segunda-feira, 26 de novembro de 2012

PERSPECTIVA COMUNITÁRIA





A instituição de uma sociedade politicamente organizada, mais do que a formulação de um ente com a finalidade de atender ao bem comum pela outorga coletiva de poder mediante regras de constitucionais, há muito tem a primordial função de estabelecer e garantir propriedades.

Cortando o caminho de tratar do tempo em que pessoas eram propriedades umas das outras em face da escravatura ou equivalente, é a propriedade imóvel, qual seja, a relativa ao espaço territorial aquela mais visada e perseguida tanto pela lei quanto pelos seres humanos em guerra, litígio ou registro. Todos almejam ter o seu lugar, o recanto para chamar de seu país, cidade, bairro, casa ou lar.


De fato, cada um de nós precisa da conta dos pés, dos passos, da mesa, da cadeira e da cama, mas não é simples assim, acima disso, queremos estar longe e cercados dos inimigos, afastados dos diferentes não pronunciantes da nossa língua, do não honorário da mesma divindade, os que não comem a típica comida, não respeitam os vigentes hábitos e são por isso considerados uma "ameaça". Tal ocorre com grau de maleabilidade insuficiente e impossível de mudança radical, todavia, se tornou uma prisão donde ninguém mais sai fácil ou impunemente e um convite à reflexão.


A individualidade impõe limites do tipo não pise no meu pé, não xingue minha mãe e não coma a minha comida. Só isso seria bom se o ego não evoluísse para pedir muito mais em termos de confirmar sua certidão e sua sintonia com alguma ordem identificadora com diversos graus de imponência, dependente de diferenciação. E assim, como corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, os macacos precisam estabelecer seus galhos.


Interessante é que com galho ou sem galho, algum espaço haveremos de ocupar e ao menos que a vida nos tenha abandonado total ou parcialmente, esse local não será eterno e imutável, haveremos de nos locomover, aliás, bem mais do que zelar por nossos galhos, daí surgindo a discrepância de que quanto mais deles necessitarmos na expressão de nossas posses ou propriedades, conforme admitir e determinar a ordem jurídica, mais de nós será exigido no zelo destas.


Isto aponta para nossa submissão ao público como muito maior e mais exigente do que a nossa submissão ao individual, embora nossas crenças apontem fortemente noutro real sentido.


Feita esta constatação é gracioso contemporizar então a revelação de que a existência humana possui bem maior atividade e destino comunitário do que individual. A vida é mais vivida em espaços públicos do que nos recantos de cama, mesa, banho e computador (?). 

                                 Emerge daí uma contradição acerca da persecução de posses impositivas no convívio social já que em contrapartida muito se deve por conta delas, frequentemente pela simples prevenção de que sejam visadas na proporção de seu valor variável e nem sempre compatível em igual medida.


Neste ponto não se correlacione o fato com qualquer tendenciosidade ao domínio público da propriedade em meta comunista. 

                            O intento é evidenciar a importância maior do espaço comunitário do que do privado para a vida como for vivida, inclusive em uma política econômica capitalista, donde a solução das desordens advindas principalmente da exclusão social pudesse encontrar substância mais dirigida ao convívio e à partilha do que no redirecionamento e ou oferta de posses e propriedades, talvez nem tanto interessantes, como se pôde vislumbrar nesse comento de simplicidade.


Em caráter exemplificativo há o manifesto interesse público em deslocar coletividades de determinadas áreas por conta do risco, da irregularidade da ocupação local com relação a respectivas propriedades ou mesmo pela inacessibilidade à regularidade de utilidades correntes como água encanada, asfalto, esgoto, iluminação e abastecimento de energia elétrica enquanto deveres estatais.


Sem desmerecer projetos do tipo “Cingapura” e casas populares, é conhecida a desordem jurídica incidente em respectivas execuções administrativas.

                                   Não raro a população supostamente beneficiada acha por bem se livrar da propriedade ou posse e retornar ao convívio comunitário de onde veio com algum dinheiro, num claro demonstrativo de que oferecer propriedades ou mesmo posses temporárias nem sempre ativa a dissolução do dilema sócio econômico na questão unificada da moradia.


Os vínculos entre pessoas, principalmente aquelas cuja defensiva possessória não inspira significante separatismo, mas fortalece alguma interdependência cooperativa, nem sempre é tomado em consideração na elaboração de projetos sociais. Não é de se ignorar a redução de objetivos à apenas redistribuir realidades inovadas sem sopesar a preservação de valores aplicáveis. Daí a redundância de insucessos de algumas e várias ações beneficiadoras governamentais ou não.


