domingo, 13 de abril de 2014

ADVOGUE, SE PUDER...



Um curso concorrido, um sonho de jovens, um talento de todos, o direito passa pela vida e a cabeça de muita gente. Fazer Justiça é a bem-aventurança cristã, é prova de bravura e de índole moral poderosa, não obstante, tão logo surja a profissão, a atividade causídica em si, o conflito de razões inesperadas, com os trâmites burocráticos, a conferência interminável de condições e prazos processuais aos quais sujeitam-se as partes e jamais os donos do poder decisório, muitas vezes exercido ao bel prazer de egos cultivados no êxito concursal de anos pós-faculdade; a beleza embaça e o herói perde o charme, vira a caricatura de uma proposta enaltecedora.

Não é apenas isso, também o estigma do indivíduo safado, driblador da lei, ladrão das vontades sobre quem recai a morosidade dos sonhos que não se realizam a contento e não sem sacrifício, certamente acompanhará o percussionista engajado na defesa de interesses incisivos e esquivos, o tal advogado.

A porta do purgatório e o advogado nela e quanto mais capacidade e eloquência, maior a suspeita, contudo, não seja esse profissional humilde, nada de franciscano, irmão sol e irmão lua, advogado sem arrogância acaba virando padre e assim, diferente, só é notado em sua falta de santidade quando a causa desanda e a certeza se perde para revelar o malandro de marca maior.

Se for mulher é meio caminho andado para ser aproveitadora e deixar qualquer cônjuge sem as calças na primeira oportunidade. Só a nobreza "de origem" pode livrar uma trabalhadora da lei de sua sina dominadora, sua marca caçadora ou caçada. Ser puta é muitas vezes mais nobre, não cobra jantarzinho, florzinha, perfuminho e ora, não sabe litigar! É só vagina e preço! Honorários e divisão de bens e despesas, nem pensar!  

Não bastasse tudo isso, a multiplicidade de exigências ao caráter de um advogado passa pela linguística, porque deve desenvolver a tradição de brocados e o jogo falatório típico da conservação e da categoria rebuscada, pretensa de qualquer interessado e ser nesta razão ridicularizado pelo visível desuso do estilo verbal e literário, longe da leveza prazerosa típica do exercício profissional da palavra, o qual, por conseguinte, se considera mais legítimo, talvez mais popular e por isso, mais honesto.

Muitos cursam o direito, muitos são malandros de qualquer profissão, poucos advogam, porque isso faz sofrer de um sofrimento que não tem nome, eira nem beira, o de tomar para si a dor e as razões de outros seres humanos queridos ou achincalhados por suas personalidades e atitudes, é ser espelho de uma vontade maior que não lhe pertence e não tem nada de divina, é pura e simplesmente humana, com suor, sangue e fezes.

De sobra, se preserva por necessidade a riqueza do vocabulário a exploração dos recôncavos do dizer, com efeito, de preferência os melhores para satisfazer o patrocínio de quem quer que seja, o mandatário aceito e a causa que se abraçou para libertar o humano ao custo de massa cinzenta e verbo forte para quem o verbo vale em ação, literalmente.

Advogue, se puder, porque não é mera questão de querer e muito menos de acertar, ou se é, ou se fica imaginando ser no direito que nada é e pouco opera se submetido apenas às razões predominantes de certos moralistas, pouco mutáveis senão pelo verbo de quem se engaja a buscar e valorizar o confronto, ainda que isso represente um caminhar caduco de soerguimentos e tombos nem sempre compensados pelos ideais simplificados de felicidade e beleza, tão impossível para os chatos de profissão descontente.

Seja advogado se puder, porque isso implica, pelo nome, em comparecer, sem atraso, sempre que chamado, ao lado de quem te evoca, e cobre, senão gratidão, a alma porque não há dinheiro para a pobreza exigida pelo diabo quando escolhe uma posição que nunca implicará em pernas abertas, mas em cabeça erguida e passos firmes diante de pedras, trevas, fome e insônia, guardando o nada de si a favor de outrem.

Da inteligência aplicada ao retardo de renegados, a palavra delineia uma ponte onde o passado e o futuro da humanidade ganham expressão, e nela, existe um estúpido que te faz acreditar porque pode, por direito, este é um advogado e sem ele, não se faz Justiça e nem a visão do contrário. Isso mesmo.

Jussara Paschoini





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