segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

MÍSTICO: A CRIA REBELDE DO DETERMINISMO





Para tratar do Místico, poderíamos compreendê-lo como o filho primogênito de um rei, a quem a coroa foi usurpada pelo filho mais novo, o Ético, por conseguinte, receptáculo do legado, entre outras coisas, do peso da coroa, do preço das representações.

 O Místico nasceu do poder e o Ético nasceu do dever, ambos intencionavam reinar na superação do mau destino, o primeiro guiado pela concepção de um novo mundo e o segundo pelo controle perfeito do mundo já existente.

O primeiro era atraente e querido e o segundo era sério e respeitado.

Místico tinha o dom de aproximar as pessoas, de celebrar, identificava-se com os melhores e piores aspectos humanos do mundo que o cercava traduzindo sua mudança ideal por rituais e símbolos históricos logo aderidos como parte do comportamento do povo, assim, em unidade cultural, formando uma massa cuja força de equivalências e consequente intimidade passou a delimitar fronteiras peculiares da ressignificação de ideias e sentimentos marcados pela necessidade de renovação e esperança adventista.

Com efeito, Místico atraiu a predileção compatível a sua primogenitura até que suas promessas de um futuro melhor começaram a ser questionadas pelo Ético cuja aguçada percepção apontou racionalmente para os campos incultos, as doenças sem cura, a sujeira e a infelicidade causada pela morte, atitude causadora de indagações dispersivas da massa ritualística conquistada pelo irmão mais velho.

 Plantada a semente da discórdia, a massa se desorientou notando seu próprio declínio enquanto apenas gesticulava sobre um futuro cerimonial, aos poucos tornado motivo de angústia. Tal circunstância passou então, face da mesma necessidade dantes, a reinterpretar as próprias crenças fazendo surgir o fenômeno da desmobilização e mobilização do povo.

Místico continuou querido por uma parte de conservadores, mas começou a ser odiado pelos dissidentes que decidiram sacrificá-lo como símbolo da instauração de uma nova ordem ideal, iniciando incessantes ataques ao reino enquanto Ético ganhou espaço político diante do ocorrido e da imanente morte do rei, sendo providencialmente declarado como herdeiro da coroa em virtude da inexorável destituição do irmão, enviado para exílio até a eventual pacificação dos ânimos populares.

Logo nos primeiros dias de seu reinado, Ético tratou de estabelecer rumos e exemplos comportamentais, nomeando como seus auxiliares os praticantes das mais nobres condutas, os quais, no afã de restabelecer a ordem, fixaram a obrigatoriedade do cumprimento da lei na partilha dos interesses comuns e na oferta de justiça a todos os cidadãos reconhecidos, proibindo a prática de qualquer comportamento ritual advindo de Místico e mesmo de qualquer movimento respectivamente divergente.


Tudo parecia certo e coerente para Ético, quando notou já tardiamente que o seu empenho inicial de governo provocou a reunificação da massa em ebulição, agora ciente de seu poder de desafiar a autoridade instituída, de tal sorte que logo se apercebeu do engano de suas razões, sentindo o peso da coroa e de repente, a falta de Místico.

 Místico foi chamado a retornar, regozijou-se com a perturbação do consanguíneo e não lhe poupou do dissabor ao dizer: Não existe mais controle, apenas o que pode ser controlado e isso não se fará sem mim...

 Desde então Ético passou a divisar o reinado com Místico e a enfrentar, desse modo, o poder das massas.


Por ser estéril, Ético fica a observar, inseguro e com muita contrariedade a bastante possível ascensão ao trono por parte de sua sobrinha, Crítica, que além de ser mulher, trata-se de excelente conhecedora das armas e parece planejar lhe o assassinato.


Jussara Paschoini


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