Dignidade é
uma palavra, um símbolo e mais um mistério, tem expressão fundamental nos
direitos humanos, vez que surgiu como bandeira contrária à dominação do homem
pelo homem, nele agregando respeito e igualdade para que este não servisse de
instrumento e tomasse as rédeas do próprio destino com autonomia e liberdade.
Ser digno,
porém, é mérito de duas vertentes predominantes, uma em direção ao reconhecimento
e outra em direção à reverência, e quando a segunda vertente está a balizar a
condição, a liberdade perde o rumo, vira desafio, fica limitada como autonomia
subjetiva, ganha condição de lei e se transforma em imposição de objetivo que assim há que ser legítimo, ungido de compaixão e solidariedade.
Um cidadão
pode até certo ponto, abrir mão de ser digno deixando de ser reconhecido por
isso, mas não pode abrir mão de ser reverente à lei legítima, reconhecida pela razão e pela emoção, pois, nesse caso se
sujeitará ao enfrentamento de consequências e também estará a desrespeitar o
limite de terceiros.
A questão do
reconhecimento além de ser subjetiva e misteriosa no que se relaciona com a
banalidade do mal, é vinculada a agilidade e amplitude de representações
culturais não precisando de determinante, a não ser e principalmente no que
concerne a situações de perda visível onde como reflexão das práticas socioeconômicas
se acuse o resultado desumano da humanidade, fazendo emergir o impositivo de
reforços geralmente voltados à retomada de condições de subsistência e reafirmação do respeito.
Todavia, não
é isso que importa quando a contrariedade ao digno redundar na crueldade humana
para configurá-la meramente biológica, pressupondo-a ser fruto exclusivo da
desigualdade e desrespeito subjetivos típicos das injustiças sociais porque
carência não é indignidade embora o biologicamente privado esteja mais sujeito
à falta de agilidade cumulativa de indiferenças formatadas para a possível irreverência
jurídica.
Reverenciar a
lei no particular aspecto dos direitos humanos envolve, respeito à vida, à
privacidade do lar, não discriminação, não imposição de sofrimentos e saúde,
basicamente.
Não há nada
de digno na irreverência aos direitos humanos, não há nada de belo, autêntico,
justo, compensador ou válido. Há crime e crime precisa de correção e reparação,
sendo muitíssimo evidente em todo o mundo a ineficácia praticada na sistemática punitiva enquanto
paliativa das exigências motivacionais adequadas a satisfação da ordem pública e da capacidade moral ao qual se sujeitam o bem comum e a prática democrática, dentre tais exigências impossível não citar a educação.
É nesse
sentido que o artigo 226, parágrafo sétimo da Constituição Federal se encontra
como letra moribunda, praticado por parcas medidas que envergonham nossos olhares e
nos fazem sentir menos dignos, menos valorizados e fadados a assistir crescer a
ignorância fomentadora do poder corrupto vigoroso no rebaixamento de direitos
e deveres cuja autonomia reside na preservação da capacidade de escolha não pertencente
ao mundo das estimativas.
O referido
dispositivo constitucional assim estabelece: “Fundado nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer
forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”.
Sem adentrar
na restrição da responsabilidade paterna já que a igualdade de direitos e
deveres entre homens e mulheres faz subtender que se trate de responsabilidade
bilateral, o parágrafo penúltimo do tratamento à condição basilar da família em
sociedade, obriga ao Estado propiciar condições científicas e educacionais para
o planejamento familiar.
Planejamento
familiar trata, por conseguinte, de concepção e criação de seres humanos por
natureza, vulneráveis, os filhos, a quem é lógico haverão de estar
disponíveis recursos de proteção dos pais ou aqueles emergenciais decorrentes
de arrastada ou empurrada falta de aplicação de recursos educacionais e
científicos referidos na carta magna.
Não é
necessário trazer médicos de Cuba ou da Europa ou mesmo angariar ocupação médica
nacional para habilitar serviços de orientação conceptiva e da prática sexual
mediante oferta tanto de métodos anticoncepcionais eficazes e graduados pela
maior ou menor intenção de conceber, como de preservativos preventivos das
doenças sexualmente transmissíveis. É precedente lógico da dignidade humana de que
trata o dispositivo constitucional que se faça no mínimo um serviço com esse
destino em cada bairro e em cada cidade por cada quatro mil habitantes que ali
ocuparem, observando-se nesse número uma taxa de 17,9% de gravidez adolescente,
entre 15 e 19 anos de idade.
Caso
contrário, a dignidade humana embrulhada em gaze e enfiada no bolso não passa
de mais um voto para o desespero de amanhã, um remedinho para tosse numa
epidemia de tuberculose. Inadmissível antibiótico contra as condições formadoras da miséria irresponsável de herdeiros do desamparo.
Não se nega e
nem se desmoraliza a caridade que alardeiam os nobres do alto de suas
contemplações humanitárias na política ou em outro recanto dependente da
coletividade carente, entretanto, não é algo para ser mais do que respeitado. Não
merece reverência, muito pelo contrário, desconfiança persistente e incansável,
inclusive por parte de quem indiretamente tem a própria autonomia lesada no
rebaixamento de incríveis e lamentáveis estatísticas de abandono, criminalidade
e violência, ignorância, mendicância, doenças sem tratamento e cura etc.
Fora do papel
e da imunidade tributária das filantrópicas, a realidade está nas ruas, nas
entradas dos estabelecimentos comerciais, na espreita dos caixas eletrônicos, nas filas dos postos
de saúde e na cara feia da recepção dos hospitais públicos e privados, nas
escolas depredadas, no transporte abarrotado nas manhãs e tardes de jornadas
sem fim, muito mais do que nas diretrizes de quem quer se eleger e assim,
consegue, pecando pela modéstia sem conferir os excessivos detalhes consequentes.
Reafirme-se
então o artigo 29 da Declaração dos Direitos Humanos: “1. O indivíduo tem
deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade. 2.No exercício desses direitos e no gozo
dessas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela
lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos
direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da
moral, da ordem pública e do bem estar numa sociedade democrática.”
Planejamento
familiar é direito cujo amparo corresponde a dever estatal na proteção da família.
É disposição constitucional sem cumprimento praticamente nenhum, enquanto que a
distribuição de renda resta para considerações de ordem tributária,
correspondente a quem tem renda ou consome ou abre uma organização não
governamental sem fins lucrativos para ser caridoso, imune e não passar a
vergonha de usar ou não a máquina política para apenas socorrer a infindável primavera fértil dos mortos e
feridos em todos os parâmetros consideráveis de dignidade, seja ela biológica, psicológica ou social.
Jussara Paschoini
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