terça-feira, 16 de novembro de 2010

O IMUTÁVEL SECTARISMO



A Roma antiga foi um império iniciado graças a crenças religiosas muito antecedentes ao cristianismo e que foram suficientes a fixar direitos como os de propriedade e de família baseados na existência de uma vida pós-morte exatamente “em túmulo”, numa circunstância que obrigava os descendentes de um morto devidamente enterrado na sua nova vida “subterrânea”, à prática de rituais contínuos de sustentação material dos defuntos ascendentes (culto e oferendas aos antepassados), sob pena de criar terríveis demônios irados pelo desprezo e esquecimento.

As regras de culto consangüíneo aos mortos iniciaram o Direito Romano, fazendo de quem possuía a condição de cidadão romano, um protegido da lei e de quem não tinha tal condição, um sujeito à escravidão.

Assim, surgiu um império de uma crença que reuniu pessoas organizadas em regras impositivas, diferenciando-se das demais de acordo com tal e simples fato.

É de se observar que quanto mais rígido um conjunto de regras em uma sociedade, mais diferenciada ela tende a ser e mais fechada também.

A modernidade, no entanto, registra inúmeros movimentos sociais libertários, todavia, o modelo sectário persiste, o que significa dizer que embora as crenças tenham se diversificado, as ditas organizações continuam aprisionar indivíduos a comportamentos pré-determinados onde a liberdade continua a ter um mínimo espaço.

Lamentavelmente, o ser humano se compraz, assim como o cidadão romano, a ter um rótulo coletivo e a agir de acordo com ele, mesmo à custa de uma ilusão de ordem, onde se dispensa a gentileza, a consciência e a espontaneidade em troca de uma força capaz de manter uma crença.

Não importa se apontamos para muçulmanos, evangélicos, punks, hippies, yuppies, movimento dos sem televisão e internet, unidos do balacobaco na prisão de ventre, a Revolução dos Bichos de George Orwell, se revela a todo o momento!

Trocando em miúdos, não é a crença mas o poder que corrompe e como a união faz a força, alerta há de haver sempre que se enxergar “gente unida”.

A propaganda pode ser boa, mas para isso existe o Código de Defesa do Consumidor, e seria de bom tom acrescentar, dos Consumidos, para que se questione o preço justo da coisa toda.

É mister questionar se se quer ser submetido aos rituais de iniciação típicos da manutenção da ordem interessante ao todo e quem exatamente vai ganhar com isso?

O que perturba os ícones sociais é que a consciência não lhes poupa e a propaganda nunca lhes satisfaz, por isso, sempre será necessário combater os desiguais ou pelo menos enfraquecê-los ao ridículo de não corresponder ao modelo proposto.

Por conseguinte, o ser humano despojado, pacífico, harmônico, alegórico e sofisticado é um prisioneiro da própria insegurança, incapaz de se aceitar, dependente ao extremo de semelhantes apavorados a devorar um sentido para uma morte inevitavelmente solitária que os romanos, relembre-se, aproveitaram muito bem.

Jussara Paschoini

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Amor Eterno?



Qual seria o segredo de uma união conjugal eterna?

Deixando de lado todas as indagações acerca dos fatores que na modernidade permitem as pessoas não ficarem obrigatoriamente unidas pelo resto de suas vidas, assumindo as naturais mudanças de personalidade capazes de ocasionar a necessidade de relacionamentos novos, ambientes novos e, portanto, muitas vezes, a ruptura com relacionamentos antes constituídos em tais sentidos, o desejo de uma relação perene que assegure a constância da experiência de um convívio prazeroso, nunca deixará de existir nos homens e mulheres por menos iludidos que estes se declarem a respeito.

O fato é que dificilmente alguém desfruta do encantamento amoroso sem desejar manter em si a energia decorrente deste estado para o resto da vida, o encantamento qualifica a vida, transforma mágoas, impulsiona a mente, abre as portas do entendimento, enfim, muda tudo para melhor, pelo menos, geralmente e a princípio.

Neste ponto creio que surja o primeiro impasse porque toda energia, por mais forte que seja se esgota ou se consome na medida em que realiza sua finalidade, no caso do encantamento amoroso, a união com o ser objeto de encanto...