Os projetos sociais diante de uma visão comunitária insinuam a substituição da redistribuição de propriedades pela instituição de um maior número de áreas destinadas a ativação coletiva qualificada.


Espaços comunitários com constante oferta de alfabetização para adultos, além de orientação e facilitação de acesso aos mais diversos e amplos métodos anticoncepcionais, serviços básicos de atendimento à saúde, juizados conciliatórios para desembargo de pequenas causas, cursos técnicos profissionalizantes, acesso a internet, ambiente para atividade esportiva, biblioteca e creches com possíveis anexos de abrigo temporário e integração participativa entre serviços vinculados e manutenção de pessoal, poderiam se tornar proposta valorosa para população carente.


Diversas coletividades identificadas pela idade, pelo objetivo e pelas peculiaridades de sua ascendência sócio regional poderiam atender em instituição comunitária aos seus interesses, fortalecendo vínculos independentes de propriedade, e esta, sem prejuízo, poderia ou não se tornar resultado da evolução particular e possível a cada um, conforme seu desempenho e livre vontade.


Pode ser mais interessante acumular interesses e recursos coletivos do que prêmios lotéricos muitíssimo incertos.


Nem todo mundo precisa de um reino ou de um cavalo, mas são dedutíveis as consequências do menosprezo à coligação de todas as atividades naturais e humanas circundantes de nossas necessidades pequenas ou grandes.


É perfeitamente plausível dar consecução maior aos espaços comunitários, tornando cada vez mais secundária a tradição senhoril de donos e donas sobrecarregados por andrajos ou adornos fundamentais ao poder de polícia e à violência característica.

Jussara Paschoini


domingo, 25 de novembro de 2012

SOBRE O MEU AMOR...





Tremores e temores
Num estado de sonho e de aguçada percepção
Sabendo ser insignificante e finito
Ser tomado por tudo e sacudido pela morte
Palpitando em pedra
Rachando em partículas
Isolado, inanimado em madeira de lei
Girando por tufões e destruindo com jeito
Sem caminho e sem volta
Só numa oportunidade
Sem dor e sem brota
Arrancado do chão
Não tem mais nenhum espaço
Nada a medir-lhe a dimensão





Jussara Paschoini

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

POR QUE O REALISMO É UM SUCESSO ?

                   


                                         Guerra, fome, miséria, ignorância, violência, atrocidades, corrupção, enfim muita coisa ruim mesmo acontecendo no mundo e isso é realidade documentada. Quem vive e nisso inclua-se uma grande massa populacional, sabe, e quem não vive fica sabendo pela imprensa incansável em trazer notícias.

                                          Quem vive está vivendo e quem não vive esta sabendo e daí? Daí se paga mais algum dinheiro por obras realistas com o pressuposto de nos chocar e nos acordar, pobres alienados que somos, para a realidade, mas será?

                                          Não é raro encontrarmos comentários admirados com o realismo de um filme, uma novela e de uma obra literária chocante acerca do que de pior com status de verdadeiro, acontece. Impactante é por isso renderem as melhores críticas, projeção internacional, prêmios e muito dinheiro.

                                          Isso sim é chocante! Vive-se num estado de insatisfação contínuo e se paga caro em tempo e dinheiro para olhar para um retrato legitimado a embelezar e tornar atrativo o sofrimento aplaudido assim, por ser  suposta e exageradamente próximo da verdade, expediente fundamentador do que se diz realismo, como se a arte não tivesse evoluído para visualizar outras impressões, salientar cores, luzes e sentidos numa renovada concepção ideal e ativa do pensar e continuar observando.

                                          Não é que se despreze o documento e o registro dos fatos, no entanto, é impossível não se ater diante do aproveitamento intelectual e artístico simulado para chocar ao ponto de insensibilizar as pessoas defronte a um quadro pretenso de tanta revelação ao ponto de cegar. 

                                         Nem é à toa a dissonância de quem hoje se envergonhe de haver se rendido à possessão realista engajada em canonizar ou heroicizar a rudeza, a fealdade e a vulgaridade como cerne único de sua arte literária, cênica ou mesmo plástica.

