segunda-feira, 30 de julho de 2012

O PADRÃO E A REGRA





Quando se pensa na antiguidade ou no passado é mesmo lógico que nos orgulhemos das glórias conhecidas e das ignorâncias superadas. É bom notar, porém, com certa poesia que o ser humano do passado, sem qualquer instrumento, sem qualquer facilidade, com muito pouco ao alcance das mãos não foi apenas a base fundamental de tudo que temos na atualidade, mas contava com uma percepção da realidade inevitavelmente muito mais acurada, impossível, repita-se, impossível para o homem moderno.

Aliás, raízes científicas e culturais de valor, como o atomismo, o próprio direito romano e a bíblia, se encontram no período histórico de milênios atrás, não sendo incongruente dizer ter havido um hiato permeado por espasmos elucubradores entre a antiguidade propriamente dita e a modernidade. Muito tempo transcorreu e gerações se sucederam para interpretar e desvendar os frutos plantados pela pura percepção dos antigos.

Então, ao lançar olhos para o individualismo e a liberdade propostos pela meta presente graças aos avanços de toda a gama de pensamento simplificada e acessível nos veículos de comunicação em massa sem perder o valor de tão grandiosa evolução, se aponta para a capacitação humana no resguardo da autonomia e na consequente prática da solidariedade.

Não passa de sofisma compreender o indivíduo autônomo como ser isolado, mas nem por isso o antagonismo necessário ou mesmo acidental relacionando a heteronomia sutil das construções sociais típicas da fugacidade dos caprichos de consumo torna dispensável que se desenvolva o mais rápido possível, um importante compromisso coletivo, essencialmente para legitimar e tornar sólidos novos e mais bem estruturados vínculos.

A conquista do individualismo é hoje uma sobra de guerra cuja administração demanda muita força e requinte e isso significa validar potencias individuais a serviço do amor que une para a realização do bem comum, o sagrado ao convívio humano de qualidade.

Nesse terreno, é sublime suspender o confronto de valores e observar despretensiosamente o confronto de ações.  

Uma simplificação característica à tal intento pode ser encontrada em que já se teve informação de escritores de considerável nível ou pessoas com grande capacidade intelectual que passaram certos períodos de suas vidas em profissões que não dependem de muito raciocínio ou até não o manipulam tanto: vigilância condominial, varredura de rua etc., isso para não contar o fato de que a grandiosa arquitetura nada seria sem o antigo suor dos escravos e a atual disposição e capricho dos pedreiros.

Mais-valia à parte, a constituição física de quem provém do trabalho braçal é comprovada no sucesso esportivo de regra marcado pela presença de indivíduos das classes menos favorecidas pelas facilidades do capital e, a forma e resistência dos trabalhadores de rua muitas vezes superam clara e visivelmente os esforços quase religiosos de fisiculturistas anabolizados frequentes nas academias de ginástica.

É mesmo com esta visão vulgar ao requinte cabível a cada um, que possível se torna divisar o padrão de comportamento da regra com a finalidade de constatar que corrupção e burrice reiterados e registrados, não é mais o Estado o grande opressor da liberdade e do bem comum paralelo, mas o padrão de comportamento e a falta de compromisso decorrente das constantes e pouco significativas inovações de todo o tipo, o sustentáculo da precariedade institucional, inclusive e principalmente privada.

Note-se de passagem a mutualidade do público e do privado nos jogos do poder a que todos se submetem diariamente.

Não é que Givenchy e congêneres não tenham arte ou mérito ao criar ícones de moda acessíveis ao uso de diminuta parcela do globo terrestre, é que andar bem vestido é só uma parte do cabível em termos do convívio e desafio inerente ao humano.

Fato é que já existe declaração de direitos humanos, um sem número de leis e tratados cumpridos e por cumprir e o contingente populacional crescente se dedica a manter e criar padrões tão ou mais escravos do que qualquer decreto. O resultado são indivíduos supostamente livres, supostamente bem alimentados, supostamente belos, supostamente informados, supostamente ricos e estupidamente infelizes.

Neste contexto é conveniente invocar o grande cientista social Durkheim, apesar de este haver atuado a serviço do exercício da autoridade econômica e da imposição de disciplina social rígida. Houve por parte do estudioso investigação pormenor da questão do suicídio como uma decorrência “normal”, um típico acidente da vida em sociedade, vez que para ele o homem era produto desta, a sociedade.


Durkheim fala em suicídio egoísta, altruísta e anômico sendo o primeiro decorrente da apatia e da falta de vínculos, o segundo oriundo da força e da paixão heroica e o terceiro da decepção ou das desproporções entre as aspirações e as satisfações. É bastante visível que os padrões de suicídio aí observados possam transpassar e incorporar as transgressões do individuo contra a vida dos semelhantes também.

Ainda segundo Durkheim, o amor social produz os deuses de que necessitam os homens, os fenômenos sagrados e profanos, o respeito o devotamento e a adoração e com ele o fervor e exaltação da vida coletiva. Não deixa de ser verdade, mas o amor sem realização é mera potência e se sacrificar o indivíduo, continua a ser violência, circunstância para se perceber e trabalhar com todas as ferramentas disponíveis à vida num sentido particular mais independente do padrão e mais solidariamente dedicado ao coletivo.

