segunda-feira, 25 de junho de 2012

A MULHER, O SANGUE E O ABORTO







Considerando nossas origens culturais religiosas, a mulher que passou por um histórico tão marcado pela submissão e pala tacha de inferioridade, sempre foi , à beira da superfície, um convite à transgressão e não é à toa que Eva foi a primeira a conversar com a serpente e romper com o mundo idílico.

A fêmea sapiens não tem cio, tem período fértil, quando sangra, não concebe, tem o carma da besta, isso não te diz nada?

A besta é fruto de um cruzamento entre o jumento e uma égua ou de um cavalo e uma jumenta. Trata-se de um animal infértil em ambos os gêneros e também de um marcador da presença demoníaca no mundo. As mulas têm a peculiaridade de representar um risco natural aos filhotes de outros animais, pois, costumam matá-los. Gente da roça, sabe.

A associação da menstruação feminina à impureza biblicamente informada como imprópria à proximidade e ao toque, nada tem a ver com o que se possa coadunar com questões higiênicas ou riscos infecciosos apregoados por alguns comentaristas, trata-se do desvirtuamento da ordem natural, onde deixou de haver aviso para atração de machos com o fim único de conceber descendentes e conquistar território.

Eis a informação transgressiva da mulher por essência, um incômodo à estrutura geral do ciclo reprodutivo animal, informação compartilhada apenas por algumas espécies de primatas, e, não me pergunte por que, de morcegos.  Similaridade com morcego, único mamífero que voa, também na anatomia das asas, com relação ao braço humano. Talvez o elementar supra-humano na concepção de Drácula e Batman...

Retome-se então que dentre outros animais é na mulher que se encontra esse claro indício evolutivo de recusar o vínculo do sexo com a procriação, a oferta da maçã, o conhecimento do bem e do mal e a consequente possibilidade de escolha nos fatos da vida, custe o que custar, inclusive o paraíso.

Para fazer Nietzsche quiçá, revirar no túmulo, já que para ele a mulher tinha a primeira e última ocupação de gerar filhos robustos ao invés de arremedar os homens, é possível tocar melhor a moral dos poderosos e a moral dos escravos, e então observar que a essência feminina foi submetida à fragilização e fragmentada conduta, ou seja, a culpa impingida no sangue endometrial reduziu a mulher à sombra das instituições todas, num ser destinado a adular pela perpetuação genética os similares do orgulho nobre e da humildade servil.

Enquanto o homem fez uso do seu prático destino ao suor, a mulher ficou entre dois altares: o das santas e o das belas, e dois limbos: o das prostitutas e das feias. Nos altares a veneração, a maternidade, a família, todos os valores da honra, os motivos de orgulho ou humildade.

Nos limbos a humilhação, o desprezo, a chantagem e todos os e motivos de vergonha.

Mulher sempre útil, ou no altar ou no limbo para ser espelho de um mundo de homens encharcados em suor e esperma, produzindo filhos legítimos ou bastardos e talvez, com um pouco mais de sorte, frutos da paixão tão debatida pelos sábios.

Natureza de mulher, Nietzsche à parte, é transgressão à ordem natural, instinto de mulher é materno sim, mas antes disso criador, abusivo, traiçoeiro e desobediente e o filósofo só se aproxima disso quando reflete na mulher a felina de cio estacional.

Engana-se contudo, a tradição inibitória do que na mulher é natural, subjugando-a a culpa, aprisionando-a num senso de fidelidade qualquer, para que continue a ser meramente útil, quando o homem precisa mais do que isso para lutar, utilidade sem inspiração é como um penico na hora certa.

Desenhado este quadro religioso, psíquico e filosófico, podemos então situar a mulher reduzida a uma gravidez indesejada, muitas vezes desamparada de tudo, com a possibilidade jurídica de ser condenada, junto com um médico ou um aborteiro por crime tipificado na conduta de evitar o nascimento de embrião ou feto, antecipando sua retirada do ambiente uterino, na prática de aborto.

