segunda-feira, 20 de maio de 2013

O MUNDO DIGITAL, A CLASSE MÉDIA E A VIRTUALIDADE



Não é honesto negar a pertinência e o valor científico da elaboração marxista, a precisão da análise sociológica que acompanha a diluída visão até hoje presente da luta de classes e as revelações acerca dos movimentos sociais decorrentes desse impasse de má distribuição de renda possível de transcender para má distribuição de valores resultante do modo de produção capitalista.

De notar, por outro lado, que a eclosão capitalista foi o resultado de muitos séculos de redundância de uma mística obstativa das iniciativas intelectuais, artísticas e científicas. O mundo comercial à parte da repressão religiosa ao lucro associou-se a forças intelectuais dando margem aos institutos financeiros pelo apoio e patrocínio à criação tendo como resultado a Revolução Industrial, o que por sua vez passou a apontar a existência de uma classe intermediária entre ricos e pobres, diante da melhor remuneração dos trabalhos não braçais enquanto necessidade da burguesia ascendente contra suposições dos nobres.

Os marxistas mais ferrenhos, pode-se dizer, desconsideram, ou melhor, entendem como ficção a existência da classe média, porque aí se compreende na produção criativa e intelectual um proveito econômico definitivo de tendências direta ou indiretamente correlatas à separação de classes e por conseguinte qualquer manifestação de pensamento ou arte não tragável pelo modo de produção é uma inócua contradição entre marginais arrogantes, não militantes de nenhuma causa, qual seja, a dos ricos ou a dos pobres.

A invocada “prostituição” ou caráter mercenário do intelectual, do profissional liberal nem sempre empregado, é tida como argumento inexorável porque questões de sobrevivência do tipo “garantir o leitinho das crianças” ou “tapar o sol com a peneira” sempre sujeitará a indisposição contra o pensamento num indicativo muito simples de uma lógica elementar inconcebível pelo materialismo, a de que pensamento não é coisa, circunstância por sua vez traduzível pela neológica do verbo “coisar”, segundo a qual, se alguém não coisar eu não vejo coisa nenhuma, ora!

É melhor nunca ver, nem comer e só ouvir falar, já diria o poeta, porque afinal, caviar é coisa e coisa dá ou não para entender.

O mundo é cheio de sentidos e finalidades, isso é normal, e que se discutam esses sentidos e finalidades é fundamental, no entanto, fuçar eventos da sobrevivência para refutar o pensamento é um modo de preguiça e desestímulo tão próximo do chiqueiro que faz inebriar ao ponto de minguar possibilidades à extensão do átomo sem admitir a química. Por favor!

Assim, que se perceba a preguiça de um modo de pensar é “coisa” fácil, o mecanismo de um modo de pensar, um desafio, alcançar a virtualidade é domínio, ultrapassa a ciência e pratica a arte, fato muito incômodo para o determinismo cumulativo de sucessos e fracassos na classificação da espécie humana pela sua capacidade de adaptação e sobrevivência benéfica aos mais medíocres de ideia.

Destarte, para considerar a existência da classe média no particular aspecto do trabalho intelectual e o espaço tecnológico virtual insurgente como meio, há que se compreender a virtualidade do pensamento, sua essencial imaterialidade não necessariamente metafísica, por não implicar ou servir à determinação causal ou corresponder diretamente ao modo de produção, mas justamente por representar a “permanente desconfiança da vida diante da mecanização” (Henri Louis Bergson).

A computação de dados na rede internauta materializou e disponibilizou direitos intelectuais facilitando de sobremaneira a exposição e manifestação de pensamento ao ponto de indiciar um tipo de decadência autoral mais do que de marcas e patentes. Simultaneamente,  tornam-se bem explícitos mecanismos atualizadores constantes da tecnologia como prova de que o tecnólogo sabe tirar proveito de sua tecnologia exteriorizada aos fatos.

Tornamo-nos cada vez mais dependentes das criações intelectuais e é um paradoxo fictício o temor de que isso vá nos reduzir à competição com nossos acessórios, ainda que tenham se tornado mais e mais importantes nas execuções de nosso aspecto sobrenatural e nisso se compreenda o domínio das ordens materiais pela evolução das ciências e das artes indissociáveis do pensamento.

O fato interessante é talvez que se esteja hoje mais diante do desafio do que da causa no traçar de linhas divergentes, já que a acomodação de efeitos possui métodos econômicos de atualização automática enquanto mantemos o intervalo e a duração tipicamente humanos entre ser e agir, donde pontualmente a sustentação, observe-se, tornou-se palavra corrente, quase um conceito de época.

Não somos um bonsai apesar de nossa sujeição aos cortes e obliterações dessa nova era, onde o rigor do pensamento, a organização confrontam a vida orgânica e a fabricação na busca de respostas perante uma inovadora esfera de liberdade amplificadora e niveladora das oportunidades individuais com suas consequentes gratificações e perdas.

Opinião e crítica se sustentam na virtualidade e não é sensato, nesse contexto, que se reduza ao materialismo pela sempre conveniente banalização da classe média, a valoração do pensamento persistente entre os apragatados “sobreviventes” dessa seara imprevisível tão desagradável às finalidades e sentidos de que estão repletos o mundo, diga-se mais uma vez e de passagem.

Jussara Paschoini


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