Energia resultante em união e união resultante em convívio.

Partindo do pressuposto que a energia do encantamento atingiu sua finalidade e uniu pessoas ao convívio, é neste, no convívio, que podemos encontrar ou não a constância capaz de realizar uma perene união conjugal.

A regra norteadora dos relacionamentos mais tradicionais sempre foi a natural dependência oriunda dos laços familiares... hoje isso não é mais suficiente. Pode até manter relações convenientes, mas não é mesmo mais suficiente e nem realiza a pretensão do amor perene.

A maioria das pessoas atribui o desgaste de convívio à rotina, qual seja, a contínua repetição de ações conjuntas ou não que acabariam por perder a graça, tornando a vida monótona e sem sentido.

Se por um lado a rotina faz a vida monótona, não se pode ignorar que a rotina é inerente à vida de qualquer ser humano, ou seja, antes de partirmos para uma bastante possível vida espiritual, livres do corpo, teremos de dormir, acordar, comer, ter hábitos higiênicos, realizar necessidades fisiológicas, trabalhar, administrar ganhos e perdas, tudo isso em vinte e quatro horas diárias, sete dias semanais, trinta dias mensais e trezentos e sessenta e cinco dias anuais.

Não há fórmula mágica que modifique o fato de que uma vida saudável e valorizada depende muito da rotina e da capacidade que temos de formulá-la de acordo com o que entendemos importante.

Mesmo uma pessoa que queira ter uma vida noturna intensa, com festas e badalações, por exemplo, precisa de uma rotina, querendo dizer que independentemente do gosto e do critério, para tudo é necessário certa ordem, uma margem fixa onde meios são seqüencialmente dispostos para garantir a consecução de uma vontade.

A rotina minimiza os riscos de que a vontade daqueles a que serve seja frustrada.

Agora encontramos o que acredito ser um ponto divergente e importante na análise do convívio, a vontade, porque é de se perceber que em sendo a rotina um fruto necessário da vontade, é nela que poderá se encontrar a verdadeira fonte do desgaste nos relacionamentos.

Daí é preciso notar que um indivíduo que não sabe o que quer e não tem vontade definida não está apto para o convívio por desconhecer o que lhe satisfaça e portanto não poder se beneficiar de nenhuma rotina, muito menos partilhá-la com outra pessoa.

O paradoxo da vontade versus rotina é complicado de se observar porque a útil ordenação repetida de atos e acontecimentos, também pode acomodar a vontade e sem ela a satisfação é impossível.

Todavia, não é a rotina o problema a ser tratado como fonte de insatisfação mas a vontade que a precede, porque a rotina deve servir a vontade e não o contrário.

O dilema é que o foco das atenções é dado à rotina e tentam-se exuberâncias, malabarismos, fórmulas publicitárias, aventuras etc. e não se procura conhecer a própria vontade, numa circunstância que anula qualquer esforço.

Conhecer a própria vontade num mundo com tantos determinantes do que é bom ou ruim, do que é sucesso ou fracasso, onde a ilusão é imperial, pode parecer uma ambição sem nexo, mas é simples, basta enxergar o que é, partindo de um básico cafezinho no bar mais próximo, por exemplo.

Nós somos também nossa vontade, basta que estejamos atentos a ela, não importa o que estejamos fazendo, podemos perceber a nossa vontade e uma vez percebendo, podemos articular os meios e as rotinas para realizá-la.

Conhecida a vontade restam os indivíduos seus titulares e não a rotina como fonte de divergência e desgaste no convívio.

Vontades diferentes postergam rotinas insatisfatórias a ambas as partes de um convívio.

No entanto, se o convívio for um verdadeiro fruto de ambas as vontades, certa partilha de satisfação haverá de ser alcançada por vontades comuns e eis a semente da planta principal , a árvore central desse jardim.

Entre dois indivíduos diferentes é impossível identidade completa em qualquer sentido, mas a energia do encantamento amoroso produz ânimo de vontade comum e este ânimo é o que precisa ser preservado pelo constante diálogo com a tomada de decisões conjuntas.

Decidir conjuntamente é uma tarefa litigiosa para pessoas que não aceitam a própria individualidade e necessitam muito de referenciais porque estando falhas consigo mesmas não consideram o conjunto mas a própria necessidade de ser, subjugando ou sendo subjugado.