Primeiro há que se observar que o corpo da mulher a ela pertence, e se a natureza a liberta mensalmente de óvulos infecundos é dela o direito de se libertar também dos fecundos, pelo simples motivo de, no “carma da besta” que conquistou, ter a opção de negar a reprodução, conforme lhe couber, pela vontade.

De notar, porém, o quanto for propício a esta liberdade para que seja saudável em todos os níveis, tanto físico quanto emocional, mediante execução em tempo hábil ao transcurso estágio meramente embrionário da concepção, por que ultrapassado esse estágio correspondente aos três primeiros meses de gravidez, não só se multiplicam os riscos, como também, algo de cruel ficará caracterizado pelo início da formação sensorial do nascituro não desejado.

A descriminalização do aborto (artigo 125 e seguintes do Código Penal) e a abertura de sua prática mediante obrigatoriedade de acompanhamento médico adequado, preferencialmente público, correspondem a direito natural da mulher, muito diversamente do que intenta a visão patriarcal, a qual, por conseguinte, libera o masculino acerca de qualquer responsabilidade criminal relacionada à vida embrionária ou fetal, a menos que intervenha diretamente na interrupção dessa, o que muito rara e dificilmente ocorre.

O aborto legal é a consequência lógica e correta a se realizar a favor de mulher, para que se corrija uma falha contrária ao seu desejo de não conceber.

Afora isso, não menos ponderável é que se esclareça ao gênero feminino, desde cedo que a maternidade inerente a suas capacidades não é um impositivo para que desfrute de altares e que muito pelo contrário, pode levar ao desfrute dos limbos, lamentavelmente, nesse universo distorcido pela prática de um poder inócuo, onde preponderam necessidades vagas.

Do ponto de vista jurídico, incumbe registrar, por outro lado, que pelo princípio da razoabilidade, o ato público deve alcançar sua finalidade utilizando-se dos melhores meios e um assunto correlato, embora não correspondente ao direito natural da mulher de abortar, é o controle de natalidade, e este, melhor se executaria, não só pela oferta e orientação acerca de métodos anticonceptivos como também pela disponibilização facilitada de centros ambulatoriais de orientação e oferta de vasectomia.

A orientação e oferta de vasectomia em ambulatórios específicos para este fim em todas as regiões mais pobres do país, corresponderiam, primeiro a promover junto ao gênero masculino um maior senso de responsabilidade reprodutiva, bem como o abandono de tabus de masculinidade limitativos da liberdade de não conceber também do homem; e segundo a implementar um expediente médico muito mais simples e barato de esterilização para evitar que não apenas uma mas várias mulheres deixassem de conceber do vasectomizado.

Lembremos que na diferenciação dos sexos, a mulher tem óvulos aptos à concepção durante um curto período do mês, enquanto os espermatozoides estão sempre adequados à produção de rebentos, o que faz do homem um portador não apenas mais econômico posto depender de simples vasectomia, mas também mais eficaz em termos de controle de natalidade.

O outro método de esterilização é a laqueadura, consistente na interrupção da ligação das trompas com o útero, mas precisa ser feito em centro cirúrgico, é um procedimento de maior porte, demandando equipe com anestesista, aparelhagem e preventivos ao maior risco, sendo pois bem mais dispendioso aos cofres públicos, assim como o seria o aborto se legalizado e como são as constantes curetagens correntemente realizadas por conta de abortos praticados ilegalmente.

A prevenção educativa de qualidade acerca do uso de anticoncepcionais e a aplicação do princípio da razoabilidade na oferta amplamente difusa de orientação e método esterilizante menos dispendioso e mais eficaz (vasectomia), principalmente junto à população mais pobre, realizariam, talvez, junto com o sonho da casa própria, da escola melhor para menos filhos e da melhora da condição de vida, o controle de natalidade, interessante a todos, enquanto o mundo absorve e põe em prática os muitos conhecimentos e aperfeiçoamentos que vêm conquistando a favor de toda a humanidade e quem sabe, de um mundo melhor.

