É
interessante notar em termos do diagnóstico por imagem que com a descoberta dos
Raios X ocorrida em 08 de novembro de 1895 houve caracterização de uma sequência
de estudos acerca dos raios catódicos (resultantes de descargas elétricas em
gases rarefeitos) pelo alemão Roentgen, sendo certo que Crookes e Lenard,
também estudiosos da época já haviam passado perto da descoberta; o primeiro
por reclamar dos insumos fotográficos Ilford que próximos ao seu material de
pesquisa ficavam velados e o segundo por ter incrementado um “tubo” (material
de pesquisa) de criação do primeiro, com uma janela de alumínio que caso fosse
mais espessa impediria a travessia de elétrons e produziria o feixe de Raios
X.
Todos
os três pesquisadores Roentgen, Crookes e Lenard receberam o prêmio Nobel a
partir do ano de 1901, práticos dezesseis anos após a descoberta.
O
New York Times publicou 15 de março de 1896: “Sempre que algo extraordinário é
descoberto, uma multidão de escritores apodera-se do tema e, não conhecendo os
princípios científicos envolvidos, mas levados pelas tendências
sensacionalistas, fazem conjecturas que não apenas ultrapassam o entendimento
que se tem do fenômeno, como também em muitos casos transcendem os limites das
possibilidades. Este tem sido o destino dos raios X de Roentgen.”.
Eis
que, entretanto, apenas na segunda década do século XX, após muitos erros e
acertos os raios X evoluíram com aparecimento de dispositivos geradores
(ampolas) e desenvolveram-se só então sistemas de cálculo para controle da
dosagem, ensejando a especificação de investigação diagnóstica ortopédica,
pneumológica, oncológica etc., sem os efeitos nocivos e mesmo deletérios da
radiação.
Daí
o surgimento de novos aparelhos e o processo de contraste evoluíram para maior
precisão de imagens trazendo o surgimento em 1972 da tomografia axial
transversa computadorizada, como consequência também do surgimento dos
primeiros circuitos integrados de computador desde 1964.
Não
só imagem mas ondas eletronicamente produzidas fizeram também que em 1906 o
holandês Willen Eithoven, ganhador do prêmio Nobel em 1924, descobrisse o
galvanômetro de fio capaz de registrar tênues tensões que ocorrem em diferentes
partes do corpo.
A
partir daí se desenvolveu o galvanômetro de quadro capaz de medir as tensões do
músculo cardíaco e plotá-las em gráfico (cardiograma).
Além
disso, o galvanômetro de fio foi desenvolvido para captar extremamente baixas
tensões geradas pelo cérebro na superfície do crânio (encefalograma), o que
evoluiu com a amplificação eletrônica criando outros métodos para avaliação do
corpo humano.
No
final da década de 1940, diversos tipos de correntes passaram a ser usadas para
fins eletro terapêuticos: galvânica, galvânica pulsante, surto galvânico,
farádica, sinusoidal lenta, surto alternado, onda estática.
Esses
focos evolutivos conduzem a pensar também sobre descoberta da penicilina pelo
escocês Alexander Fleming em 1928, recordando que o pesquisador em Londres já
descobrirá substância antibacteriana na lágrima e na saliva e certa feita, ao
retornar de férias encontrou lâmina de pesquisa de estafilococos por ele
esquecida fora da geladeira, infestada de fungos penicilium provavelmente vindos
do andar de baixo onde se realizavam pesquisas com fungos.
Tendente
a dispensar o material contaminado o pesquisador foi incitado por um amigo a
analisar respectivo conteúdo e observou a formação de um halo transparente, o
qual o levou a crença e registro de uma substância bactericida que passou a ser
pesquisada através de teste de sensibilidade de outras culturas bacterianas.
Registre-se
que a descoberta foi uma sequência de felizes coincidências:
- O
fungo contaminante provavelmente vindo do andar inferior era um dos três
melhores produtores de penicilina;
- O
esquecimento durante um mês (período de férias) somado a uma súbita onda
de frio na estação favoreceu o lento crescimento do fungo para a formação
da evidência do halo transparente característico da lise bacteriana.
Pasteur
sempre afirmou que “o acaso só favorece
os espíritos preparados e não prescinde de observação”.
Somente
em 1940 Howard Florey e Ernest Chain iniciaram a produção da penicilina em
escala industrial, inaugurando a nova era médica dos antibióticos, sendo certo
que a penicilina reduziu de 85% para 10% os casos de morte por infecção
sanguínea em cadeia.
Esses
eventos muito bem narrados pela obra denominada “Contágio”, um trabalho
magnífico sobre história da medicina, são prova de que entre um fato cientificamente relevante ou não, a imagem
que esse irradia, sua interpretação e consequências, decorre um período de tempo
considerável e nesse período a honra de uma constatação será experimentada para
novas conclusões nem sempre agradáveis.
Exemplo
assim mais evidente está então no diagnóstico por imagem que atualmente se tornou o
maior ditador de condutas médicas, não obstante certos limites registrados
quando da própria descoberta dos raios X cujas repercussões da falta de estudos
sobre dosagem poderia reverter muito contrariamente a premiação dos estudiosos
responsáveis, favorecidos, de certo modo, pelo acaso.
Não
é que se despreze o avanço técnico permitente da antevisão de condições
internas do corpo humano, é que a ciência e o alcance da arte não podem ficar
resumidas a tal. Não se dispensa ou se desmerece o exame clínico que vem sendo
tratado de forma secundária nos atendimentos cotados por rapidez a dispensar
pacientes intactos pela conduta médica ao envio de métodos diagnósticos
variados, muitas vezes desnecessários e impertinentes, além de dispendiosos.
A
desconfiança passou a desmerecer a ciência e a impor um sem número de condutas
cada vez mais distantes da pessoa humana, classificando como ética a escolha
burocratizada, vegetal, registrada automaticamente num corolário fadado ao insuficiente, condição contraditória na
prática de uma medicina que olvida cada vez mais de ser preventiva e curativa
para ser defensiva numa total incompatibilidade com os ideais hipocráticos para dissabor dos efetivamente doentes ou mesmo hipocondríacos.
A
transcendentalidade diferencial do humano não dispensou o misticismo capaz de
desmerecê-la pela supervalorização determinista e classificatória do acaso. Por outro lado, esta disputa o peso da balança com a
amplitude hipotética de resultados imaginários de diagnósticos supostamente
sempre precisos, ainda que reconhecidamente dotados de ampla margem de limitações e
impertinências.
A
relação imaginária do ser humano com a imagem é simples e óbvia em produzir
enganos que condenam por simples feiura, por falta de pormenores sagrados em desordem, tudo em descrédito de quem
não vive atado e beneficiado na comodidade dos acúmulos fáceis, das soluções
premeditadas por simples e conveniente vantagem. Enquanto esse óbice não for
retomado para superação coerente e lógica, a terra do nunca governará decisões
infanto-juvenis de gerações decadentes, crentes da moralidade na defesa de prezados
dogmas relevados por aparentes novidades interessantes vendidas ao preço sempre mais alto e caro das
banalidades bem elaboradas.
Jussara Paschoini