segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O HOMEM COM “H”








           É difícil falar do Homem com “H”, embora muitos falem, obrigatoriamente, mau.


           Há cachorros com o nome de Capeta, músicas referentes a Lúcifer, personagem com nome do tipo Zeca Diabo, tem o “Madame Satã” que era bandido, gay, e portava diversos motivos de exclusão em seu modo de ser, mas certamente não se perturbava por ter esse nome, no entanto, o nome do Homem com “H” ninguém ousa dar nem a um novo tipo de ameba eventualmente descoberta.


           Por isso, antes de falar sobre a figura, reconhece-se a ele a condição maldita e sequer se menciona o respectivo nome, simplesmente para pensar no fato de que nunca se mostrou a mão suja de sangue desse indivíduo e nem se apontou para alguém diretamente morto por ele. Não chegou nem perto de partilhar a psicose de assassinos que comem partes do corpo de suas vítimas, ou de outros que enterram dezenas em seus quintais, violentam e torturam muitas mulheres antes de matar ou de pais que matam a mãe de seus filhos na presença deles.


           O ato conhecido sobre o Homem com “H” é que ordenava e tinha muita gente para obedecer, o discurso que fazia para chegar a tamanho grau de sedução acerca do considerado como sua própria e única vontade nunca foi exposto, não está nos livros Best Sellers e só passa na televisão em linguagem gutural, muitas vezes destituída de voz, ao que tudo consta mais imprópria do que sexo explícito e filme do exorcista, com a distinção de ser a censura muito mais para adultos.


           O Homem com “H” é um mistério cuja solução é discutida sempre sob a ótica de sua infinita maldade, o que não se discute é o seu alcance e o número de pessoas disponibilizadas a cumprir voluntariamente e com pretensa honra a um ordenamento genocida porque isso é o que se pretende apagar da história, é a realidade para a qual não há venda suficiente. A maioria quer se identificar com as vítimas e não com os executores, como se eles fossem de outra espécie, alguns velhinhos de sangue ruim, como se não se visse a mesma maldade se propagando sob outras bandeiras e com outras justificativas.

             É bom se identificar com as vítimas até ser realmente uma. Vítima de violência é sempre a mesma, sente a mesma dor e o Homem com “H” está de luvas, sendo julgado pelos vivos e pelos mortos enquanto seus arremedos só não utilizam o mesmo nome e não precisam mais gritar com tanta veemência para ser obedecidos. A comunicação é mais rápida e eficaz, além de sutil. Não precisa nem mesmo ser convincente, basta ser desculpa "cara".


             O mundo está cheio de Homens com “H” e seria de bom tom que o nome deles também não saísse tão facilmente dos lábios humanos. Para eles o devido e real repúdio, a herança com “H” cabível a todo covarde, aproveitador das fraquezas comuns de todo miserável pobre de pensamento.


            A violência real só faz vítimas, as idéias são a história e é importante notar quando calam com mágoa a pronúncia dos acontecimentos.


Jussara Paschoini






segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

MÍSTICO: A CRIA REBELDE DO DETERMINISMO





Para tratar do Místico, poderíamos compreendê-lo como o filho primogênito de um rei, a quem a coroa foi usurpada pelo filho mais novo, o Ético, por conseguinte, receptáculo do legado, entre outras coisas, do peso da coroa, do preço das representações.

 O Místico nasceu do poder e o Ético nasceu do dever, ambos intencionavam reinar na superação do mau destino, o primeiro guiado pela concepção de um novo mundo e o segundo pelo controle perfeito do mundo já existente.

O primeiro era atraente e querido e o segundo era sério e respeitado.

Místico tinha o dom de aproximar as pessoas, de celebrar, identificava-se com os melhores e piores aspectos humanos do mundo que o cercava traduzindo sua mudança ideal por rituais e símbolos históricos logo aderidos como parte do comportamento do povo, assim, em unidade cultural, formando uma massa cuja força de equivalências e consequente intimidade passou a delimitar fronteiras peculiares da ressignificação de ideias e sentimentos marcados pela necessidade de renovação e esperança adventista.

