ou ponto de partida.

A expressão “do nada” é rechaçada na elaboração cartesiana e ordenada como ponto de partida ou origem,  provido de significado e de inúmeras projeções.

O experiente é a experiência e essa última qualifica o primeiro atendente de seu desafio. Disso é possível pensar no potencial de um ponto, de uma ideia, um desejo ou um manifesto como enaltecido não pelo que representa e sim pelo que projeta em relação a outros possíveis por presença e identidade com bom efeito.

A qualidade da experiência embora relativa, não se dissocia do mundo ou do contexto e, portanto não existe apartada no acúmulo do experiente e nem isolada em algum objetivo, por isso, sem experiência não se dirige bem um carro, por exemplo.

Experiente é quem, num dado contexto, ativou elementos suficientes a relacionar o que possui com o que não possui para alcançar satisfatoriamente um objetivo, produzindo daí mais experiência ou maior potencial experimental nesse mesmo contexto. E eis a importância de ser modesto no próprio bom senso, numa circunstância bastante capaz de sobrepor os principiantes aos graduados. Não se trata de sorte e sim de lógica.

A experiência não traz maturidade e nem envelhece uma pessoa, apenas qualifica potencialmente sua lógica.

Todavia, amadurecer é uma experiência pertinente de se contemplar diante de nossa instabilidade natural frente aos inúmeros desafios independentes ou alheios ao que se pode alcançar, uma vez reconhecidos limites inexoráveis da condição humana, inclusive enquanto animal e racional.

Amadurecer não é instrumental resolutivo  da experiência é avaliação que desponta da capacidade de superação e renúncia, ambas identificáveis nas conexões periódicas com o intransponível para o qual a lógica não se presta e a experiência não é possível. É a beirada do abismo, o princípio da loucura de onde ou se retorna, se salta ou se permanece, aparentemente, sem chegar a lugar nenhum.

Por aparte específico à elucidação, amadurecer transcende a experiência no que pode ser esperança valorosa,  uma permanência capaz de "pichar o muro", desenhar, compor, criar, fazer uso não mais da lógica, fluindo no sentido apaixonado da imaginação. Autuar o limite e cobrar outra perspectiva, idealizar num confronto plausível a recriar aquela realidade, instituindo a experiência renovada de si e do contexto, no que é tão vital quanto a água. 

Maturidade não busca resultado é o resultado, a ação liberta do acerto e aperfeiçoada sem a luz da identificação.

Trata-se de brilho ou brio tanto para retornar, quanto para saltar ou permanecer. Diversamente se destrói, se mata e se retarda a troco de nada.

Por fim, cabe então notar velhice como retrato e a colheita impiedosa do tempo, o limite da idade tendente a ser servido pela experiência e satisfeito pela maturidade se não for conclusão de dores e expectativa de morte, debilidade voluntária ou não.

Respeito é título do velho cuja construção de caminhos ou escolhas retorna ao estado reduzido, talvez quase infantil, porém distinto e apurado para toda a compatível preservação até o máximo de qualquer visível alcance das possibilidades.

Mais do que respeito, clemência e liberalidade são comuns e eternas obrigações para com quem envelheceu, e nisso, por lógica se inclua e se considere a dignidade de uma boa morte, na tradução semântica de origem grega, a palavra eutanásia ("eu" = bom / "thanatos" = morte)  marco central e origem gráfica da melhor política para quem alvorou-se à vitória de partir e chegar lá livre, espontânea e naturalmente.

Jussara Paschoini

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O QUE HÁ ENTRE O SUICÍDIO E A EUTANÁSIA




Dívida é uma resposta para o caminho entre o suicídio e a eutanásia e dúvida é outra. A morte conveniente e a morte por justa opção. Destarte, há que se distinguir entre  Naldo Prechetis que num dado momento da vida cansou de brigar com o sistema depois de ter falido com um estacionamento e um lava-rápido, grandes ideias que afundaram até hoje sem explicação e Beanto Velado Buarcótes, intelectual renomado, autor de dezoito novelas de considerável sucesso, diagnosticado com Lúpus Eritematoso Sistêmico de grau agressivo e classificação grave.

Naldo Prechetis perdeu seus melhores amigos numa discussão de bar, amargando arrependimento por tê-los transformado em sócios. E nunca mais desde então,  participou dos churrascos dominicais na chácara da esposa de um deles, a qual manteve o imóvel longe das execuções civis e fiscais porque se encontrava a tal edificação em nome da associação beneficente “Idade de Ouro” de titularidade dos bisavôs da mesma.

