segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

VIDA OU DÉBITO EXISTENCIAL?



Viver a vida é tônica defendida com trabalho, diversão, criatividade, fama, dinheiro, talento, popularidade, sabedoria, despojamento, enfim, cada um estabelece uma bandeira de passagem vivente transmitindo-a ou não para herdeiros genéticos ou não.

A vontade defensora das tônicas exerce escolhas para que a vida vivida valha a pena. A pena de ter fim certo, pois a morte é conhecida por chegar mais cedo ou mais tarde, impiedosa.

Morre-se geralmente sem saber quando, como ou por que e até lá a vida deve valer num equívoco semelhante ao pecado original, o de viver uma dívida de valor para com a morte.

Eis o débito existencial, o que consome o ser vivido com anseios e metas subjugando a força interior, em outras palavras, enfraquecendo a sensibilidade responsável pelos desafios inerentes a todo e qualquer esforço, porque seja qual for a tônica de eleição nesse valer a pena, o mundo dos fatos não foi feito sob medida para nos corresponder e seríamos meros projetores de um filme sem graça em caso contrário.

Viver estabelece tônicas naturalmente, mas não tem tônica suficiente e isso traz o segredo de cada dia, o silêncio mágico compositor das mais diferentes sinfonias. Não se encomenda ou se compra a harmonia das notas com mero esforço, mas com disposição e ouvidos, o que, por sua vez, falta quando se está em débito existencial, no sinônimo de provação exercido tanto por disciplinados quanto por libertinos.

E, viver a vida pode mais ser abrir mão de valer a pena, por valores menos ocupados e temerosos ao descumprimento de cargas finalísticas muitas vezes condenatórias ao sacramento mártir de suicidas, assassinos ou equivalentes das causas nobres ou escravas.

Os becos sem saída, a velhice e a doença não precisam ser os únicos indicativos de que não são os fins nos fins das contas, mas a incoação de uma vontade culta o que abre espaço para o ser habitado por si em vida.

Há poetas embriagados, freiras enclausuradas, prostitutas heroicizadas,  artistas excêntricos, atletas, mendigos e empreendedores etc., todos vivem a vida.

É a vida que neles vive que tem poder, o resto é definição e expectativa.

Jussara Paschoini

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

OS ENGODOS TECNOLÓGICOS




Tempos de furores ecológicos pormenorizam detalhes da preservação ambiental dedicando afora ativismos políticos de indumentária verde, pesquisas acerca de espécies vegetais e animais, monitoramentos, mapeamentos, planos de recuperação e resgate de áreas naturais, enfim ativam-se com algum apoio e muita força de vontade um ainda insuficiente movimento para redesignar parâmetros de boa exploração e uso da biosfera.

Arqueologia e artes restauradoras da história nas diversas expressões da humanidade beneficiam-se de avanços científicos permitentes de novas linhas de investigação e acesso ao achado e preservado para efeitos de avivar o quanto de esplêndido existiu como quadro da existência em diferentes enfoques e modos de evolução cultural. Tudo isso resultando no acervo de alguns museus muito pouco conhecidos e muito pouco acessíveis ao cidadão comum, bem como na produção de teses e estudos nem sempre publicados ou trazidos à análise de comunidades científicas universitárias.

No entanto, a expansão em voga é a tecnológica, o superpoder dominante no mercado é a energia e a informação rápida, baseada em inovações vulgares de rudimentos científicos apresentados periodicamente como a grande revolução em matéria do interesse consumista que arrasta milhões de um lado para outro sem ofertar praticamente nada em termos de avanço relevante ou efetivo.

É o império da novidade momentânea com status futurista, na verdade um artifício idiota e repetitivo de máquinas que só mudam de peso, aparência, tamanho e principalmente de preço, simplesmente porque não têm maior extrato de aprimoramento, não pelo menos sem desvirtuar a sua essência de funcionamento por princípio.

Nesse contexto é lamentável notar o quanto do conteúdo econômico plausível a desenvoltura de valores intelectuais de potencial produtivo fica barrado na seara experimental do consumidor tecnológico de engodos sazonais, movimentando recursos de forma inócua. Daí a careta dos investimentos, a falta de mão de obra qualificada, a estagnação da prestação de serviços e a insuficiência das ações virtuais e tecnocratas para aquecer o mercado, cercado no seu rodopiar sobre os próprios pés, mas paradoxalmente pretenso de expansão.