Quando o indivíduo quer chamar atenção para si mesmo jamais terá a capacidade de ser partícipe de uma decisão conjunta o que faz minguar o ânimo da vontade comum essencial ao convívio verdadeiro.

Isto quer significar que a preservação do ânimo da vontade comum só existe quando o grau de individualidade das pessoas que convivem for suficientemente equilibrado pelo exercício das vontades independentes de cada um.

É essencial do convívio a vontade individual e a vontade comum, sendo que esta última tem origem no diálogo.

Assim o diálogo serve a vontade comum e visa decisões satisfatórias imprescindíveis ao convívio. A relação já existe!!!

A vontade individual por ser do conhecimento de seu portador dependerá de seus próprios meios e condições de satisfação, realizando-se na margem de acontecimentos não vinculados pelo ânimo da vontade comum.

Ponderável é que a vontade comum exista em proporção compatível ao convívio de indivíduos livres porém dedicados a partilhar satisfações conjuntas por mútua decisão.

Entendida a importância da vontade e sua comunhão por vias do diálogo e da dedicação, é necessário entender este outro ingrediente, a dedicação.

Imaginemos uma pessoa que coleciona selos, uma criança que coleciona figurinhas, um torcedor de time de futebol, todas estas condições requerem dedicação e têm certo grau de dificuldade, mas, nem por isso deixam de se constituir, com freqüência, como fruto de uma forte e persistente vontade, bastante resistente aos percalços e contrariedades decorrentes.

A diferença entre a dedicação abordada nos exemplos acima e a dedicação de um casal à vontade comum é, por exemplo, que o torcedor de futebol não tem que almoçar com o capitão de seu time no dia da derrota e nem divide o prêmio da vitória, quando esta ocorre.

Todavia, dedicação é dedicação e os torcedores são fiéis.

Então a dedicação menos próxima é mais fácil de manter porque as contrariedades individuais são livres e não se confrontam, há um tempo para extremos e há um tempo para tentar de novo que permite ao indivíduo retomar a vontade de torcer, colecionar selos ou figurinhas.


Isto leva a concluir que a vontade comum é uma conquista conjunta e a chave para manter a dedicação a esta vontade é saber dar tempo às vontades individuais em duas circunstâncias, a primeira quando houver um justo impeditivo para se decidir sobre a vontade comum e a segunda quando a satisfação da vontade comum deixar de acontecer.

O justo impeditivo é aquele que existe apesar da dedicação que um dos conviveres gostaria de dar a uma decisão fruto da vontade comum, sendo importante, neste caso, que se reconheça o impeditivo e a impossibilidade de se lidar com ele para que se saiba esperar a hora do jogo, a chegada do selo ou da troca de figurinhas.

A notícia cabe a quem estiver impedido.

Estar diante do justo impeditivo não é estar diante da falta de dedicação à vontade comum quando esta ainda existir e puder ser, portanto, preservada no convívio, pelo saber dar tempo às vontades individuais.

Depois da decisão fruto da vontade comum vem a segunda hipótese em que dar tempo às vontades individuais é necessário, ou seja, quando em decorrência do decidido um dos dois ou ambos não ficarem satisfeitos.

A vontade era comum a decisão pareceu certa, mas, o resultado não foi alcançado de maneira a deixar ambos satisfeitos (o time perdeu). Esse é o momento de dar tempo às vontades individuais até que a vontade comum retorne naturalmente.

O tempo e o silêncio são os melhores mediadores harmônicos e conscientes que um casal dedicado à vontade comum pode ter contra qualquer espécie de frustração.

Questão surge quanto a como saber o tempo da vontade individual que não nos pertence. Não se sabe...apenas se espera porque isto é certo e porque a vontade comum volta naturalmente tão logo seja anunciado o próximo jogo, a disponibilidade de um novo selo ou a figurinha que faltava.

Para quem já alcançou sua consciência pessoal, esses são os componentes imprescindíveis a fazer a vontade das pessoas que convivem progredir conjuntamente rumo a uma rotina favorável e não desgastante e quem sabe alcançar o tão idealizado e pouco vivido amor perene.

Jussara Paschoini