Trocando em miúdos o ser humano padrão, poderia visualizar a troca conceitual pelo ser humano exemplar tanto ao manifestar reflexão quanto ao manifestar ação, conforme for a aptidão de suas escolhas e os compromissos que fizer e pelos quais responderá por própria vontade, deixando de servir, por conseguinte, à fome hierárquica da cadeia alimentar e passando a cooperar com o semelhante digna e igualmente comprometido.

A morte é mesmo uma constante na equação da vida e não fosse ela outras contradições limitariam diversas propostas evolutivas. Não há sujeito vivo sem renúncia e a arte ou o trabalho têm essa medida tensora para manter e renovar afetos e interesses, individuais e coletivos.

A questão entre o padrão e a regra é justamente não relaxar tal tensão a favor tanto da autonomia quanto do convívio, ambos fundamentais na relação entre a vontade, a decisão e a ação vital.

As partes constroem mesmo o todo e a qualidade da parede depende dos tijolos e da liga, simples assim.

Jussara Paschoini

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O CORINGA NÃO VAI AO CINEMA






Pensar em um vilão interessante seria assustador sem o paralelo do herói ou do mocinho a contrastar e diminuir com golpes fatais a magnitude da figura, aquela incorporada nos nossos piores medos. Dentro do espaço ideal o vilão é figura necessária, é o desafio à ordem, o elemento destruidor que provoca o caos e a reconstrução que se segue, para uma pelo menos suposta renovação, é a escuridão sem a qual o iluminado não aparece.

Na realidade não há vilão, há o sociopata, sangue, dor, invasão, estupidez e, afora isso, inconsequência. Sim, porque, de fato, o assassino em concreto, não foi criado para ser combatido pelo mocinho ou pelo herói, para perder ou vencer, ele existe para si mesmo numa vida ao contrário, num ímpeto de morte, bem diferente do que se contrapõe, às vezes, de modo muito válido, às verdades santificadas pela moral.

O “Coringa” é um vilão interessantíssimo, inspirado na figura de um jogo de cartas, um oportunista das regras, alguém que representa a vantagem tirada da sorte e que revira o jogo sem qualquer motivo, pelo simples fato de aparecer, então, representa o desafio, o empecilho a ser superado pela inteligência, pela estratégia e pela força consciente.

O sociopata do mundo real é desinteressante, não aparece porque precisa se ocultar mesmo que numa bela imagem, não tem uma ideia passível de ser considerada verdadeira ou falsa, para a qual caiba interpretação, mas uma trapaça que por mais sofisticada que seja não tem sentido e nem perspectiva. Trata-se apenas de destruição, muito pior e mais passível de ser renegada do que aquela que um rato solto pela casa pode provocar ao roer diversos objetos do apreço de seu proprietário.

O sociopata e o “Coringa” , ambos são incômodos, a diferença está nas perspectivas entre o sem resposta e a resposta desafiadora, respectivamente.

No mundo real, onde os sociopatas existem com diferentes graus de morbidade na produção de inconsequências pessoais e desastres sociais, há duas circunstâncias típicas à consideração do tipo, além, é claro, de sua proximidade pessimista ao instinto roedor em matéria de destruição: a culpa e a mentira.

A psiquiatria há muito se dedica a pesquisar o cérebro dos criminosos, realizando constatações no sentido de que alterações, principalmente do lobo frontal com possíveis coadjuvantes límbicas, seriam um indício funcional neurológico da criminalidade, vez que as lesões ou falhas no metabolismo neural destas áreas encontrariam associação com o comportamento sociopata, em virtude principalmente de ocorrer diante da função julgadora, emocional e mnemônica das produções mentais aí descobertas como presentes.

As inúmeras pesquisas destinadas a desvendar o que poderia ser considerado doença, pressupõem fundamentalmente a ausência de culpa no processamento dos fatos pelo sociopata, disso resultando sua condição irrefutável, já que não se determina serem os achados cerebrais causa ou efeito do ambiente mais ou menos injusto da procedência do indivíduo assim observado.

O binômio culpa e punição não significa que haja uma relação matemática entre estas, principalmente quando o assunto é humano, todavia, o maior percentual de lesões ou deficiências neurais de áreas afetas ao julgamento em sociopatas advindos da submissão a ambientes marcados por maior grau de violência e abuso, pode levar a crer numa possível somatização do medo, com consequente insensibilidade, inclusive à culpa.

Somático ou não o medo sociopata é sempre humilhante, ou seja, por maior que seja o requinte e a crueldade da ação sem instinto e mórbida, ela nada tem para ser avaliada que não caia no fútil e sem sentido.