O luxo permanece incólume nas produções artísticas de design exclusivo enquanto excrementos tecnológicos programam o crescimento da indústria e do comércio na rota da insensatez garantida. Novos modelos não são novos modelos, são testes de consumo e as cobaias pagam o preço da crise, crentes de vivenciar o caminho do progresso.

É interessante lançar olhos para a ciência desvinculada das tacadas empresariais majoritárias e da lucratividade fagocitária, para as divergências paradigmáticas e para ações firmadas com esse sentido, deixar de partilhar os riscos e transtornos do dinheiro fácil em prol de um enriquecimento fictício e ilegítimo permanentes.

A indústria automobilística e o petróleo continuam a centralizar soberanos o universo das atenções analíticas de valor econômico, mas são os oponentes das necessidades de transporte coletivo eficiente e acessível e o uso de energia limpa o contraponto de relevo, o princípio evolutivo, a inovação disponível a quem não está ativado na produção e na robótica econômica tradicional, o nicho a ser mais explorado a exemplo de tantos outros que não precisam eliminar a manutenção dos "males" vigentes, mas merecem abertura e destinação de recursos dirigidos na substituição do que já não é mesmo mais nenhuma inovação e sim desgastante engodo.

Jussara Paschoini



segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

SABER LIDAR COM A INTIMIDADE É A CHAVE PARA CIVILIZAÇÃO




Não é possível tangenciar intimidade se elementarmente estacarmos na noção permissiva, próxima e vinculadora do conceito, isso é básico, e vagar pelas questões de sexo, amor e amizade para graduar o íntimo é no mínimo batido, chato mesmo.

A intimidade importante, aquela não inventada, imposta, comprada ou mesmo cedida para efeitos satisfativos, acontece e tem muito mais de limite de sensibilidade a medidas e intensidades do que de junção e apego. Intimidade é história contada por si e nada mais.

Trata-se de reconhecer o pudor do íntimo, para Nietzsche, uma questão dos homens duros e algo precioso, o que eleva a compreensão acerca de seres humanos não tão abertos e nem disponíveis ao apego como regra, zelosos de seus próprios recantos construtivos e destrutivos.

Sucessória da repressão política típica das hipocrisias sociais, a concepção simplista de liberdade e a ilusão de sua conquista fácil por práticas fúteis trouxe para princípio relacional uma intimidade excessivamente próxima, baseada quase exclusivamente em apego e a violência visível e absurda dos dias atuais vem detectando claramente a perda do limite, esse sim fundamental ao íntimo. Mantem-se perdido o senso de invasão em prol de necessidades coletivizadas, de informações supervalorizadas em confronto com o desprezo e a miséria de um crescimento populacional desabalado, falta de responsabilidade reprodutiva descarada em todos os sentidos possíveis e imagináveis.

Íntimos sem limites não são íntimos são associados em riscos partilhados que vão desde a mútua insatisfação até o desastre e a morte, daí talvez a banalidade bruta de uma criminalidade longe de poder ser chamada de organizada, próxima ao ponto de matar qualquer um, em qualquer lugar, por nada.

Não há ordem onde todos querem ser íntimos a qualquer custo e a troco de algo diferente com relação à sutil e própria intimidade, há sim, imbecilidades e sofrimentos diversos em crescente deflagração para o livre comércio de subterfúgios genéricos e variados de luxos e lixos.

Intimidade, na prática, nos aproxima por limites reconhecidos no raro definir espontâneo de relações de valor, limites aos quais cabe a mais atenciosa preservação, inclusive e principalmente quanto aos naturais e fluentes apegos de ordem afetiva mais intensa.

Contrariamente, em teoria, a proximidade condiciona o íntimo, põe o carro diante dos bois e como não poderia deixar de ser, o futuro é simplesmente empurrado, para lugar nenhum em desperdício de força e energia esgotável como tudo, como a vida acorrentada em seu próprio abismo.  

Civilização é intimidade vivida nos seus limites, por gente com pudor e liberdade além das convenções e adentro da harmonia.

Jussara Paschoini