Jussara Paschoini



segunda-feira, 18 de junho de 2012

UM FREI RENASCENTISTA PARA QUEM AINDA SOMOS GRANDES “CARETAS”





A utopia da “Cidade do sol” de Tomás Campanella traz um modelo ideal de sociedade segundo a mente brilhante e revolucionária de um livre pensador do século XVI, nascido em 05 de setembro de 1.568. Trata-se de uma composição libertária de um condenado à morte levado à prisão por atenuar a pena fingindo-se de louco. Era considerado herege, vez que, como pessoa educada no seio das instituições religiosas de sua época, desenvolveu própria visão avessa à tirania, à hipocrisia e ao sofisma que permeava o exercício do poder então.

Nascido no contexto da dominação espanhola na Itália, Giovanni Domenico Campanella tinha pretensões de lutar não só para desvencilhar-se da invasão espanhola, mas para criar um novo mundo com fundamento nos conhecimentos teológicos, científicos e filosóficos aos quais se entregou desde muito jovem e donde adotou o que veio a ser sua identificação desde os quinze anos de idade, o nome do mestre Tomás de Aquino.

Titular de uma cultura ímpar escreveu sobre inúmeras ciências, desfrutando da vantagem de um tempo onde o conhecimento não era burocratizado pela utilidade pura e simples, mas era sim derivado da capacidade de entender tudo o quanto fosse possível ao alcance da mente na produção de um saber, para Campanella, mais direto e não mediado pela autoridade.


                                            




Voltando, contudo, à obra mais popular do pensador, cumpre então visualizar o que talvez uma boa parte dos observadores da grandiosa empreitada não faça, haja vistas ao fato de que se comtempla muito mais a concepção de uma sociedade na “Civitas Solis”, do que o ser humano idealizado naquela utopia. Daí o fato de, com muita propriedade, encontrarmos estudiosos confrontantes dos aspectos objetivos da utopia com a subjetividade emergente dos tempos atuais.

Do ponto de vista objetivo e muito resumidamente, a Cidade do Sol é um lugar arquitetado não pelo poder de dominação, mas da organização e conhecimento sob o valor da sapiência e a noção desta como inversamente proporcional ao autoritarismo. 

O Metafísico, autoridade máxima desta sociedade, talvez, pela origem e fidelidade de sua concepção em Campanella, guarde relação com o ícone Cristão e a trindade mediadora desta autoridade, a potência, a sabedoria e o amor representam respectivamente o domínio das artes militares, das ciências e da geração entre homem e mulher, assim como da educação e agricultura, por liames originais.

Repare-se que a arte militar é difusa, todos compõem a realização da potência, não há um grupo militar, uma polícia, um exército em apartado e a regra do uso da força deve resultar em compaixão e serviço regenerador a favor do inimigo, sempre que possível.

Não há na Cidade do Sol, para efeitos da fruição do saber e das artes, diferença entre homens e mulheres, os quais, desde criança teriam acesso a todos os conhecimentos e práticas em educação voltada ao trabalho, com livre descoberta de aptidão própria na condução à condição de mestre e depois de magistrado, para realização, ensino e incentivo de escolhas acerca da formação e juízos correlatos.

O trabalho em si não ocuparia mais de quatro horas diárias e o restante do tempo poderia ser dedicado ao lúdico e ao intelectual.

Não há constituição familiar monogâmica ou poligâmica, há um modo rotativo de relacionamento onde homens e mulheres conviveriam por seis meses, e nisso muitos concebem que Campanella idealizou o “uso comum” inclusive da mulher.  Trata-se de uma distorção ao nível imbecil acerca de uma forma de convívio simples, idealizada em livre pensamento, para acontecer entre seres humanos igualmente educados e insubmissos a autoritarismo, por conseguinte, não necessariamente vinculados pela finalidade reprodutiva ou pelos dogmas religiosos na ambígua contraposição da mera multiplicação ou da luxúria.  

