A Constituição Federal
e uma lei já bem antiga (Lei 5.764/71) consagraram a sociedade cooperativa, uma
personalidade jurídica desvinculada de lucro com destino a servir seus sócios com
uma finalidade comum, a receber tratamento de incentivo diferenciado por parte
do governo.
A presença do
tipo societário se fez sentir principalmente no campo, onde produtores rurais
com intuito de industrializar, processar e comercializar a produção agrícola
reuniram recursos de participação comum, cada um contribuindo com uma parte, de
maneira a estabelecer um instrumental e um meio de utilização coletiva
vinculada a uma mesma finalidade, onde a
participação individual proporcionalizava a divisão das sobras, repartindo
custos maiores ou menores entre respectivos contribuintes conforme o número de
suas quotas e equalizando a distribuição de resultados conforme a produção de
cada participante no processo integral da finalidade cooperada.
O
cooperativismo é fruto da visão meritória do capitalismo não selvagem e a
sagração antitética do socialismo por democratizar e abrir a formação de
capital pela auto-organização do trabalho sem demandas totalitárias e pelo
ganho de produção, representando quase que uma sociedade anônima não propriamente
de capital, mas de trabalho, este tido então como livre investimento à altura
do interesse e capacidade do trabalhador ou produtor.
No Brasil há
uns quinze anos atrás, aproximadamente, os modelos societários cooperativistas
rurais eram praticamente os únicos contemplados por políticas governamentais,
donde a orientação respectiva se dava principalmente através do Ministério da
Agricultura, o qual tratava de orientar o interesse dos produtores agrícolas no
que fez florescer o coeso agronegócio.
De lá para cá,
outros modelos cooperativos foram surgindo, cooperativas de crédito, unindo
recursos para construção imobiliária, cooperativa de serviços médicos, enfim um
sem número de uniões societárias que até bem pouco tempo deviam contar com no
mínimo vinte participantes e nos tempos atuais de trabalhismo em voga, precisam
contar com apenas sete participantes.
O modelo
cooperativo foi distorcido para favorecer uma suposta flexibilização das leis
trabalhistas institucionalizando requisitos para que o serviço terceirizado de
cooperativas a empresas tomadoras de serviço possa atribuir ou não vínculo de
emprego com relação aos cooperados no que tangencia a ambos, tanto a
cooperativa quanto o tomador, repetindo a velha linha tênue e divisória entre o
serviço autônomo e o serviço subordinado pelo permissivo de critérios
intervencionistas balizados na pseudo caracterização do ganho de produção.
Fato é que o
modelo cooperativista permitiria, por exemplo, que um grupo profissional
interessado numa inovação experimental local, ou ocorrida em outro país pudesse
reunir recursos coletivos para trazer ou participar financeira e pessoalmente
da pesquisa pela oferta de pessoal e recursos próprios. Poderia trazer
palestrantes, promover cursos de interesse e atualização profissional, além de
padronizar qualificação destinada à oferta continua de serviços de correlatas
áreas.
O serviço
cooperativo qualificado pela finalidade comum de preparar profissionais
competentes traduzindo plausíveis ativações escolásticas, fora do sentido
medieval filosófico, é claro, disponibilizaria variáveis atendentes das
incógnitas de produção dos mais diversos setores interessados. Imagine
restaurantes podendo eleger o número e o tipo de treinamento de seus garçons e
auxiliares de serviço, conforme particulares interesses tanto de pessoal quanto
de época.
A mesma
esquemática poderia se estender aos mais diversos serviços auxiliares e mesmo a
compra de determinados insumos, tanto de ordem básica como de equipamento
especial, literalmente aproveitando oportunidades de atacado.
Cooperativa não
é organização de categoria propriamente dita é aperfeiçoamento produtivo
atendente tanto de fins capitais quanto sociais, demandando propósito,
disposição, autonomia e contabilidade especial.
A ordem
constitucional de 1988 propôs tratamento diferenciado ao ato cooperado, no que
seria um incentivo ao molde societário em comento, todavia, evoluções da ordem
social-democrática, em seus aspectos desvirtuais, dificultaram o tratamento
tributário aplicável, por exemplo, no controverso incidental de 11% da renda
bruta da cooperativa como INSS, enquanto obra “jurisdicionada” no governo de
Fernando Henrique Cardoso.
O atual governo
primou por legalizar a terceirização e a possível ou não caracterização do
vínculo de emprego com as cooperativas (Lei 12.690/12), praticando o
paternalismo incompatível com o caráter liberal e o necessário incentivo da
autêntica atividade cooperada, assim transformada em espécie de variação protecionista
da mão-de-obra.
Basta que se
verifique o artigo sétimo da aludida lei para se compreender a distorção
trabalhista do ideal cooperado e a absoluta incerteza do que intenta legalizar
necessidades de terceirização como proposta.
Medidas
provisórias e Decretos como o de nº 3.017/99 criam instituições de direito
privado “sem fins lucrativos” como a SESCOOP-PA, financiada pelo INSS pago
pelas cooperativas, para monitorar, capacitar e promover socialmente
trabalhadores cooperados do Pará.
Sem julgar a
outorga de recursos públicos às instituições privadas, ainda que sem fins
lucrativos, o que vemos no parco tratamento governamental da pessoa jurídica
cooperada, é ainda um retrato da seguridade fóbica em vigor para detrimento de
ideais que vão sendo assim superados pelo retrógrado critério, o da força pela
força e do poder sem rumo característico da falta de razão demandante de
cérebro, adaptações de felicidade ao abrigo da luz, vitórias sob a égide da
espada justiceira donde vingam as verdades únicas, eternas, tão confortáveis
aos extremos.
Jussara Paschoini
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