quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

COOPERATIVISMO: UM FATO MALTRATADO




A Constituição Federal e uma lei já bem antiga (Lei 5.764/71) consagraram a sociedade cooperativa, uma personalidade jurídica desvinculada de lucro com destino a servir seus sócios com uma finalidade comum, a receber tratamento de incentivo diferenciado por parte do governo.


A presença do tipo societário se fez sentir principalmente no campo, onde produtores rurais com intuito de industrializar, processar e comercializar a produção agrícola reuniram recursos de participação comum, cada um contribuindo com uma parte, de maneira a estabelecer um instrumental e um meio de utilização coletiva vinculada a  uma mesma finalidade, onde a participação individual proporcionalizava a divisão das sobras, repartindo custos maiores ou menores entre respectivos contribuintes conforme o número de suas quotas e equalizando a distribuição de resultados conforme a produção de cada participante no processo integral da finalidade cooperada.

O cooperativismo é fruto da visão meritória do capitalismo não selvagem e a sagração antitética do socialismo por democratizar e abrir a formação de capital pela auto-organização do trabalho sem demandas totalitárias e pelo ganho de produção, representando quase que uma sociedade anônima não propriamente de capital, mas de trabalho, este tido então como livre investimento à altura do interesse e capacidade do trabalhador ou produtor.

No Brasil há uns quinze anos atrás, aproximadamente, os modelos societários cooperativistas rurais eram praticamente os únicos contemplados por políticas governamentais, donde a orientação respectiva se dava principalmente através do Ministério da Agricultura, o qual tratava de orientar o interesse dos produtores agrícolas no que fez florescer o coeso agronegócio.

De lá para cá, outros modelos cooperativos foram surgindo, cooperativas de crédito, unindo recursos para construção imobiliária, cooperativa de serviços médicos, enfim um sem número de uniões societárias que até bem pouco tempo deviam contar com no mínimo vinte participantes e nos tempos atuais de trabalhismo em voga, precisam contar com apenas sete participantes.

O modelo cooperativo foi distorcido para favorecer uma suposta flexibilização das leis trabalhistas institucionalizando requisitos para que o serviço terceirizado de cooperativas a empresas tomadoras de serviço possa atribuir ou não vínculo de emprego com relação aos cooperados no que tangencia a ambos, tanto a cooperativa quanto o tomador, repetindo a velha linha tênue e divisória entre o serviço autônomo e o serviço subordinado pelo permissivo de critérios intervencionistas balizados na pseudo caracterização do ganho de produção.


Fato é que o modelo cooperativista permitiria, por exemplo, que um grupo profissional interessado numa inovação experimental local, ou ocorrida em outro país pudesse reunir recursos coletivos para trazer ou participar financeira e pessoalmente da pesquisa pela oferta de pessoal e recursos próprios. Poderia trazer palestrantes, promover cursos de interesse e atualização profissional, além de padronizar qualificação destinada à oferta continua de serviços de correlatas áreas.

O serviço cooperativo qualificado pela finalidade comum de preparar profissionais competentes traduzindo plausíveis ativações escolásticas, fora do sentido medieval filosófico, é claro, disponibilizaria variáveis atendentes das incógnitas de produção dos mais diversos setores interessados. Imagine restaurantes podendo eleger o número e o tipo de treinamento de seus garçons e auxiliares de serviço, conforme particulares interesses tanto de pessoal quanto de época.

A mesma esquemática poderia se estender aos mais diversos serviços auxiliares e mesmo a compra de determinados insumos, tanto de ordem básica como de equipamento especial, literalmente aproveitando oportunidades de atacado.

Cooperativa não é organização de categoria propriamente dita é aperfeiçoamento produtivo atendente tanto de fins capitais quanto sociais, demandando propósito, disposição, autonomia e contabilidade especial.

A ordem constitucional de 1988 propôs tratamento diferenciado ao ato cooperado, no que seria um incentivo ao molde societário em comento, todavia, evoluções da ordem social-democrática, em seus aspectos desvirtuais, dificultaram o tratamento tributário aplicável, por exemplo, no controverso incidental de 11% da renda bruta da cooperativa como INSS, enquanto obra “jurisdicionada” no governo de Fernando Henrique Cardoso.

O atual governo primou por legalizar a terceirização e a possível ou não caracterização do vínculo de emprego com as cooperativas (Lei 12.690/12), praticando o paternalismo incompatível com o caráter liberal e o necessário incentivo da autêntica atividade cooperada, assim transformada em espécie de variação protecionista da mão-de-obra.

Basta que se verifique o artigo sétimo da aludida lei para se compreender a distorção trabalhista do ideal cooperado e a absoluta incerteza do que intenta legalizar necessidades de terceirização como proposta.

Medidas provisórias e Decretos como o de nº 3.017/99 criam instituições de direito privado “sem fins lucrativos” como a SESCOOP-PA, financiada pelo INSS pago pelas cooperativas, para monitorar, capacitar e promover socialmente trabalhadores cooperados do Pará.

Sem julgar a outorga de recursos públicos às instituições privadas, ainda que sem fins lucrativos, o que vemos no parco tratamento governamental da pessoa jurídica cooperada, é ainda um retrato da seguridade fóbica em vigor para detrimento de ideais que vão sendo assim superados pelo retrógrado critério, o da força pela força e do poder sem rumo característico da falta de razão demandante de cérebro, adaptações de felicidade ao abrigo da luz, vitórias sob a égide da espada justiceira donde vingam as verdades únicas, eternas, tão confortáveis aos extremos.


Jussara Paschoini