É intrigante que
com tamanha costa marítima e com tantas vias fluviais e mais com a ascendência
colonizadora portuguesa, só agora, depois de tantos anos de transtorno
rodoviário movido a diesel e a estimulantes de portentosos acidentes variados,
além de pretensões ferroviárias mal acabadas, vinte e tantos anos de
democracia, venha a atualidade alardear a retomada da paixão lusa pela
navegação como interessante e necessária ao comércio e indústria nacional.
Enfim, a cabotagem.
Pensando
superficialmente no assunto, já que nesse ponto não recebemos ao que tudo
consta, uma influência de perspectivas da arte portuguesa cujo contato parece
haver se resumido em vir e ir de posse do que lhe interessava com as grandes
frotas navais consuetudinárias da pátria mãe, o uso da cabotagem acena com uma
alternativa alvissareira de transporte de grandes cargas, num período de tempo
que de bom pode ser aperfeiçoado, inclusive pela harmonização de entraves burocráticos
e intervenções funcionais de ordem tecnológica e estrutural, principalmente.
Por outro lado,
a desenvoltura da estrutura portuária em si, já traduz não só a abertura ao tráfego de interesses
mútuos com o exterior, como também é fonte de renda na oferta de inúmeros
serviços circundantes da atividade.
Deve ser um
negócio da CHINA! E com a oportuna analogia africana, os ânimos dos cinco
grandes, o que inclui paquidermes, está muito exaltado de uma parte e, muito “na
moita”, de outra, para falar o português claro.
O poder
executivo quer as rédeas administrativas da atração e direção de capital para
implementar as medidas de organização na implantação de portos, notadamente
ao longo de toda a vasta costa nacional e o poder legislativo quer a
descentralização desse poder, ao mesmo tempo em que se engaja na preservação da
estrutura já existente, tanto pela manutenção de servidores públicos na
atividade portuária quanto pela protelação de contratos cuja vigência está próxima
de caducar. É o velho, eterno, direito adquirido brasileiro.
A caducidade
dos prazos concedidos para exploração dos portos e transporte aquaviário ameaça
grandes interesses e a postura descaradamente protelatória de parlamentares ao
achincalhar e regozijar em torno de confusões sempre plausíveis pela mais
absoluta falta de credibilidade dos eleitos por vias escusas até hoje
escusáveis, depõe no sentido de que não é do povo, pelo povo e nem para o povo
que o renascimento náutico panfleta próximo das entrâncias do processo eleitoral.
É importante
pontuar, contudo, o seguinte: De acordo com artigo 21, inciso XII da
Constituição Federal, é competência da União, ou seja, do governo federal,
explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços ferroviário, aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites do Estado ou Território, bem como, os
portos marítimos, fluviais e lacustres.
De outra feita,
o artigo 178 da Constituição estabelece que a ordenação dos transportes aéreo,
aquático e terrestre deverá ser disposta em lei, quanto a ordenação do
transporte internacional devendo observar os acordos firmados pela União,
atendido o princípio da reciprocidade; além de especificar acerca do transporte
aquático, a necessidade de se estabelecer as condições em que o transporte por
embarcações estrangeiras poderá ser feito na cabotagem e navegação interior do
país.
O artigo 175 da
Constituição Federal condiciona à lei e à licitação toda a prestação de
serviços públicos, portanto a autorização, concessão e permissão de que trata o
artigo 21 retro mencionado, e que, aliás, também se aplica aos serviços de
telecomunicação, conclui a regência máxima do assunto em comento.
A União é
titular da matéria, o legislativo é titular das condições em que essa matéria
será organizada e o centralismo convergente de divergências na atual conjuntura
determina inércia.
Não obstante,
há um detalhe importante para análise, qual seja a criação de uma autarquia pela lei 10.233/01, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), isto significando a delegação executiva e legislativa da competência para
autorização, concessão e permissão de que trata o dispositivo constitucional
(artigo 21, inciso XII), a um órgão com personalidade jurídica própria,
patrimônio, receita e capacidade de autoadministração no cumprimento de
respectivas atribuições.
A questão é por
que o conteúdo da ora enredada Medida Provisória 595 de 06 de dezembro de
2.012, pendente pois, de ser aprovada como lei, não opera conteúdo através do órgão
autárquico delegado, já que o posicionamento jurisprudencial vem somando essa
possibilidade jurídica pelo acatamento doutrinário que flexibiliza o princípio da legalidade a favor do
poder regulamentar dos chefes executivos?
Isso quer dizer
que, regular licitações, condições contratuais, prazos e tantos itens ululantes
na urgência provisória da medida em debate, é matéria regulamentar bastante
cabível à ANTAQ e é muito estranho nesse
contexto, venham certas frentes políticas invocar a proteção de prazos contratuais, muitos
atualmente sustentados por decisões liminares (judicialmente antecipadas),
garantia de direitos de preferência ou a delegação de poderes licitatórios da
autarquia a representantes de outros e privados interesses.
Com ressalva do
funcionamento vinte e quatro horas dos serviços de desembargo da Receita
Federal, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Ministério da
Agricultura, esses sim como acréscimo interessante aos objetivos renascidos para
a arte náutica e suas vantagens, há muita impertinência nas tais aglutinações
feitas pela Comissão Especial de Deputados e tornadas oportunas pela Medida
Provisória 595.
Talvez a
explicação esteja em que se pretende centralizar pela Medida Provisória o poder atributivo da
autarquia à denominada “Secretaria dos Portos da Presidência da República”, para a qual seriam transferidas as
competências do Ministério dos Transportes e do Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transportes estabelecidas em lei, no que se relaciona geral e
especificamente a portos fluviais e lacustres.
Eis que a
competência Constitucional de exploração dos portos propõe-se possa ser então
delegada aos Estados, Municípios e Distrito Federal, o que de acordo com a Lei
9.277/96 do governo Fernando Henrique, já é matéria a ser intermediada pelo Ministério
dos Transportes (alguma conexão?) mediante celebração de convênio.
Um fato
interessante é que o modelo de criação de autarquias vinculadas a privatizações
é bem típico da administração “tucana”, sendo de se observar que o
presidenciável do partido inclusive já editou e promulgou lei estadual mineira
para um denominado acordo de resultados com vistas a fixar domínio do poder executivo
na regulação autárquica, estabelecendo metas operacionais e premiações (Lei Estadual 14.694/03).
Apenas reflexões e
deflexões para os nossos olhares ao mar e nossos pés no chão porque, por experiência ou por falta inversamente proporcional desta,
com efeito, não se enxerga bons ventos a favor do povo.
Jussara Paschoini
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