É noite e a luz
acabou na sequência de um temporal, ainda bem, logo depois da pizza e da louça
lavada. Quase impossível não ficar um pouco triste, não sentir o limite e a
televisão desligada, sem canal off, sem surfistas tão necessários a substituir
a porcaria da programação e por que não a paranoia de uma vida cheia de
responsabilidades, preocupações e deveres.
Definitivamente
invejo os surfistas, os escaladores de montanha, os praticantes de pipete enfim
quem vive na praia enfrentando as ondas do mar, trepando em árvores e
ribanceiras, flutuando pelo ar, buscando seu destino cada hora num lugar mais
bonito, diferente, desfrutando dos desafios do corpo e preservando por isso a
saúde. Gente sem frescura.
Sei também que
aprecio o conforto e a luz da vela agora iluminando um pouco mais e
providencialmente o teclado do computador para me permitir escrever essas
palavras, enquanto a cama já está arrumada, além de uma pequena dose de whisky
ali em cima, por servir.
Tantas coisas
adoráveis e tantos sonhos acalentados naquilo que sou, me fazem indagar o
quanto me vale a realidade conquistada nesse meu reino carpetado, cercado por
plenos canais de comunicação nem tanto interessantes, nem tanto desprezíveis
onde resguardo inquieta a vida caminhante sob o céu ilimitado das
possibilidades.
O que de mim
participa é maior do que se possa alcançar, mais sutil do que qualquer desejo
esguio de ondas próximas ou distantes. Um compasso de construções repleto de
cores e emoções que rebrotam nos menos esperados momentos em todo e qualquer
lugar.
Assim, eu e os
surfistas somos um e nenhum e nessa escuridão percebo o mar negro da noite
capaz de tudo tragar rumo ao próximo nascer do sol, desnudando realces e
brilhos onde reinava tanto silêncio.
Jussara Paschoini