Beanto Velado Buarcótes, depois de oito casamentos, nove filhos, dois do primeiro e os sete outros de cada um dos sequentes, gastava muito do que tinha com pensões e estava cansado e muito desanimado com sua última esposa, uma lindíssima e escultural mulata, trinta anos mais jovem que ele, sobre quem não sabia explicar porque razão, só havia interesse pelo seu dinheiro e naturalmente por seus dotes culturais maduros e elevados, é claro. O diagnóstico da doença começou com reações alérgicas nas regiões atingidas pelo sol, nas marcas da camisa e muita dor nas articulações, tudo evoluindo progressiva e incessantemente para grandes feridas cutâneas e dores ósseas cada vez maiores. Só após muitos exames consecutivos e incapazes de impedir o início de horríveis dores internas em face de lesões produzidas por reações autoimunes múltiplas é que uma biópsia de pele revelou a moléstia.

Iniciados os tratamentos conhecidos, Beanto apresentava melhoras as quais não progrediam satisfatoriamente e o prognóstico acerca de efeitos indesejáveis além de indeterminados que lhe foi fornecido era de que com controle adequado, analgesia, boa alimentação e uma vida regrada, poderia ter uma sobrevida quase normal por um bom tempo, devendo ficar taxativamente longe de qualquer exposição solar superior a dez minutos. Nada, todavia, evitava o constante pruído em suas partes íntimas,  circunstância cabal do pouco restante de sua vida sexual com a indiferente e monumental esposa "interesseira".

Naldo de sua vez foi abandonado pela dele que levou consigo os três filhos do casal após o cancelamento do cartão de crédito e por haver descoberto seu caso com a última secretária e recepcionista do lava-rápido, pessoa a quem mais adiante definiu como uma prostituta salva por ele da lama,  ingrata e regressa ao interior da Bahia, depois da derrocada do negócio.

Solitário, depois de receber citação judicial para pagar pensão aos filhos sob pena de prisão, Naldo procurava emprego como administrador de empresas e tinha o consolo de estar namorando Diana, Julia e Cláudia, alegando-se gestor de recursos humanos de uma grande empresa que o obrigava a viajar frequentemente para promover gestão de qualificação de pessoal e treinamento em diversos estados do país, além de ter de visitar os filhos e cuidar para que não partissem para a droga depois de um divórcio conturbado com a ex. Isso se prestava perfeitamente a eventualidade e alternância dos relacionamentos impregnados de falsidade.

E aquele moleque esquálido e pardo distribuía anúncios coloridos em papel reciclado informando dia, local e horário da palestra do Dr. Horácio Genro Barbosa, ex-estudante de medicina, ex-estudante de engenharia, bacharel formado em direito e atual pretenso de passar no concurso para Juiz. Título da Palestra gratuita: “Aspectos práticos do fim da vida em matéria de bioética e lei”.

Assim, o acaso colocou aquelas letras convidativas nas mãos de Naldo e Beanto enquanto caminhavam pelas ruas do centro da cidade, desviando dos pombos famintos e de seus excrementos verde acinzentados. Para as dezenove horas se identificava o evento, no auditório Marechal Deodoro da Fonseca, da Faculdade de Ciências e Artes em Geral, próxima ao Viaduto. Então, com as pernas e bundas que lhes restavam, iriam sondar essa possibilidade em seus destinos, ao que tudo indicava deveras difíceis.

Dr. Horácio tinha uma voz grave e pungente , dispensava microfone e amplificadores, intencionava promover a elaboração pormenorizada de testamentos vitais afirmando a possibilidade de as pessoas adequarem documentalmente, desde cedo e antes que fosse tarde, disposições de vontade sobre a própria morte, evitando o uso indiscriminado de expedientes proteladores da fatalidade, de acordo com as tendências legislativas e jurisprudenciais aparentemente caminhantes da ortotanásia.

O auditório tinha um odor de mofo com multiuso em spray e cadeiras interligadas com mesinhas de apoio dobrável ao invés de confortáveis poltronas de cinema para desconforto inquieto de quem tinha de enfrentar duas horas mantendo interesse numa falação daquelas, sobre um assunto tão delicado. E no horário estipulado, lá já se encontrava ereto e empertigado o Dr. Horácio com cinco exemplares do livro “Vidas Secas” de Graciliano Ramos para sorteio animador, no final da palestra graciosa.

Doze pessoas ao todo chegaram no horário, Naldo e Beanto, quinze minutos após o início, sentaram para ouvir a seguinte frase: “Não existe livre arbítrio”, o que fez com que ambos se entreolhassem num misto de dúvida, espanto e vontade de cair fora.