Não é no elemento culpa, contudo, que se ataca adequadamente o sequer delírio do irrefutável pela ausência de rumo do sociopata, mas pela mentira, a qual, no caso, não é o oposto da verdade ou o falso, nem o moralmente não aceito como válido ou existente, mas sim o sofisticado representante da impotência, crente no domínio do inerte, morto num aparelho físico insustentável e sedento de companheiros tão incapazes quanto ele de sentir o calor do inferno ou o que o valha.

Já se ouviu assassinos contumazes dizerem sentir alívio quando matam. Nada sentem, talvez percebam sim, e de modo fugaz, o induzido fato de não estarem sós quando contagiam de modo pusilânime a própria falta de vontade pela deturpação da vontade alheia, inclusive de viver, pelo assassinato destemperado.

É mister no “silêncio dos inocentes” que a imbecilidade sensacionalista pare de tratar esses seres sem remédio ou antídoto como rebeldes ou vilões, quando não passam de mentira, engodo perigoso, infecção de raciocínio producente de danos irreversíveis, principalmente a embasbacados invejosos descendentes de menor torpeza apenas porque terminam revelando um ineficaz e psicótico arrependimento.

Personagens reais ou fictícios não existem ou deixam de existir para assistir a si mesmos, fazem parte de algum enredo vindo da capacidade de viver e não é plausível que se atribua comparativo disso aos autores macabros e repetitivos da própria morte seja qual for a arma, o motivo, o alvo ou a companhia, e é por isso que os predadores estão na selva e o “Coringa” não vai ao cinema.

Jussara Paschoini

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL NOS PLANOS DE SAÚDE E A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS)






Desde 1977 os serviços de saúde prestados pelo governo se vinculavam ao extinto INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), qual seja, saúde e previdência social eram vinculadas, disto decorrendo que o serviço público de saúde era organizado para atender os trabalhadores com registro em carteira e contribuintes da previdência social. Somente em 1993 o INAMPS foi definitivamente excluído como órgão do governo, sendo certo que desde o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), os serviços de saúde pública ficaram a encargo do Sistema Único de Saúde (SUS) o qual divide serviços médicos na esfera federal, estadual e municipal bem como incorpora as Vigilâncias Sanitária Epidemiológica e Ambiental, sendo certo que em apartado ficou o órgão previdenciário INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social).

Frise-se que na vigência do INAMPS quem não era contribuinte da previdência social ficava sujeito ao atendimento em entidades filantrópicas, como a pedra fundamental do atendimento médico em São Paulo, a Santa Casa de Misericórdia.

Já o Hospital das Clínicas, fundado em 1944, possuiu destinação mais vinculada então aos atendimentos do INAMPS.

Em São Paulo, pelo menos, em virtude da ampla vinculação dos serviços de saúde pública e o ensino médico nas faculdades relacionadas, durante muito tempo, o atendimento público à saúde teve a qualificação não apenas de servir ao desenvolvimento da prática médica, mas de funcionar como um trabalho multidisciplinar pautado pela intensa observação e discussão dos casos vinculados, disso resultando não apenas um ótimo atendimento como também o desenvolvimento de profissionais de gabarito considerável. Nenhuma grande expressão da medicina atual deixou de passar pelas instituições públicas de atendimento à saúde, quer no período de residência médica, quer na fase de especialização profissional.

O contingente populacional crescente e a prática vinculação dos serviços médicos aos objetivos de execução e aperfeiçoamento do ensino associado conduziu a que houvesse sempre demora no atendimento público à saúde, numa situação que se agravou cada vez mais com o passar dos anos, levando a população a desenvolver gradualmente uma grande insatisfação e repulsa ao atendimento disponibilizado pelo governo.

Observe-se que para adequar parte da demanda dos serviços devidos pelo INAMPS, além dos hospitais da rede pública e das instituições filantrópicas, diversos hospitais particulares passaram a se conveniar ao governo para operar atendimento à população respectiva, ou seja, o governo contratou serviços privados para os contribuintes da previdência social.


O advento a Constituição de 1988 e a desvinculação da previdência social com relação ao direito ao atendimento público de saúde caracterizou um sensível desvirtuamento na demanda quantitativa de atendimento e na disponibilidade pecuniária para remuneração dos serviços médicos vinculados e contratados pelo governo, conduzindo a que, quando da prática extinção definitiva do INAMPS, em 1993, as instituições privadas em efeito cascata debandassem de prestar atendimento público á saúde.

Nesse interim, já se iniciava, a princípio como parte de um ideal “baú da felicidade”, os denominados planos de saúde, não obstante já existissem associações voltadas a assegurar atendimento médico global mediante contribuição ou prêmio financiado de forma particular.

Exemplificativamente, teríamos a tradicional Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas e o desaparecido CLAM, que integrava, conforme já se disse, os ideais do “baú da felicidade”.

A conjuntura de necessidades públicas insatisfeitas e o interesse particular em atrair a prestação de serviços, fez desenvolver diversas formas dos denominados planos de saúde, em pequenas e médias empresas com serviços médico-hospitalares próprios e ou contratados, em cooperativas médicas de grande porte, como é o caso da UNIMED, em instituições financeiras de expressão securitária, como, por exemplo, a Bradesco Saúde e etc.