Aliás, a geração, é um assunto específico e tratado com particular atenção no mundo ideal solar. A produção de filhos, em Campanella, tem feições de eugenia, porque o filósofo ascende ao alcance das ciências e considera a abolição dos defeitos genéticos uma grandeza factível ao homem. Muito longe de qualquer insurgência nazista de uma raça pura, no caso, a utopia antevê o que vem hoje se realizando em termos de reprodução assistida e engenharia genética. 




A paixão violenta recebe o seguinte tratamento: “Quando um indivíduo se apaixona violentamente por uma mulher, permitem-lhe os colóquios, divertimentos e recíprocos presentes de flores e de poesias“.

Não há desprezo à paixão, esta recebe o tratamento permissivo, direcionado ao compreendido como manifesto de amor, mediante agrados recíprocos, amizade e concupiscência. Compreendam-se, pois, inclusos, os apetites sexuais.

 Apenas há ressalva de que o amor não possa ameaçar a geração. Na hipótese de incompatibilidade de vínculos reprodutivos dos apaixonados, poderiam estes se unir, se a mulher já se encontrasse grávida de outro pai ou se fosse estéril. A maternidade é sagrada e assim também o amor, mas tudo observa um compromisso responsável.


Assim, a Cidade do Sol é a conquista do bem comum assegurando a sociedade.

Não obstante, é possível romper com a noção coletiva projetada nesta utopia, onde muito se interpreta que há renúncia de todo interesse particular em nome da civilidade, ou seja, não é por conta do despojamento da propriedade, da herança e do amor-próprio que se pode concluir um indivíduo simplesmente subserviente em sua vida “solar”.

O homem solar, quer dizer, o indivíduo na Cidade do Sol, não só é livre de toda mesquinharia residual das posses características das organizações humanas, como também nasce exposto a um ambiente permitente de experiências abertas a um conhecimento de si e do mundo, jamais posto em prática quer no meio tomado pelo conservadorismo medieval no acinte renascentista, quer nos movimentos libertários do século XX e sequer cogitado pelo subjetivismo individualista do mundo pós-moderno.

Tomás Campanella com filosofia e sensibilidade, preso por vinte e sete anos, concebeu um dos indivíduos racionais mais livres da face da terra, sem desprezar nenhum conteúdo da riqueza humana em natureza, arte, ciência e mesmo religião, num belo jogo disposto em sete círculos estrategicamente organizados para multiplicar a proteção de tão precioso sonho.

Jussara Paschoini





sexta-feira, 15 de junho de 2012

OS CONTRATOS VIRTUAIS












O universo jurídico já se ocupa rotineiramente em reconhecer as relações contratuais do mundo virtual, já fixando as modalidades intersistêmicas, interpessoais e interativas de contrato.

A modalidade intersistêmica é a mais sofisticada das formas, caracterizada por prévia tratativa empresarial no uso de aplicativos específicos da Eletronic Data Interchange (EDI), permitindo principalmente a execução de compra e venda, numa rede interligada entre fornecedores, clientes, bancos, seguradoras, transportadoras e outras entidades. Neste caso a produção eletrônica não é de conclusão mas de efeitos contratuais, pois o ajuste de vontade das partes já foi antes ratificado, geralmente dentro de condições paritárias focadas na liberdade contratual.

A modalidade intersistêmica de realização de efeitos contratuais pode garantir automática produção, por exemplo, na reposição de estoques, transporte segurado, emissão de faturas, utilização de recursos financiados etc., tudo conforme o previamente elaborado em contrato e programado em sistemas de hardware e software específicos.

Outra modalidade contratual é a interpessoal, realizada pelo uso dos endereços eletrônicos das partes interessadas, pelo e-mail, vigorando juridicamente a presunção de que o titular de um endereço eletrônico seja legítimo a contratar e produzir efeitos por este meio, ressalvada a possibilidade de prova em contrário (presunção relativa). Esta modalidade é menos sujeita a regras paritárias e adentra mais no campo das relações de consumo.