Dr. Horácio em um tom sério prosseguiu informando que não era a escolha do assassino que o levava a matar e sim o conjunto de possibilidades disponíveis, entre elas a mortalidade humana e o incômodo real ou fictício  diante de alguma revolta ou desejo insatisfeito somado a instrumentais compatíveis e circunstâncias presenciais e de forças físicas e psicoemocionais cuja temperatura era impossível de se estabelecer, bem como tantos outros fatores propícios para a execução mortal. A escolha era mero detalhe donde concluía a inexistência reduzida à insignificância desse princípio arbitrário e liberatório de vontades.

Beanto, irritado com a comum coceira impregnada em suas partes baixas, logo ergueu um dos braços e o dedo indicador em haste para argumentar que o pequeno e insignificante detalhe de vontade fazia toda a diferença, ao que o Dr. Horácio prontamente respondeu: “Certo, não fosse a ativação do possível desequilíbrio reativo do sistema nervoso parassimpático com relação ao sistema nervoso simpático a determinar detalhes inconscientes de comportamento.”.

Naldo, enquanto se esticava para olhar as pernas cruzadas de uma das integrantes da plateia, quis logo chamar atenção quanto a sua posição e aparência inteligente por trás das lentes de contato e dos óculos de armação com reprodução azul do esquema “couro de jacaré”, indagando o que isso tinha a ver com a possibilidade de dar fim à própria vida, afinal?

Depois de um silêncio longo suficiente a fazer com que Beanto coçasse irresistível e disfarçadamente os testículos, Dr. Horácio a título da doutrina que estudara e cultivara no que entendia ser sua ciência, respondeu com outra pergunta: “Porque alguém tiraria a própria vida”?

Naldo pensou na sua solidão e nas mulheres com quem dividira a cama e em outros tantos desejos, nos amigos que não via mais, nos filhos de quem tinha vergonha, nas contas para pagar e nas cartas e notificações de cobrança, no seu descrédito, na sua condição de homem e no quanto macho precisava ser para dar um tiro na própria cabeça e olhando de soslaio, diferentemente respondeu: “Por estar com câncer incurável, por exemplo”.  

Satisfeito, Dr. Horácio pegou da palavra e disse: “Câncer não é vontade, cura também não é”. E a mocinha descruzou as pernas, para soltar displicentemente que: “Ora! A fé remove montanhas”!

Ignorando propositalmente o comentário, Dr. Horácio concluiu que "a vontade é consequência das causas e nessa definição seu valor pode e deve ser predeterminado para fluir efeitos sempre que possível. Portanto morrer ou matar, como ato de vontade, além de estar vinculado a um motivo de valor moral e mais que isso, juridicamente relevante, precisa ser arte de uma vontade que se possa elaborar conforme permissão legal.".   

Beanto suplicou: “E o amor? E a vida? E a família? E a boa fé”?

Dr. Horácio replicou: “Nada disso é livre arbítrio, muito menos para morrer.”.

Ninguém mais quis falar sobre liberdade ou escolha, um silêncio forçado e não reflexivo travou o debate e Dr. Horácio teve plenas chances de persistir sossegado em desvendar todas as vantagens de se fazer um testamento vital impedindo assim o transtorno de ficar por longos anos respirando artificialmente por aparelhos, com nutrição parenteral e fraldas denominadas geriátricas, além da sujeição a administração das mais diversas drogas aplicadas com a finalidade de estabilizar os estados de inércia corporal além das possíveis dores consequentes, conforme preconizam manter os doutrinadores, ou doutores adeptos da paliação e eteceteras conservadoras.

Sorteados com seus respectivos exemplares de “Vidas Secas” Naldo e Beanto saíram desanimados da palestra e tácita, porém, conjuntamente se dirigiram ao bar mais próximo para beber cerveja muito gelada como precisavam no que obviamente exerceram o arbítrio de expor um ao outro suas mazelas existenciais e o quanto estavam cansados de tudo e todo dia só pensavam em poder parar e dizer não e todas as proparoxítonas dessa construção típica dos novos tempos. Passaram para caipirinha, vodca pura, whisky, rabos de galo e tudo mais que o boteco disponibilizava com tremoço para acompanhar naquela esquina.

Dois exemplares de Graciliano Ramos restaram na mesa de um bar na Avenida Santo Antônio. E num beco pouco iluminado pelo sol, pela manhã do dia seguinte, os “dois perdidos numa noite suja”, de fato, foram encontrados sem vida ao lado das três caixas de ansiolítico receitadas pelo psiquiatra e amigo de e para Beanto, Dr. Prado, quem muito lamentou quando ficou sabendo só depois.

Ambos foram enterrados. Um no Cemitério do Caxambu e o outro no da Vila Altina, sem mais.

(Embora fictícia essa estória teve alguns nomes dos personagens e outras identidades modificadas para evitar conflitos de toda a ordem)

Jussara Paschoini