Deve ser aberto um parêntese para evidenciar a complexidade dos serviços hospitalares em qualquer esfera, pública ou privada, observando que o serviço deve funcionar 24 horas, os empregados trabalham geralmente em jornada especial de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, a hora extra por disposição cristalizada em acordo coletivo é remunerada a 100%, devem ser mantidas comissões de ética médica e controle de infecção hospitalar entre outras, são sempre corresponsáveis por qualquer ato de negligência, imprudência e imperícia ocorrido em suas dependências, com raríssimas ressalvas.

Pautadas pela liberdade de contratar as empresas de plano de saúde desenvolveram forma lucrativa de integrar atendimento médico ampliado pela administração de recursos coletivos, disponibilizando serviços e estabelecendo carências e exclusões de cobertura, o que, pelo menos teoricamente, remetia aos serviços de atendimento de saúde governamental boa parte dos procedimentos médicos de maior complexidade.

Não tardou a que se observasse um considerável desequilíbrio na relação entre o povo, os planos de saúde e o governo, donde resultou e frise-se, resultou, o povo desamparado em suas necessidades totais, ainda que, de certo modo, confortados pela melhor qualidade de boa parte dos serviços particulares dos planos de saúde.

Então como sempre soa acontecer nos oportunismos guardados na ação do poder, criou-se uma inimizade pública contra os serviços dos planos de saúde, e obviamente no blefe social democrático exercido por alguns políticos nasceu intrépida e faceira a intervenção vingadora, a qual redirecionou poderes estatais para uma autarquia, mediante delegação governamental para regulamentar e fiscalizar a visada iniciativa privada e devolver ao Estado o resultado de sua incompetência em gerir serviços médicos.

A lei 9656/98, além de obrigar os serviços privados a um esquema de elaboração atuarial “supervisionada”, à cobertura indistinta de todas as doenças e quantitativos correlatos em consultas, exames e internação, à limitação de carência (ou período de cobertura parcial temporária) no período máximo de dois anos apenas no caso de lesão ou doença preexistente, determinou que os planos de saúde cadastrassem junto ao governo a identificação de seus associados para ensejar que o mesmo recobrasse da carteira dos planos, o atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (artigo 32 da Lei 9.656/98).

Assim, uma pessoa acidentada no trânsito, por exemplo, levada ao serviço de atendimento público, para uma internação de prazo indeterminado, caso tenha plano de saúde, terá os serviços que receber porque paga impostos ao governo, recobrados desse mesmo plano, mediante aplicação de uma tabela denominada TUNEP (Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos). Os valores são cobrados e revertidos para participar do sustento da Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS, uma autarquia a quem se delegaram poderes (cabíveis e constitucionalmente praticáveis pelo legislativo) , para regulamentar os planos de saúde.

Apenas para constar, as inconstitucionalidades decorrentes tanto do repasse de deveres públicos constantes do artigo 32 da Lei 9656/98, como a delegação de poderes legislativos indiscriminados para uma autarquia, foram objeto de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, engavetada nos liames burocratizados convenientemente pelo governo da época.

Não é que os planos de saúde não devessem ser regulamentados, é que deviam receber uma regulamentação racional, plausível a melhorar e ampliar o atendimento à saúde, e o que aconteceu foi bem o contrário, pelo simples fato de que a espada vingadora eliminou grande parte do interesse privado em investir e oprimiu indelevelmente os recursos disponíveis no setor privado transferindo-o para uma autarquia de poderes limitados pela inconsequência, já que não se pode “matar a galinha dos ovos de ouro”.

As operadoras de pequeno e médio porte, geralmente ofertantes de serviços médico-hospitalares próprios, em sua maioria, liquidaram a atividade de plano de saúde, transferindo a carteira de beneficiários para outras operadoras, num ciclo sucessivo onde o conteúdo e a capacidade dos serviços foram sendo diluídas à revelia de quem pagava, muitas vezes sem ter mais qualquer serviço disponível.

Fato é que a operadora privada de plano de saúde, a exemplo do próprio governo, passou a cortar gastos, diminuir a rede credenciada, principalmente porque não oferece remuneração compatível com os serviços exigidos, os quais acabaram e ou acabam por debandar, natural e logicamente da prestação contratada e impossível de ser coercitiva. Resultado, dois gumes, dois feridos, tiro pela culatra mais uma vez e diversos mortos e machucados sem atendimento.

A tendência não é melhorar. Não tem multa aplicável que obrigue o setor privado a investir sem a contrapartida do rendimento adequado a compensar riscos e remunerar a qualidade dos serviços.

A lamentável conjuntura encareceu o dispêndio da pequena parcela da sociedade com condições para manter um plano de saúde e fez decrescer em contundente visão a qualidade dos serviços disponíveis, apenas para remunerar mais um órgão de manipulação política, na prática, um desvirtuador de contornos tão providos de desfaçatez quanto o objeto de sua origem reacionária.

