segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A CONVIVÊNCIA COM A FÉ E O LIMITE DO SAGRADO


Não existe vida sem fé. Quem disse que estamos vivos? Por que? Não estamos mortos? Estamos vivos? Por que?

Se há respostas é porque há fé, e, se nos detivermos a encontrar definição para isso, é a disposição natural para buscar exteriormente diversos tipos de satisfação, tendendo a evoluir dos mais elementares anseios para elaboração de entendimentos relativos às mais complexas questões. Remove montanhas!

Entendida a fé nesta simples acepção, é possível então confrontá-la com a similar, a crença que pode ser concebida então como uma fé que ultrapassou a disposição e foi concluída numa satisfação suficiente a determinar seu fim e a se estabelecer com forte convicção fixando significados e valores básicos a novos anseios ou definitivos.

A crença no azul como azul o torna diferente do vermelho e quem compreende o vermelho como azul ou é daltônico ou desconhece a cor do céu, pelo menos, se não se tratar de um possível e esplendoroso por do sol ou nascer do sol, aliás, amarelo ou branco?

Não fosse a fé não haveria crença e não fosse a crença não haveriam variáveis. Esta sucedânea é imponente da condição contraditória pertinente a graduar a vida entre o estado vegetativo e outros estados mais conscientes e avançados, portanto relegar a fé ou ignorar a crença é resolver a morte no nascimento e vice-versa.

Dito isso, fica bastante clara a importância da religião não só como elemento da cultura, mas como fonte intrincada na evolução humana, um requinte da atividade moral na sagração de experiências válidas diante dos trágicos contextos da existência, e mesmo a descrença desenvolve suas próprias sagrações.

Do ponto de vista etimológico a religião como conhecida, principalmente no mundo monoteísta ocidental predominante, é palavra derivada do latim “religare”, significando voltar a ligar, mais profundamente, estabelecer vínculo renovado em ação inteligente e eletiva.

Uma visão racional e simples pode compreender a religião como a organização e sagração de símbolos destinados a receber a fé e manter ou desenvolver a crença segundo modelos rituais de comportamento fixos entre humanos de propósitos identificados.




Ser ateu é religião! Não concorda? Tudo bem, mas note-se então que mesmo a descrença exige símbolos, ainda que negativos e a demanda de métodos para negar o que predomina pode exigir muito mais disciplina do que para aceitar. O ritual ateu é a negação e o treino para a prática moral sem o sagrado, mesmo encontrando identidade no que de bom eleger e no que de mal evitar. Haverá assim o ateu requintado, o ateu medíocre e o ateu sociopata, à exemplo de qualquer religioso a ser negado.

Pouco se compara ao ódio disseminado pelas religiões porque o sagrado geralmente é ideal e se compreende mais valoroso ao supremo e, portanto legitima a destruição do que se lhe opõe para realizar o objetivo de sagrar-se definitivamente e eis o limite, o fim da fé e o fim da crença, na medida em que satisfeita a disposição e determinado o símbolo, resta o céu azul em dia de chuva e não há mais esplendor na espera da morte.

O limite do sagrado é não ser definitivo e nem determinado ao ponto de ser único, caso contrário o sub-animal poderá matar pelo que acredita, fato evidentemente abaixo de qualquer instinto rasteiro na tradução de uma submissão religada aos vermes, porque outra não é a justificativa da barbárie religiosa do que a fome de miseráveis chefiados por glutões guerreiros donos da verdade numa aldeia pagã onde se dissemina infecção mortal.

Exemplo inarredável disso é o torneio político engendrado por Roma ao tornar o cristianismo a religião oficial no ano de 380/DC, estabelecendo-a ainda como a única permitida em 392/DC e ao fundar o cesaropapismo com a constituição do Império Bizantino, em verdade, a pedra lançada com a igreja Católica, Apostólica Romana como o que restou daquele poder absoluto, para já no ano de 800/DC, Carlos Magno travar a defesa armamentícia da igreja, no que mais tarde se transformou nas Cruzadas, o jogo político e comercial consagrador da fé sanguinária e reflexo vívido da ganância santificada para a destruição.

Alvo desta guerra foram principalmente os turcos muçulmanos que ocupavam entre os séculos XI e XII a Palestina, constituindo entrave ao comércio mediterrâneo e à peregrinação à Terra Santa de Jerusalém enquanto expediente sagrado ao que veio a se constituir como a Ordem dos Cavaleiros Templários, à princípio devotos de São João no pagamento de promessas e penitências.