Com efeito, Místico atraiu a predileção compatível a sua primogenitura até que suas promessas de um futuro melhor começaram a ser questionadas pelo Ético cuja aguçada percepção apontou racionalmente para os campos incultos, as doenças sem cura, a sujeira e a infelicidade causada pela morte, atitude causadora de indagações dispersivas da massa ritualística conquistada pelo irmão mais velho.

 Plantada a semente da discórdia, a massa se desorientou notando seu próprio declínio enquanto apenas gesticulava sobre um futuro cerimonial, aos poucos tornado motivo de angústia. Tal circunstância passou então, face da mesma necessidade dantes, a reinterpretar as próprias crenças fazendo surgir o fenômeno da desmobilização e mobilização do povo.

Místico continuou querido por uma parte de conservadores, mas começou a ser odiado pelos dissidentes que decidiram sacrificá-lo como símbolo da instauração de uma nova ordem ideal, iniciando incessantes ataques ao reino enquanto Ético ganhou espaço político diante do ocorrido e da imanente morte do rei, sendo providencialmente declarado como herdeiro da coroa em virtude da inexorável destituição do irmão, enviado para exílio até a eventual pacificação dos ânimos populares.

Logo nos primeiros dias de seu reinado, Ético tratou de estabelecer rumos e exemplos comportamentais, nomeando como seus auxiliares os praticantes das mais nobres condutas, os quais, no afã de restabelecer a ordem, fixaram a obrigatoriedade do cumprimento da lei na partilha dos interesses comuns e na oferta de justiça a todos os cidadãos reconhecidos, proibindo a prática de qualquer comportamento ritual advindo de Místico e mesmo de qualquer movimento respectivamente divergente.


Tudo parecia certo e coerente para Ético, quando notou já tardiamente que o seu empenho inicial de governo provocou a reunificação da massa em ebulição, agora ciente de seu poder de desafiar a autoridade instituída, de tal sorte que logo se apercebeu do engano de suas razões, sentindo o peso da coroa e de repente, a falta de Místico.

 Místico foi chamado a retornar, regozijou-se com a perturbação do consanguíneo e não lhe poupou do dissabor ao dizer: Não existe mais controle, apenas o que pode ser controlado e isso não se fará sem mim...

 Desde então Ético passou a divisar o reinado com Místico e a enfrentar, desse modo, o poder das massas.


Por ser estéril, Ético fica a observar, inseguro e com muita contrariedade a bastante possível ascensão ao trono por parte de sua sobrinha, Crítica, que além de ser mulher, trata-se de excelente conhecedora das armas e parece planejar lhe o assassinato.


Jussara Paschoini


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

QUAL É O MÉRITO DE TER MÉRITO?


 

                           Receber de acordo com o merecido é honesto. No entanto, saber o merecido quando muitos nascem passando fome, em meio a um conjunto de regras e costumes guiados pela força, com grande margem de destinos traçados rumo ao sacrifício de necessidades vitais básicas, é no mínimo uma ilusão. Ninguém merece nascer, o merecido é o que se conquista apesar disso.


                           Pesares à parte, merecer varia de acordo com o que se deseja, porque a primeira coisa é notar que não há mérito em conquistar o que não se quer, e daí a primeira noção acerca do desonesto; não possui vontade conhecida e, portanto, não encontrará mérito no por si conquistado além de receber a contragosto o desmerecido, muitas vezes lamentando o destino ou buscando convencer a tudo e a todos da certeza de sua contrariada e incógnita posição no ranque dos satisfeitos.