Não se transfere deveres públicos pelo simples aproveitamento das insatisfações populares ou pelo uso teatral e eleitoreiro de uma “espada justiceira”. O interesse desta estirpe deve continuar vinculado aos princípios de legalidade, razoabilidade, indelegabilidade, impessoalidade e moralidade do ato de governo legitimado, circunstância que os milionários preferem desconsiderar.

Não se pode perder de vista, em todo esse contexto que o principal elementar do atendimento à saúde é a medicina e que a individualização do atendimento, a discussão, a interação prática do ensino médico bem direcionado e presidido não só pode como deve tornar menos rápida e mais eficiente a prestação de serviços.

Deste modo e não obstante, a retidão e acerto das condutas praticadas tanto preventiva quanto curativamente podem ser compensadores o suficiente para substituir o atual estado de confusão e desperdício lamentavelmente assediador de tão fundamental dever estatal, em consonância com o disposto pelo artigo 196 da Constituição: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação.”

Jussara Paschoini


terça-feira, 10 de julho de 2012

EDUCAÇÃO E OBRIGATORIEDADE PLURAL




            A educação é preocupação de quem é pai, mãe e de quem não é. A formação dos indivíduos conviventes na sociedade se distingue naquela decorrente dos vínculos naturais, sujeitas às peculiaridades familiares variáveis e a regime jurídico próprio com vistas a resguardar dependências de ordem física e moral na ordem ascendente e descendente, bem como naquela destinada a informar e qualificar a aptidão do indivíduo aos termos vigentes de civilidade.

          É de se registrar no momento histórico atual, um distúrbio visível entre pessoas em formação, passando desde o Bullying, pelo alcoolismo, consumo indiscriminado de drogas, gravidez precoce, depressão, obesidade infanto-juvenil etc., sendo bastante claro que tais problemas atingem todas as classes sociais, num alerta retumbante de que efetivamente há uma falha gigantesca e prejudicial nos parâmetros determinantes do ensino confiável, para além das fronteiras familiares.

          A família crente de ajustar a melhor educação possível dentro ou fora do ensino público vem experimentando diversos dissabores não condizentes com o esforço e dispêndios realizados nesse sentido e tanto o micro quanto o macrocosmo social experimenta amargos resultados de insegurança e desgosto.

            Não é mais possível ignorar o interesse público emergente da importância educacional, e para análise pertinente ao assunto, é básico que se tome o dispositivo nacional e constitucional relativo ao assunto para adequação exegética refletida.

              Dispõe o artigo 206, em seus incisos I, II, III e VII da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.

           O primeiro princípio constitucional trata da igualdade de condições para acesso e permanência na escola, não significando como se percebe desde logo que há igualdade entre as pessoas a serem focalizadas no ensino, mas que tanto o acesso quanto a permanência destas na escola devem ser tomados em consideração, assim como, deve-se beneficiar as diferenças, inclusive econômicas, para aplicação desse dispositivo norteador da ação governamental devedora do amparo a este direito fundamental, a educação.

           Trata-se de regra civil destinada a favorecer o que podemos tomar, na concepção de John Rawls, como oportunidade de desenvolvimento das capacidades morais de racionalidade e razoabilidade, enquanto elementares também do ato público perfeito.

            Segundo esta concepção pertinente a refletir a igualdade de condições para acesso e permanência na escola, a racionalidade concebe um bem, um projeto de vida e os meios para realizá-lo, enquanto que a razoabilidade concebe a propositura e aceitação de acordos justos na negociação de regras com ponderação e reciprocidade, com fulcro a conferir razão estratégica e civilidade ao indivíduo no desenvolvimento de suas capacidades morais.

           Sem foco no desenvolvimento das capacidades morais, tomadas a partir do indivíduo e para ele no convívio social, o primeiro princípio constitucional acerca do ensino é inócuo, na medida em que despreza o conteúdo próprio interessante ao educando, bem como a respetiva autonomia a se desenvolver, conforme se verá em prosseguimento ao raciocínio jurídico-constitucional.

          O segundo princípio trata da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, reporta-se a ampliar a cognição rumo ao pensamento, a arte e o saber no livre processo de aprendizado e ensino, sendo bastante lógico que tal liberdade não sirva a um único método, mas à amplitude e não menos que ela, na formação do indivíduo.

        A liberdade de aprender e ensinar não autoriza o diminutivo educacional e sim o aumentativo, a majoração informativa, a exposição de diversos pensamentos, diversas formas de arte, diversas manifestações do saber. A liberdade significa disponibilidade ilimitada de conteúdos no contexto educacional, na lógica cabível aos vários níveis de sua evolução.

           O terceiro princípio que trata do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições publicas e privadas de ensino, a exemplo do segundo, deve ser visto à luz do disposto pelo último principio aplicável ao ensino, constante do inciso VII do artigo 206, já transcrito, que é a garantia de padrão de qualidade, enquanto arremate salutar a determinar a possibilidade e o dever estatal de intervir em termos qualitativos.

            A educação é ciência de formação cognitiva, já se tendo notado que a capacidade moral é interesse fundamental do ensino pela racionalidade e razoabilidade apontadas por John Rawls para a formação de indivíduos autônomos diante de conteúdos a se maximizar.