O terceiro tipo contratual e o mais utilizado é o que se vivencia nas lojas virtuais, nos denominados contratos interativos, configurando a instituição imediata do contrato pelo clicar no produto desejado, estando este tipo de contratação tipificada como de adesão, sujeito ao regramento do Código de Defesa do Consumidor para efeitos de caracterizar abusividade na imprecisão informativa acerca do produto e condições de sua disponibilização.

Considera-se concluída a contratação com a entrega do produto ou com a prestação de serviços, aplicando-se o prazo legal consumerista de sete dias para arrependimento.

Há discussão sobre regras aplicáveis no tangente a produtos comprados eletronicamente de empresas situadas no exterior, argumentando-se a previsão jurídica acerca da aplicabilidade das regras de onde provém a proposta mas, considerando-se todavia, como tal, o local em que é a mesma inserida na rede de computadores. (Prevalência da localização lógica sobre a geográfica)

Visto que as relações virtuais são muitíssimo reais e não meramente potenciais, resta salientar a capacidade volitiva das pessoas, salientando que do ponto de vista jurídico a incapacidade para atos da vida civil pode ser absoluta ou relativa, no primeiro caso, o porte da incapacidade torna o ato nulo (inválido na origem), no segundo anulável (pode ser invalidado).

São absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos, os que por enfermidade ou doença mental e os que ainda que transitoriamente não possam exprimir sua vontade. No caso do menor, a validade do ato jurídico se faz pela representação pelos pais ou tutor e nos demais casos, por curador devidamente nomeado em processo de interdição adequado a declarar as incapacidades respectivas, observando que na hipótese meramente transitória de incapacidade absoluta, terão validade relativa os atos jurídicos praticados para salvaguarda da vida do incapaz.

São relativamente incapazes, os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos, os excepcionais e os pródigos. Os menores relativamente incapazes dependem de representação dos pais ou tutores, mas suas manifestações de vontade são válidas, com a ressalva de que os representantes as impugnem.

No caso dos ébrios, excepcionais e pródigos, estes últimos enquanto pessoas com desvio psicológico típico da compulsão sequenciada por arrependimento, a incapacidade relativa depende de declaração judicial em processo de interdição e a representação se faz por curador nomeado para exercer a representação do incapaz, podendo impugnar o ato do mesmo, da forma similar a ocorrida com os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

Toda a sistemática contratual virtual está sujeita às regras de capacidade jurídica de manifestação de vontades cuja averiguação é bem menos tangível nas modalidades interpessoais e interativas praticadas eletronicamente.

Jussara Paschoini

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O CRIME EMOCIONADO





Desde logo desprezando a figura jurídica atenuante da “violenta emoção”, enquanto elemento psicológico discutível em esferas científicas destinadas à dificultosa caracterização da perda temporária de consciência por fatores emocionais na imputação de culpa, o escopo desta argumentação invoca apenas e tão somente a grande incidência dos crimes, notadamente dos homicídios, praticados entre pessoas afetivamente relacionadas.

Uma sintonia histórica vem demonstrando, há muito, que os piores crimes são praticados entre pessoas intimamente relacionadas em circunstâncias no mínimo supostas de afeto, num marco agravante da percepção dos respectivos delitos, pois, pela ordem natural das emoções envoltas, não deveriam acontecer.

Fato é que acontecem, e numa frequência cada vez mais gritante, o bastante para não passar despercebida, configurando conduta ilícita por indivíduos praticantes de vida social normal e até respeitável, no mais das vezes.

Trata-se do que pode ser identificado como "crime emocionado", ocorrido em parâmetros definidos dentro de uma relação não eventual geralmente entre pessoas sem registro oficial de comportamento violento, o que não significa não sejam elas tendentes ou praticantes de diversos níveis de agressão física e verbal contra os seus.