                                        Afinal, isso não serviu para curar ferida nenhuma, enriqueceu o ego e a conta bancária de ícones culturais que vivem muito bem em suas mansões arquitetonicamente projetadas e viajam muito pelo mundo para descobrir novos desgastes exploratórios do real sem ressuscitar dos mortos diante da tecnologia de três dimensões e dos efeitos especiais cujos retratos são muito mais convincentes e demandam menos perspectiva poética.

                                       Além disso a simplicidade dos recursos eletrônicos estabeleceu unidade suficiente de um tom compreensível por todos sem ginástica mental na representação do real, da rotina musical prática e consensual de ritmos e redondilhas massificantes, sendo desnecessário saber da beleza do diabo ao furar o olho enquanto faz sexo.

                                        Será mesmo que precisamos de choque? E se precisamos, será deste realismo tão enfeitado no congelar de cenas explosivas anotadas numa tela para estupefação total e suficiente a fazer o mesmo com a nossa concepção de mundo? 

                                        É princípio do realismo ser tão próximo da verdade ao ponto de pacificar sensos e sentidos, ao ponto de solidificar uma crença, pois impregnado nas oposições racionais de fixar o verdadeiro e o falso se aplica em ser fiel expressão mediante instituição de dogmas quanto ao que não é observado e depende de "algum talento". 

                                        Trata-se muitas vezes da arrogância de ser dono artístico e intelectual privilegiado de uma verdade politizada sob a forma ou como meio de denúncia, o que, por sua vez, pode ser importante até se tornar determinismo social e psicológico muito rentável em culturas desfavorecidas pelo subdesenvolvimento ou mesmo pretensas de consagração histórica.

                                         Daí a devida repulsa de alguns poucos e malqueridos acerca de ícones sagrados do realismo em suas mais diversas formas de convencer, inclusive aquelas híbridas e fantásticas, capazes de identificar cérebros afeitos ao sobrenatural e de arrebanhar distintos em grau de compreensão da mal resolvida falta de resposta de um mundo determinado a ser "real", no Brasil, às custas de muitos milhões de reais boquiabertos e puxa-sacos.

                                         Nada surpreendente que celebridades tenham passe obrigatório pelas favelas que continuam lindas e continuam sendo tudo o que são, com baile funk e tiroteio, flash fotográfico e incêndio, gente humilde com vontade de chorar e de matar, na fachada escrito em cima que é um lar com frequência invadido por deslisamento de terra, enchente, esgoto ou pela polícia, realmente, mas realmente, um osso duro de roer.

Jussara Paschoini

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A INSUSTENTÁVEL DIFERENÇA ENTRE SER E AGIR




É engano usual diferenciar o fato da atitude, o que é do que age. Não obstante, os fenômenos são realidade e esta não se curva ou se submete ao suposto ou dogmatizado como distinto. O ser apartado do que é e que age ou deixa de agir, não é dual, e por isso não se mantém cercado por uma linha imaginária capaz de separá-lo de suas ações.

O ser deseja, pensa, age, afeta e é afetado e trata-se de uma ilusão criar compartimentos estanques do que é para justificar ou condenar ações enquanto matéria da moral vigente. É perfeitamente possível se agir em desacordo com a vontade numa perspectiva de eventual estupidez sim, todavia, o fato não se altera pela interpretação dada a ele.

 Somos o que somos e isso não nos aparta de nossos atos para nos fazer melhores ou piores, bons ou maus, mais ou menos livres ainda que a razão e a emoção nos ofereçam instrumentos para tanto pela sensibilização e construção de conceitos donde alcançamos diferentes graus de satisfação egóica capaz de doar e de roubar pelo mesmo motivo.(Shopenhauer) 

Dito isto, é visível não sermos morais ou imorais, mas fenômenos sujeitos a interpretação própria e alheia no pautar de nossas atitudes, somos um meio ao que está por vir e não um fim, daí não haver definição suficiente para nós e a impertinência teórica da fragmentação.

Fragmentar a si em nome da moral apartando o ser da atitude é um desrespeito à vida que subtrairá de si o sentido e a vontade essencial onde se reconhece o semelhante, o afeto e a singularidade exigível como resposta para tanto nas diferenças individuais.

Ser diferente é agir diferente no suprassumo de apropriar-se inteiramente de si, o que não pode ser negado em ação ou mesmo em omissão. Lógico, tal façanha poderá implicar em alguma descompensação moral e até mesmo física cujo valor somente terá sentido mediante consciência volitiva, integração de escolhas entre o insuportável e o superável sem o comodismo ilusionista dos meros efeitos, nisso obviamente incluídos dinheiro, status, paz etc.