         Nesse contexto, é muito relevante preconizar a evolução de métodos de ensino experimentados e consagrados cientificamente como mais eficazes aos objetivos colimados pelos princípios constitucionais do ensino, quer dizer, a liberdade de conteúdo e o pluralismo de ideias não se aplicam tão facilmente, não são importantes em concepções pedagógicas discordes de tais princípios, portanto há que se distinguir o pluralismo de ideias do cabimento irrestrito de qualquer concepção pedagógica, evitando contradição dos temas, conforme dispostos na carta magna.

         Do mesmo modo como a medicina ultrapassou a teoria dos miasmas, a pedagogia ultrapassou a noção autoritária do ensino, fixando o melhor parâmetro científico na disponibilização racional e razoável de um múltiplo saber mediante interação ativa do educando, significando abolir e desprezar definitivamente a repressão e a manipulação do comportamento.

        A tarefa de educar, dentro dos termos constitucionais, não é simples, exige mesmo qualificação e intervenção do Estado, pela adoção de métodos compatíveis, donde há que se reconhecer o mérito piagetiano em termos de representar uma excelente visão, compatível com a aplicação dos já descritos princípios, isso sem desconsiderar similares como Kohlberg e Montessori, porque partem da premissa de estimular a espontaneidade do intelecto, de construir categorias de pensamento permitindo liberdade de conteúdo como instrumental evolutivo da aprendizagem, valorizando conflitos resultantes ao invés de permanecer na mera transmissão de conhecimentos limitante da reorganização própria das assimilações válidas.

         A figura do disciplinador “generoso” deve ser urgentemente substituída pela figura do estimulador da autodisciplina, observando-se o privilégio da interação, cooperação e intercâmbio como forma de promover o ajuste de desigualdades em consonância com o necessário no contexto educacional. Nesse sentido a atualidade aponta para as modernas composições lúdicas (games educativos tendentes a ser especialmente desenvolvidos), bastante adequadas por permitirem a soma de aprendizado com diversão num esquema de confrontos estimulantes interessantes ao conflito cognitivo interativo, sem o peso muitas vezes agressivo da competitividade esportiva, a qual, nem por isso, deixa de ser relevante no instrumental a se disponibilizar ao incentivo criativo, inventivo e descobridor do aluno.

         Não se pode perder de vista a necessidade de tornar o educando apto a agir como deve, sem a necessidade de ameaças externas, ao mesmo tempo em que se o torna capaz de se submeter aos ditames de ordem coletiva, dando ensejo ao convívio pluralista sob qualquer ângulo, social, cultural, religioso, político etc.. Estabelece-se um liame contatual entre o indivíduo e concepções mais abrangentes mediante razoabilidade, instituindo uma interface salutar a multiplicidade de ideias.

           A sala de aula e as carteiras não podem e nem devem aprisionar os alunos e o silêncio só é imponente para reflexão e ocorre naturalmente, conforme se tornar importante ou fundamental. A discussão e o diálogo são veículos tão ou mais relevantes que a leitura e a escrita, essenciais ao aprendizado.

      John Rawls propõe uma escola multicultural conciliada com a democracia e o liberalismo, buscando equilibrar o universalismo transcendental e as restrições particularistas, fixando os seguintes valores: liberdades básicas, igualdade de oportunidades e deliberações baseadas em procedimentos justos.

         O Estado deve lançar um longo olhar a esta muitíssimo compatível visão prática e aplicativa dos princípios constitucionais definidos para a educação, com a finalidade de que esta assuma seu papel efetivamente formador, de acordo com as exigências da atual evolução histórica, para que não se percam conquistas do passado e nem se sacrifique o futuro em nome de uma acomodação estúpida diante do imprescindível.

        Uma boa educação não precisa ser dispendiosa se contar com educadores bem formados ao exercício do acesso e permanência nas escolas, realizando critérios de avaliação crítica compreensível e estimulante ao educando, ao invés de cifras de marcação lotérica textadas no horror dos atuais expedientes do tipo ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio) e congêneres do meio educacional.

       Nada desafia mais e positivamente um ser em estado natural de evolução do que a descoberta de si mesmo e a consciência dos desígnios próprios em moldes resultantes da capacidade moral no convívio livre e ajustável de diversas percepções.

        Há elementos para que o Estado opine qualitativamente em termos de educação e para que não só ofereça como também exija um padrão de qualidade a todas as instituições de ensino públicas e privadas, estabelecendo, inclusive e se for o caso, mediante elaboração por pessoal especializado presente no país (já que aqui se exerce o magistério por amor), de um módulo de treinamento, instrumental e conteúdo para facilitar a implantação de um sistema de ensino que melhor atenda às constitucionalidades. É preciso implantar disponibilidades e incentivos.

        Visto este aspecto relevante ao norte de uma fundamentada ação governamental, cumpre então evocar o pluralismo como o substrato histórico capaz de deslocar ao humano o valor que vem sendo relegado há milênios pela preponderância do materialismo insurgente na resposta comunista ou mesmo no relativismo pós-moderno sob a ótica das diferenças irredutíveis e da política sem consenso e separatista.

