Guerra, fome, miséria, ignorância, violência, atrocidades, corrupção, enfim muita coisa ruim mesmo acontecendo no mundo e isso é realidade documentada. Quem vive e nisso inclua-se uma grande massa populacional, sabe, e quem não vive fica sabendo pela imprensa incansável em trazer notícias.
Quem vive está vivendo e quem não vive esta sabendo e daí? Daí se paga mais algum dinheiro por obras realistas com o pressuposto de nos chocar e nos acordar, pobres alienados que somos, para a realidade, mas será?
Não é raro encontrarmos comentários admirados com o realismo de um filme, uma novela e de uma obra literária chocante acerca do que de pior com status de verdadeiro, acontece. Impactante é por isso renderem as melhores críticas, projeção internacional, prêmios e muito dinheiro.
Isso sim é chocante! Vive-se num estado de insatisfação contínuo e se paga caro em tempo e dinheiro para olhar para um retrato legitimado a embelezar e tornar atrativo o sofrimento aplaudido assim, por ser suposta e exageradamente próximo da verdade, expediente fundamentador do que se diz realismo, como se a arte não tivesse evoluído para visualizar outras impressões, salientar cores, luzes e sentidos numa renovada concepção ideal e ativa do pensar e continuar observando.
Não é que se despreze o documento e o registro dos fatos, no entanto, é impossível não se ater diante do aproveitamento intelectual e artístico simulado para chocar ao ponto de insensibilizar as pessoas defronte a um quadro pretenso de tanta revelação ao ponto de cegar.
Nem é à toa a dissonância de quem hoje se envergonhe de haver se rendido à possessão realista engajada em canonizar ou heroicizar a rudeza, a fealdade e a vulgaridade como cerne único de sua arte literária, cênica ou mesmo plástica.
Afinal, isso não serviu para curar ferida nenhuma, enriqueceu o ego e a conta bancária de ícones culturais que vivem muito bem em suas mansões arquitetonicamente projetadas e viajam muito pelo mundo para descobrir novos desgastes exploratórios do real sem ressuscitar dos mortos diante da tecnologia de três dimensões e dos efeitos especiais cujos retratos são muito mais convincentes e demandam menos perspectiva poética.
Além disso a simplicidade dos recursos eletrônicos estabeleceu unidade suficiente de um tom compreensível por todos sem ginástica mental na representação do real, da rotina musical prática e consensual de ritmos e redondilhas massificantes, sendo desnecessário saber da beleza do diabo ao furar o olho enquanto faz sexo.
Será mesmo que precisamos de choque? E se precisamos, será deste realismo tão enfeitado no congelar de cenas explosivas anotadas numa tela para estupefação total e suficiente a fazer o mesmo com a nossa concepção de mundo?
É princípio do realismo ser tão próximo da verdade ao ponto de pacificar sensos e sentidos, ao ponto de solidificar uma crença, pois impregnado nas oposições racionais de fixar o verdadeiro e o falso se aplica em ser fiel expressão mediante instituição de dogmas quanto ao que não é observado e depende de "algum talento".
Trata-se muitas vezes da arrogância de ser dono artístico e intelectual privilegiado de uma verdade politizada sob a forma ou como meio de denúncia, o que, por sua vez, pode ser importante até se tornar determinismo social e psicológico muito rentável em culturas desfavorecidas pelo subdesenvolvimento ou mesmo pretensas de consagração histórica.
Daí a devida repulsa de alguns poucos e malqueridos acerca de ícones sagrados do realismo em suas mais diversas formas de convencer, inclusive aquelas híbridas e fantásticas, capazes de identificar cérebros afeitos ao sobrenatural e de arrebanhar distintos em grau de compreensão da mal resolvida falta de resposta de um mundo determinado a ser "real", no Brasil, às custas de muitos milhões de reais boquiabertos e puxa-sacos.
Nada surpreendente que celebridades tenham passe obrigatório pelas favelas que continuam lindas e continuam sendo tudo o que são, com baile funk e tiroteio, flash fotográfico e incêndio, gente humilde com vontade de chorar e de matar, na fachada escrito em cima que é um lar com frequência invadido por deslisamento de terra, enchente, esgoto ou pela polícia, realmente, mas realmente, um osso duro de roer.
Jussara Paschoini
Nenhum comentário:
Postar um comentário