segunda-feira, 17 de junho de 2013

O PREÇO PÚBLICO E PRIVADO DO DIREITO DE IR E VIR





Não há equívoco na raiva quando se está encurralado e quando já se ultrapassou o limite do suportável. Institutos jurídicos como a legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, a coação moral irresistível, são retratos de que o direito contempla os limites de resistência a uma agressão injusta pelo ser humano tomado pelo instinto de reagir, negar e confrontar as circunstâncias capazes de destruí-lo física e moralmente.

Viver em sociedade e atender aos parâmetros exigidos de dignidade e trabalho enquanto elementos bastante associados aos meios de produção sujeita o indivíduo a dispor de seu tempo e liberdade a favor da sobrevivência e da realização. Limitar o homem a sobreviver sem realização é proposta conflitante porque sendo ele humano, uma aparelhagem biológica sofisticada, o é o suficiente para se desestimular diante do insulto e retroceder.

A imponência das rotinas constrói sistemáticas destinadas a manter o movimento e evitar o retrocesso, assegurando a ordem de sobrevivência que logicamente antecede a realização, contudo à medida que se evolui nas órbitas inalienáveis da humanidade, as sistemáticas vão revelando defeitos absurdos de oposição à vida na forma socialmente organizada e quando isso ocorre, o emaranhado de pontos de conexão e divergência já é tão grande que não há nenhuma solução dentro do embaraço institucionalizado. Acuado o ser humano se rebela e isso é mais que natural, é respeitável.

Nos centros urbanos ou mesmo nos meios rurais o transporte é o meio que garante acesso ao trabalho e não é novidade que em ambos os meios há sinais de crueldade, descaso e indignidade. Nas grandes cidades o aglomerado populacional justifica o descaso e no meio rural a simplicidade e a humildade justificam os paus de arara. Para ambos o resultado é desconforto, humilhação e castigo, para não se esquecer de manter o ritmo, de respeitar a rotina e sobreviver como manda a lei do “mais forte”.

Notável é no meio urbano com a superlotação de veículos cujo consumo é de interesse das metalúrgicas e o transporte coletivo nunca se disponibilizou confortável para, entre outros, favorecer àquele. O que se tem são os dependentes do combustível fóssil a disputar tempo e espaço em trajetos incrivelmente lentos e difíceis para sobreviver e ou realizar. E isso vem alargando falhas de execução reconhecidas em todos os polos sociais. Imunes são apenas pouquíssimos cuja locomoção vem se dando através de helicópteros limitados a ir e vir para locais onde haja heliporto.

Há limites para todos e mesmo os partidários da conservação mediadora dos nortes empresariais, se curvam diante do caos e lançam soluções restritivas para coibir os picos de congestionamento e poluição pelo excesso de veículos e locomoção de meios de transporte nos assim denominados rodízios municipais, reservantes de grandes áreas e horários para o trafego limitado, em São Paulo, no denominado centro expandido.

Os caminhões necessários ao abastecimento e preservação de produtos perecíveis ou não restaram proibidos de  fora dos horários compreendidos entre as 21h e 05h dos dias de semana e das 10h as 14h aos sábados. Solucionaram o impasse subdividindo o transporte das cargas no centro expandido pelo uso de veículos menores e vans, o que redundou no ingresso de um considerável número a mais de veículos. Manutenção do caos garantida.  

Desta circunstância o que se abstrai é que a limitação da entrada de produtos nos grandes centros em horários diferenciados, não se adaptou à rotina das empresas e aos horários de funcionamento das mesmas, por sua vez ocasionando a readaptação de meios de transporte e o desvio da intenção normativa do decreto municipal “kassabiano” 49.637, num indicativo da impertinência proibitiva não fundamentada no dialogo precedente e na reorganização de rotinas mantidas pela conveniência do condicional tácito ou formal.

Uma plausível conclusão a que se chega é que não há solução possível para o tráfego nos grandes centros sem remanejamento de rotinas e jornadas, ou seja, a recepção e organização das grandes e médias empresas precisa dividir jornadas e integrá-las a outros moldes de organização capaz de disponibilizar menos tempo com maior variação na consecução de serviços de preparo, tais como a reposição de estoque, acomodação e manejo de bens e produtos.

A limitação proibitiva e sancionada com multa ao fundamental direito de ir e vir revela repercussões desagradáveis e pede soluções incômodas para torná-la legitimamente provisória no contemplar e viabilizar mudanças cujo planejamento, por conta da lesão coibidora deveria ser precedente, justificativo, consciente e não manobra eleitoreira para o mero e ineficaz alarde político.