         E não há nada por ora mais emocionante do que citar o honroso jurista Miguel Reale que dedicou uma obra ao assunto: “Pluralismo e liberdade”, apartando para destaque as seguintes frases:

“pluralismo das filosofias coexistentes e das opiniões e teorias políticas pacificamente contrastantes no diálogo fecundo possibilitado pela convicção do valor radical da pessoa humana e de que ‘ o limite da liberdade só pode ser outra liberdade’.”

“liberdade política só é legítima quando se concilia com a diversidade infinita do ser humano, inspirando e condicionando o colóquio vivificante e pacífico de um mundo plural.”

       Frise-se o valor radical da pessoa humana, o limite da liberdade em outra liberdade e um mundo plural.

        Assim, melhor do que propaganda eleitoral gratuita e filme do super-homem, melhor do que casamento gay, melhor do que voto livre e que Coca-Cola com embalagem reciclável e tudo mais que puder ser pensado, é que a educação cumpra a finalidade e o interesse público de ampliar horizontes e ensejar a justiça social, de acordo mesmo com a proposta constitucional vigente em nosso país.

Jussara Paschoini







segunda-feira, 2 de julho de 2012

O BLEFE POLÍTICO NA SOCIAL DEMOCRACIA






O homem saiu da caverna e descobriu o mundo das ideias e então a faísca platônica para toda uma evolução de conceitos que chega à política, à regência hierarquizada pela predominância de ideias em uma sociedade ou na polis. O importante a se abstrair desde logo, de tão extensa elaboração observadora do homem em relação com o mundo, é a capacidade de escolha, o exercício da opção, partindo de um ou mais e podendo ou não contagiar outros em um determinado período de tempo e circunstância histórica, para produzir regras do bem comum, qual seja, fontes de poder.

A natureza humana busca mais do que meios de sobrevivência, acertos de conduta, aprovação coletiva. Desde os primórdios com feição marcada no direito romano isto se definiu por status, pelo posicionamento na escala de valores ideais acatados pelo exercício do poder feito predominar pela escolha ou pela ausência desta, a condicionar a sobreposição de indivíduos uns aos outros como modo de resguardar e manter nada mais e nada menos do que o status.

Isto quer dizer que o exercício do poder do homem pelo homem é fruto, entre outras coisas, da predominância de ideias impostas coercitivamente, a princípio para manter o status determinado, conforme já se disse, por uma escala de valores consagrados em ação ou omissão volitiva.

A busca por status faz variar as fontes de exercício do poder pela contraposição de ideias, sendo importante frisar aí, que existem duas circunstâncias estabilizadoras desta contraposição, uma é a ameaça física ou moral intensificada de acordo com o grau de acomodação dos indivíduos numa sociedade e a outra é a manutenção de status equivalente entre todos os indivíduos, a igualdade.

No transcurso da história a contraposição de ideias relevantes em termos de política, definiu, de acordo com isso, dois modelos de ação governamental, o modelo liberal e o modelo intervencionista, o primeiro baseado em permitir e assegurar a aptidão de ações econômicas e critérios de produção para fixar o status do indivíduo, engendrado na liberdade de agir ou não a favor de si próprio para conquistar posição na escala de valores; o segundo baseado em convicção absoluta acerca de uma única escala de valores, considerada exclusiva e perene, determinado assim sua imposição coercitiva para limitar a liberdade de agir fundamental ao primeiro modelo, com vistas à estabilidade de status já existentes ou então, idealizados para um fim.

Afora os absolutismos característicos do império e da mediação religiosa inerente à maioria dos modelos intervencionistas, o comunismo veio como um contraponto ateu, idealizado para estabilidade dos status mediante imposição de igualdade, estabelecendo a intermediação da força socialista para garantir uma sociedade sem contraposição de ideias pela igualdade econômica.

Não é preciso dizer que ambos os modelos, numa manifestação jurídica do que se compreende como injustiça das interpretações extremas, só produziram insatisfação, além de ficarem claramente caracterizados como formas bastante cruéis e selvagens de política, muito inferiores mesmo àquela realizada com fulcro na democracia, na política ideal preconizada pela filosofia e pensamento helênicos.

A democracia, diante dos modelos de ação governamental trata-se de um princípio ideal, segundo o qual, toda a vontade válida na escala de valores producente de status, possui uma representação, favorecendo assim a contraposição civilizada de ideias entre os representados.

É claro que quanto mais intervencionista um governo é, menos democrático, sendo certo que o modelo liberal se tipifica por esta seara, em proporção democrática inversa, com a ressalva de vincular o status ao poder econômico enquanto base de sua noção evolutiva, numa circunstância debilitante ao domínio das ideias com consequente desestabilização social em face da extrema desigualdade de classes resultante em afronta ao regime respectivo.