O dilema do criminoso emocional é que a lei só o reconhece em efeitos quando ele alcança as famigeradas vias de fato. Então, o mais comum é que o criminoso desta estirpe já tenha dado inúmeros sinais de sua falta de aptidão ao convívio social saudável, até que a tolerância e a condescendência o façam mesmo acreditar-se repleto de razões para execução de sua vontade tirana em forma de violência e crime.

O crime de ameaça se encontra tipificado no artigo 147 do Código Penal e é definido como delito de ação penal condicionada, significando isso se tratar de tipo penal distinto por não determinar a persecução e investigação criminal autônoma, ao menos que a vítima assuma, formalize e mantenha queixa contra o acusado.

Considerando, todavia, que o criminoso emocional geralmente porta vínculos afetivos com suas vítimas, nas circunstâncias de estarem estas diante de conduta tipificada pelo artigo 147 do Código Penal, a saber: “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, a ponto de causar-lhe mal injusto e grave.”, o que geralmente ocorre é o abandono da atitude queixosa e a indiferença do poder público desobrigado a agir, conforme dita a lei.

Outro aspecto importante a se destacar é que a pena para o crime de ameaça é de detenção, o que significa não comportar o regime fechado de cumprimento de pena, mas apenas o aberto e o semiaberto.

Se a realidade do crime emocionado fosse observada com os pertinentes olhos jurídicos, já teria sido notado que a prevenção severa evitaria não só a prática desta modalidade delituosa como também reduziria em muito a atividade judiciária demandada para o correlato fato típico, o qual, por sua  condição teoricamente surpreendente, envolvendo indivíduos nem sempre portadores de ficha criminal, atrai excludentes de culpabilidade e atenuantes complicadoras da cabível aplicação de penalidade.

 Com efeito, o crime de ameaça deveria ganhar previsão jurídica específica, coibindo de imediato e mediante cautela a tendência manifesta pelo acusado. 

Seria assim instituída, conforme gravidade a ser avaliada pelas autoridades competentes, a decretação de prisão preventiva do praticante do mencionado crime, garantindo-se aí com o início de ação penal pública e não mais condicionada, a apuração e a possível condenação do mesmo à penalidade de reclusão,  passando-se a admitir o regime fechado de cumprimento de pena para a espécie delituosa.

A ameaça grave coadjuvante dos delitos emocionados deve repercutir pesadamente contra aquele manifestante equivocado acerca de seus amparos psicossociais.

O fato de geralmente não ter o praticante da ameaça, vida pregressa ou antecedentes criminais, seria determinante de que para este tipo a ação preventiva e severa, a lei pudesse, inclusive, surtir mais efeitos em termos de coibir definitivamente a intenção delituosa frequentemente levada a cabo na atual conjuntura.

É devido à sociedade que os "emocionados" não se sintam mais autorizados a cumprir as ameaças e a violência grave que alardeiam em nome da posse e propriedade crida como legítima à repugnante conduta contra as pessoas a eles relacionadas.

Jussara Paschoini








segunda-feira, 4 de junho de 2012

TRABALHO X EMPREGO



É desnecessário alinhar uma visão acerca do trabalho partindo de concepções políticas que sempre permearam o exercício de atividades econômicas, quer pelo acúmulo e exploração de capital, quer pela luta de classes, ambas observadas e presentes.

Talvez mais coerente fosse então, elucidativamente, visualizar a linha utilitária do emprego em confronto com a linha realizadora do trabalho.

No Brasil os patrões reclamam da mão de obra desqualificada e do excesso de imposições legais na manutenção de empregados e os empregados reclamam de extensas dificuldades desde os meios de transporte para chegar ao emprego até a mais absoluta falta de realização moral e material nos serviços prestados aos propósitos das empresas.

A Lei Trabalhista e a Justiça do Trabalho com alicerces na proteção sindical se constituem hoje em algo muito diferente do que se possa chamar de equilíbrio de interesses, tem-se aí uma válvula de escape, um tipo de consequência maldita para relacionamentos e pessoas mal elaboradas em todos os sentidos, desertores da própria civilidade.