Outro aspecto importante ao apreço centraliza-se no transporte coletivo predominante das necessidades do povo e cuja organização tradicional ocorre pela cobrança de tarifa ou preço público do serviço de competência administrativa dos municípios e realização por meios privados de licitação que recentemente aprovou o aumento (revogado por força de protestos populares) ao invés de diminuir o número de pessoas permitidas por metro quadrado nos transportes coletivos por ônibus! Obra do apelido trabalhista, com vistas a proteger a minoração do preço da tarifa e favorecer aos empregados?


Isto indagado e engasgado, o que se tem nos termos da Lei 7.418/85, é que para os empregados cujo salário base compense um desconto de 6% há que se estabelecer vantagem na aquisição de vales-transportes. Tal decorre como é sabido porque então, ao empregador incumbirá o pagamento do saldo necessário ao número de conduções pertinentes à locomoção do empregado para o trabalho.

Dado o nível salarial e o excessivo número de conduções, haja vistas que se instituiu de modo insatisfatório o achincalhado bilhete único, as empresas privadas arcam com o pagamento de boa parte dos valores dispendidos no transporte público e é também delas o interesse no barateamento do preço.

Deste modo o poder público cede em espaço para que as empresas não cedam em valor e o povo fica supostamente protegido numa "lata de sardinhas" capaz de longas distâncias de dissabor não compensável pelos parcos pré-pagos valores do cartão limitado a duas horas de viagem e quatro conduções para o trabalhador e que varia para três horas para o não vinculado à empresa, no mal casado bilhete único. 

Observe-se que próprio empresário de acordo com o artigo 8º da referida Lei 7.418/85 poderia ele mesmo custear o transporte possivelmente mais confortável de seus funcionários elegendo privativamente preço e condições mais favoráveis à desoneração da oferta de vales-transportes, e assim não o faz, inclusive para não incidir nas horas extras “in itinere” enquanto sujeição normativa da CLT, além de sumular do Tribunal Superior do Trabalho.

Trata-se da medida em que ativação trabalhista é aplicável para computar o tempo de transporte fornecido pelo empregador como tempo trabalhado para sujeição de horas extras. Tudo especificado em detalhes de certa suspeita jurídica para caracterizar uma presumida exploração indevida das brechas e incapacitações do transporte público como extrapolação do poder patronal ao direcionar o ir e vir de seus empregados. (Artigo 58, parágrafo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho e Súmula 90 do TST).

 Explicando resumidamente, o empregador na falta de transporte público ou insuficiência horária deste, fica sujeito a promover por meios próprios o transporte de seus funcionários e isso é considerado tempo disponível computável na jornada de trabalho; caso dos paus de arara. Será?  

Todavia e por outro lado, a oferta de serviços públicos tarifados e sujeitos ao vale-transporte autorizaria a substituição no custeio correlato do empregador mediante a instituição de meios próprios e privados de condução, o que, entre outras coisas pela considerável possibilidade de questionamento judicial e incapacidade de gestão, não ocorre.

O preço do direito de ir e vir para o trabalho é público condicionado por irracionais e limitados interesses privados. Quem precisa sobreviver não se realiza e sofre com a péssima qualidade, além do alto custo, sem encontrar solução a curto e médio prazo porque rotinas estão acomodadas em rumos insuportáveis. Daí a legítima reação, a afronta ao público e ao privado somada ao desespero da falta de respostas, além da horrorosa desfaçatez dos governantes que passeiam em seus jatinhos e ainda se ressentem da indignação popular!

O aperfeiçoamento dos meios de transporte demanda revisão de rotinas e readequação dos meios tanto públicos quanto privados, além de possivelmente diferenciar e graduar vantagens de preço  do uso de transporte tarifado para horários menos carregados e menores distâncias.

No incentivo do remanejamento de horários e jornadas, poderia estar a adequação e implemento do  bilhete único (instituído em São Paulo pelo governo de Marta Suplicy) não só para atender a maiores distâncias como para reduzir as incompatibilidades de maiores custos e compensar a eventual configuração de encargos adicionais às empresas devidamente obrigadas a participar dos gastos na condução de seus funcionários, isso sem perder o possível alcance da gratuidade no transporte público por reorganização da instituição tributária compatível e aplicação do princípio da proporcionalidade para onerar maiores custos aos mais capacitados deste ponto de vista.

Não são legítimas proibições e negociações desconsideradoras do sagrado e constitucional direito de ir e vir e nem as usurpadoras da oferta de condições dignas de vida com realização, o que inclui vias e meios dignos de locomoção. A revolta popular oriunda deste desrespeito é legítima para merecer atitude e reparo por parte de seus causadores, inclusive no que concerne alguns concertos por manifestos mais exaltados, além da punição impiedosa aos abusos de poder escancarados na ilegalidade muito maior dos protagonistas policiais irreverentes à soberana vontade do povo.


 Jussara Paschoini


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