                          A falta de mérito conducente à desonestidade começa então pelo desvio de vontade e passa para a convicção necessária a corrigir pela justificação moral sua pertinência, donde a atenção de comuns assume o papel de ratificar a suposta vitória a ser mantida como mérito, sem o ser de fato e por princípio. Talvez nisso resida a popularidade de quem faz tudo para alcançar o seu “demérito” publicamente, em geral, de forma radiante.


                         Porém, embora muito típica a desonestidade involuntária não é a única. Há aquela pior, mais dolorosa, a resultante de saber o que se quer até demais e preconceber o mérito do próprio querer acima de tudo. Nesse caso a justificação moral perde a importância, o objeto desejado substitui o mérito, não importa merecer, importa ganhar e por óbvio não há mérito. Se houver conquista será mantida por derivada e similar convicção particularizada em “demérito”, menos popular, mais dada ao mistério e ao segredo do que à justificação.


                         Voluntária ou involuntária a desonestidade é o que contraria o mérito cuja importância reside então em saber e conquistar o que se quer. Não é fácil como nascer e nem certo como morrer, é a importância de viver por si e livremente, sem desistir de merecer por nada que não seja merecido.



Jussara Paschoini

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

ATITUDE ATRAI ATITUDES





Ele fez cobertura jornalística da segunda guerra, escreveu sobre o que viu com personalidade de quem não se conforma, com poesia de quem quer emprestar beleza aos injustiçados, com a simplicidade dos francos, foi chamado de víbora e creio que, empertigadamente, apontado como patético por Nelson Rodrigues, enquanto fumegava as teclas de uma máquina de escrever. Um discurso doce e envenenado por uma qualificada visão da realidade, sem enfeite, sem drama, com observação e sentimento. Assisti a um documentário feito por um amigo, um parceiro de livros publicados e admirador. Confesso, comunguei do intento e pronto.

Há pessoas que nunca vimos, conhecemos e pouco delas ouvimos falar, e um belo dia por acaso ou por obra de alguém empenhado nos são apresentadas, por partes relevantes de seus pensamentos e pelo conteúdo de suas ações. Então ficamos sabendo desses "alguéns", às vezes nem mais vivos estão, mas ficamos sabendo e somos tocados por aquela presença, a força articulada de suas vidas e destinos, histórias contadas e modos encantados batem às nossas portas e quando atendemos esses estranhos estão lá como se fossem velhos companheiros a quem de repente abrimos os braços.

Nesse mundo louco, de pressa e carnaval, de intimidades escusas e velozes, alguém nos chega por nada com o que de si restou sem restar e nos capta, nos convence, nos importuna, fortalece e modifica para sempre no fundamental fenômeno das atitudes que atraem atitudes.

Isso mostra que a ação humana partidária de si e de sua distinção, aparências e metafísica à parte, ultrapassa os limites das possibilidades realísticas e se torna permanente à disposição de certo resgate e sequência inarredável com relação aos acontecimentos.

Diversamente, os atos de violência e usurpação, para os quais não se pode negar presença em face de intrínseca característica invasiva, repetem traumas improdutivos e embora às vezes pretensos da defesa de alguma ordem revolucionária, redundam num retrato de poderes enojantes de feições muito parecidas. Plantam a hipocrisia como paz e colhem sectarismo como combustível.

Portanto, quando o rumo dos fatos continua na direção desses poderes cáusticos, é na atitude que atrai atitudes, na oposição valente não estanque nas palavras e perene como convite e ação antagônica  para o presente e para o futuro, onde se realinha o curso profundo do valor histórico, voluntário e apropriado a nossas atenções.

Violência e usurpação e nisso fique alardeada, inclusa e registrada a corrupção escancarada e arrogante de discursos pseudo-éticos dolorosamente desvirtuados, são as máculas originárias corrosivas e oponentes de tudo quanto há para as conquistas humanas importantes e alcançáveis.

Nossa atitude atraente ao quanto nos condiz mostra onde vamos chegar, se caminhamos para frente ou se corremos atrás do próprio rabo, crentes duma mordida certeira na própria carne.

Jussara Paschoini