Se a definição parece simplória, os resultados não o são. A Consolidação das Leis do Trabalho traduz-se numa Justiça abarrotada e que seria inoperante se não se fundamentasse na conciliação, fora disto, trata-se de expediente teatral num jogo de cartas claramente marcadas pela inoperância quantitativa, com a possível produção de uma conta lotérica materializada por sentenças possivelmente proteladas por muitos anos a juros e correção monetária maiores do que qualquer investimento bancário.

Não há patrão suficientemente documentado e nem empregado suficientemente explorado perante a Justiça do Trabalho, há uma pauta de audiências marcadas de cinco em cinco ou quando muito de dez em dez minutos, para um expediente legalmente definido como UNO, onde as partes devem ser ouvidas, as testemunhas também e se a sentença não for prolatada deve ser marcada. Ilude-se quem acredita que acordo é simples proposta jurisdicional dessa Justiça, trata-se de uma ameaça e para quem pensa estar repleto de razões ao negá-la, uma penalidade amarga está à espreita, na maioria das vezes.

Horas extras, adicionais de insalubridade ou periculosidade, fundo de garantia, férias, décimo-terceiro, reflexos nos descansos semanais remunerados, imposto de renda retido na fonte, contribuições previdenciárias etc. e provavelmente um departamento destinado a cumprir ou controlar tais legalidades, tudo isso a autorizar que sojigados patrões estejam aptos a exigir o máximo de seus empregados ao mínimo dos salários. Isto é relação de emprego, e se não for, a Justiça do Trabalho fará que seja com juros e correção monetária para quem tiver com o que pagar, em dinheiro ou em suor.

O emprego é parâmetro de desenvolvimento e sucesso de um governo a quem interessa a formalidade e controle dessa relação, todavia, o custo de manutenção desta mera fotografia é a injustiça, a marginalidade e a desqualificação profissional generalizada, para não falar do desânimo ao empreendimento.

Malthus à parte, no atual estágio de evolução científica, com as necessidades de planejamento e aplicação prática de conceitos desvendados para melhor desempenho e qualidade de qualquer atividade, o que temos como pobre reflexo das atitudes empresariais são telemarketings e atendentes treinados a mecânico tratamento pseudo subserviente aos senhores e senhoras clientes para tratar de produtos e serviços insatisfatórios, numa mal maquiada ofensa. E depois se fala no pessimismo econômico, no desestímulo dos investimentos e tantos agravantes do progresso.

O emprego seria bom se não destruísse o valor do trabalho, a começar pelo desrespeito de jornadas e meios de transporte minguantes de qualquer vida extrafuncional, ou seja, de qualquer tempo e espaço diário para aprimoramento educacional, laser e descanso adequado, por exemplo.

Não se compreenda que um salário melhor ou excelente muitas vezes acompanhado de pressão e de exigências desumanas, além de impositiva competitividade ao cargo, tornem a vida de quem é mais afortunado ou enriquece com emprego, melhor. Ocupantes de altos cargos costumam desfrutar de suas aposentadorias com muitíssimo frequentes visitas ao médico, enfrentam diabetes, obstrução cardíaca, sequelas após isquemia cerebral e isso quando sobrevivem para tanto.

Emprego é diferente de trabalho porque o primeiro é uma imposição de regras de sobrevivência baseada na hierarquia e o segundo é a realização do individuo pela extroversão do que aprende e pratica a favor de si e dos outros com natural aptidão e por isso mesmo, constante interesse. O verdadeiro trabalho não é carga é energia em ação, não necessariamente quantificada no tempo mas voltada à colaboração mútua independente de obediência.

Se um dia a política opinar mais pelo trabalho do que pelo emprego as diferenças de classe serão menos contundentes porque não será o preço mais importante do que o produto e nem esse mais importante do que a vida em toda sua plenitude, o que inclui, sem dúvida, o trabalho realizado, retribuído com civil reconhecimento e pertinente apreciação socioeconômica.

Jussara Paschoini