Enquanto olho
para o copo de bebida penso: todo mundo tende a ser obeso e alcoólatra. Quem
nunca acordou pensando em tomar uma dose logo em jejum ou imaginou pedir mais
uns quatro sanduíches depois daquele primeiro, escolhido e devorado com prazer?
Não é que ceder
lá uma vez ou outra ao inusitado de um desejo seja problema e nem que quem cede
frequentemente mereça julgamento de quem quer que seja, é que hoje comparo a
situação com a fé em Deus e incrível no aparente, constato em mim um mesmo e
muitíssimo semelhante alarme de moderação.
Não tenho
religião e nem cultivo nenhuma crença porque opinei por afastar, na medida do
possível, todo o dogmatismo, de qualquer espécie, inclusive político, entretanto,
atento para os vícios da palavra e noto que a contrariedade e o medo ainda
possuem um nome cuja tradução fiz automatizar sempre que a sombra de tal me
invade pretensa de ser o que não é.
Minha esquiva
não diz respeito a representação em si, falo do engano de ultrapassar limites de
si até não saber mais de si, viver inconsciente como que alcoolizado, faminto e
insaciável ao ponto de se desaperceber de qualquer relação porque não há mais o
que relacionar, tudo estando reduzido a alguma coisa, a alguma satisfação, uma
resposta carimbada como eterna.
É carnal precisar
do mundo ao redor e a carne não pode nem dar e nem negar o mundo, é mero
instrumento de relação, é propriedade inalienável, merece cuidado e bom
tratamento porque é perecível como tudo mais, sujeita a mofo, estragos e
acidentes, embora servida pelo domínio diferenciado da razão e da vontade, como
tal, lançadas na perspectiva da dose, direção, controle e possibilidades.
Deus invade
minha vida todos os dias, como aquela dose e aquela fome imotivadas. Trato de
evitar até não poder mais, então, dialogo com a dose e vivo
momentos de embriaguez com a luz do sol ou a luz da lua, uma flor, um homem e
uma mulher, uma estrada, um assado, um sorriso e muitas lágrimas, um livro e
algum amigo...assim, não acredito em Deus.
Jussara Paschoini
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