O hiato moral de ser causa independente de efeito é manifesto de lucidez, não significa porém garantir a causa como definição de si, apenas aperfeiçoar o domínio e modulação desta na medida da própria capacidade de ser afetado e de afetar, assumindo riscos potenciais indissociáveis da existência.

A insustentabilidade da diferença entre ser e agir repercute na autonomia de criar um mundo para si interpretando-o através de si na sujeição histórica de cognição aberta, múltipla e universal de conteúdos, bem como no constante confronto e ou identificação cultural entre semelhantes por essência reconhecidos como tal em compaixão.

Jussara Paschoini




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A VELHICE




Falar juridicamente sobre a velhice certamente envolveria um sem número de exigências legais, o Estatuto do Idoso, o respeito aos tratamentos privilegiados nas filas , transportes e serviços fundamentais, no entanto, tudo isso é bem sabido e comentado, bem como assinaladas as transgressões e descasos tantas vezes reclamados por quem de direito.

O desprezo ao idoso é uma regra contra a qual é difícil mover e apontar exceções principalmente quando tanta imposição genérica se demanda ao lidar com a “fragilidade” de quem teoricamente não representa a promessa ao futuro e muitas vezes carrega o peso do passado com dores e revoltas não resolvidas.

Definitivamente, a velhice é um retrato para o qual não gostamos de olhar, pelo menos e na maioria das vezes. O motivo disso não está na tipicamente gradual perda de algumas capacidades físicas, porque velhice não é sinônimo de doenças geriátricas, mas na cultura utilitarista dos conteúdos efêmeros pretensos de inovação cuja ilusão é atrativo comercial para menores de vinte e um anos e ao mesmo tempo instrumento de oposição política demagógica protecionista para os maiores de sessenta anos. Ambas retiram da idade a nobreza, a sabedoria e o encanto verdadeiro de quem viveu uma longa história e tem muito para contar e mais ainda para oferecer em termos de participação.

A visão adequada ao idoso não conta os anos conta a experiência e não a valoriza como peso e sim como medida do quanto há para ser preservado e do quanto não precisa ser repetido. Respeitar os mais velhos é argumentar com eles tanto para avaliar medidas quanto para aliviar pesos. Não é simples é salutar, bem mais do que uma vaga no estacionamento ou na fila, lamentavelmente, tida como padrão de boa conduta e meta de exigência normativa.

O espelho da idade avançada poderia ser mais rico em reflexão e menos pobre em vontade, aliás, é essa, a vontade, o que mantém o corpo que enfraquece e não o vitimismo viciado pela indiferença guardada numa suposta sustentação de sentido ao fim da vida nem sempre tão próximo quanto se imagina ou se apregoa por quase imposição.

Não é de se ignorar, contudo, que ao velho não deveria faltar o fruto da dedicação pela competente ativação do sistema previdenciário religiosamente suportado durante a vida laborativa oficial enquanto prestativa de compatível autonomia e independência à nobreza da idade.

Ora, isso só é possível mediante reavaliação de direitos adquiridos porque não são legítimas e nem justas as diferenças aplicáveis em termos da fixação dos benefícios de aposentadoria quando alguns anos de exercício de alto cargo público (notadamente das cúpulas legislativas, executivas e judiciárias) oferece astronômica vantagem respectiva com relação a profissionais do meio privado e funcionários públicos de carreira menos privilegiada pela política governamental.

Eis que a maioria aposentada foi nivelada pelo salário mínimo vigente e contra esta, a meramente simbólica isonomia vem praticando gradual perda real dos benefícios, isso para não falar dos entraves relacionados ao reconhecimento de doenças profissionais e incidentes de insalubridade e periculosidade relegados nas entranhas protelatórias dos serviços periciais condicionados pelas ordens da conveniência política.

O reconhecimento e proteção jurídica do avanço etário reside fundamentalmente na justiça previdenciária e mantida a intangibilidade de direitos adquiridos às ocultas da legalidade, racionalidade, impessoalidade, moralidade e supremacia de interesse dos atos públicos ímprobos no desvirtuamento da ordem constitucional, a condição idosa continuará resumida à vaga simplista de algum espaço imposto por ofensiva mendicância, a qual, todos nós, mais cedo ou mais tarde também estaremos sujeitos.

Jussara Paschoini