O liberalismo reduz a política à mera observadora de uma batalha pela sobrevivência pautada em valores pecuniários, visando a manutenção da ordem produtiva e do ganho de capital cujo equilíbrio estaria garantido pela competitividade da lei da oferta de da procura, pressupondo uma perfeita economia de mercado, a qual se provou bastante falha por conta de inúmeras variáveis surgidas no mundo moderno na medida em que se multiplicaram e se diversificaram tecnologias e necessidades humanas correlatas.
  
Para responder à falha dos dois modelos de governo surgiu a Social Democracia, difundida como a solução política mais coerente para a prática organizacional da sociedade, porque traduziria a manutenção da liberdade mediante garantias, porém, intervindo a favor do bem comum. A política na Social Democracia deixa a condição de mera observadora e passa a ser agente estabilizador, mediante intervenções governamentais destinadas a garantir o bem comum mantendo direitos e liberdades fundamentais ao homem pela ação racional da intervenção estatal.

Seria maravilhoso se a Social Democracia não viesse a configurar de modo conotativo, um moderno “Muro de Berlim” que separa o liberalismo do intervencionismo e onde trepam à vontade militantes de ambos os lados, legitimando o passado e mantendo as mesmas ordens anteriores à custa de uma sigla, de uma proposta política permissiva que nem sempre é honesta e muito menos democrática.

Cansamos de ver liberalidades onde deveria haver intervenção e intervenção onde deveria haver liberalidades. O Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), por exemplo, é um claro estereótipo da prática às avessas, privatiza conquistas públicas em expedientes duvidosos, corrompe poderes para sustentar suas arbitrariedades compreendendo-se maquiavélico, e impõe ao setor privado deveres públicos a peso de chumbo e sem qualquer incentivo, além de arrogar-se em medidas protetivas de minúcias sem significado e fazer vistas grossas a questões de relevo. É um retrato claro e sem-vergonha  “em cima do muro”.

É pressuposto de igualdade que o Estado exerça poderes dirigidos aos direitos fundamentais, dentre eles, principalmente, a educação, saúde e segurança, para isso, além de gerir recursos próprios e produzir vantagens econômicas através de suas empresas, o governo cobra tributos.

Nosso PSDB privatizou empresas públicas à torto e à direita aboletando-se na cômoda posição de enxugar a máquina pública, enquanto multiplicou assessorias e contratações ilícitas para onde vertem quase de modo hemorrágico grande parte dos recursos públicos, manipulou aprovações legislativas, mormente para criar a aumentar tributos (não esqueçamos a CPMF e a incidência tributária dos atos cooperados por diploma legal ilegítimo), burocratizou instâncias judiciárias superiores para cristalizar decisões de interesse político, desvirtuando o controle a ser exercido pelo respectivo poder.

Isso tudo e o sorriso maconheiro do Presidente Fernando Henrique Cardoso e seu fiel corvo José Serra, ministro da saúde criador da Lei 9656/98, a qual para regimentar os planos de saúde, tornou-os muito mais caros e operantes em ritmo e qualidade decrescente, à custa de um serviço médico cada vez mais mal remunerado e de uma população cada vez mais mal atendida, dependente de um cabide de empregos chamado Agência Nacional de Saúde Suplementar e sujeita ao repasse de seus recursos para uma rede pública cada vez mais inoperante.

Nada em termos de planejamento familiar.

Educação, mantida nos piores níveis, refletindo no mesmo diapasão dos planos de saúde, a necessidade recorrente ao setor privado, desarvorado na oferta de serviços caros e nem tanto qualificados, disponíveis a uma mínima parcela da população.

Transporte em estradas taxado por altíssimo pedágio ou em péssimas condições.

Segurança praticamente inexistente e criminalidade incentivada pela falta de ação social somada à impunidade gritante, principalmente com relação aos atos de improbidade pública.

O muro peessedebista manteve e exacerbou problemas nacionais mediante condutas e atitudes traiçoeiras aos adeptos da Social Democracia, e isso não podia deixar de lhe render o descaso de não mais ser mantido na presidência da república; ainda que sua herança política perdure no seu substituto atual, mantenedor de semelhante sacanagem com participantes execrados do terreno intervencionista cabível no comunismo, mantendo-se liberais no que interessa e intervencionistas no que não interessa.

Porém, os governos estaduais e municipais, principalmente de São Paulo, diante da mais absoluta falta de expressão por parte de políticos novos e da mesmice conluiada dos liberais e intervencionistas do passado (frutos de ditadura e do pseudo-comunismo), continuam a servir à rota intermediária eletiva desses parasitas políticos escondidos na ideologia social democrática, vestindo a cada momento a personalidade que lhes convém, o que significa personalidade do bolso e do alcovite.

Não é contudo a falta de opção e a distorção ideológica o norteador do exercício da política, da escolha, é preciso ao menos ter uma visão clara a respeito da ausência de compromisso a ser repelida com a mais cruel veemência,  para que o ideológico deixe de perecer na prática e para desautorizar o exercício do poder tanto pela hipocrisia dos bons velhinhos mal intencionados, quanto pela aquiescência de quem de direito, o povo.

 Jussara Paschoini