A Cruzada experimental em 1.096, foi popular, tornou-se conhecida como Cruzada dos Mendigos porque para angariar custos da empreitada armada contra os muçulmanos da Palestina na primeira tentativa de conquistar a Terra Santa, milhares de judeus europeus foram massacrados, sem exclusão de mulheres e crianças no saque imposto ao intento numa das muitas ações antissemitas dos católicos, esta, no caso, amparada pela França e Inglaterra. Os cruzados desta empreitada, após conseguir pilhar e saquear Constantinopla, foram estrategicamente direcionados pelo imperador bizantino à fronteira muçulmana, onde crentes na conquista de uma fortaleza, tiveram o suprimento de água cortado pelos inimigos turcos e morreram a maioria em uma semana, sendo o restante massacrado num ataque de flechas.

Em paralelo a essa sangria bastante estúpida e brutal, ocorreu a verdadeira primeira Cruzada, constituída por nobres cavaleiros do Papa Urbano II, e já dela, após matança indiscriminada dos “pagãos” muçulmanos que em 1.099 resultou o tenebroso reino de Ultramar (Outremer), os quatro Estados Cruzados, : Condado de Edessa, Principado de Antióquia, Condado de Trípoli e Reino de Jerusalém.

A primeira Cruzada confere augúrios à Godofredo de Bulhão e seu irmão Balduíno e foi por ela que o Mar Mediterrâneo se tornou navegável pelos ocidentais e a partir daí 100 anos de domínio temerário, conforme se continuará a contar, se sucederam sustentados por fiéis e mercenários em castelos construídos para poupar os governantes.

Presentes com compensação em feudos e ou rendas, os Cavaleiros Templários e Hospitalários, bem como Teutônicos vindos da Germânia enquanto grupo de guerrilha melhor organizado ao combate que se fizera constante, participavam de um esquema de conciliações e manobras para antagonizar grupos árabes uns contra os outros, tendo como protetor e padroeiro o hoje ainda muito glorificado: São Jorge de Capadócia.

A segunda Cruzada entre 1.147 e 1.149, já demonstrava a caducidade do embate religioso e envolveu na Europa a tomada de Lisboa por combate na Península Ibérica com subjugo dos mouros, mas teve com a atuação de Luiz VII e do Sacro Império um resultado miserável culminante com a primeira perda de Ultramar, o Condado de Edessa.

Em 1.189 a presença do poderoso Sultão Saladino trouxe a terceira Cruzada, a Cruzada dos Reis, posto haver envolvido o Rei da França, Felipe Augusto, o Rei do Sacro-Império Romano –Germânico, Frederico Barba Ruiva e o Rei da Inglaterra, Ricardo Coração de Leão.

Barba Ruiva afogou-se na Alícia após atravessar com sucesso o Rio Danúbio, na Ásia Menor.

Felipe e Ricardo Coração de Leão querelaram entre si e Felipe se retirou das Cruzadas, dando margem a que o único rei remanescente no comando “religioso” fizesse a chacina de homens, mulheres e crianças na conquista de Chipre, Acre e Jaffa. No entanto, a batalha tática com Saladino resultou na perda do Reino de Jerusalém, para o qual foi mantido, por acordo firmado em 1.192, o direito à peregrinação e assim, apesar dos pesares, o Ultramar sobreviveu.

A quarta Cruzada opôs uma escuridão à cidade de Constantinopla, é denominada Cruzada Comercial, foi chefiada por Doge Enrico Dandolo e fundou o Reino Latino de Constantinopla, de tal sorte que esse centro comercial importantíssimo, juntamente com Zara, só retornou aos domínios gregos quando quase vencidas as Cruzadas, em 1.261. Essa cruzada travou um abismo entre a igreja ocidental e oriental.

Neste interim houve a Cruzada de Albigense destinada a extirpar o Catarismo enquanto crença em um Deus dual, do bem e do mal e que era defendido por alguns nobres e bispos no sul da França. O embate ganhou forças pela falta de solução diplomática e pelo assassinato de Pierre Castelnau, cujo legado papal foi proponente de acordo destinado a redirecionar conteúdos econômicos sob a forma de tributo à igreja católica, inclusive pela proibição do emprego de judeus nas administrações dos condes e senhores do Languedoque, território feudal onde se assentavam os cátaros.

A legendária Cruzada das Crianças que teria embarcado em 1.212, cinquenta crianças cuja pureza das almas devolveria Jerusalém aos domínios católicos, terminou em que estas morreram doentes no caminho e ou foram vendidas como escravas.

A quinta Cruzada entre 1.228 e 1.250, presidida por André II da Hungria, arrogou-se na conquista de Jerusalém pela imposição de tentar submeter aos domínios católicos o Egito como precedente necessário e muitíssimo interessante e, por incrível que pareça, após recusar diversas ofertas de acordo muçulmano na devolução do Reino de Jerusalém, terminou com derrota dos cruzados e retirada.

Foi Frederico II, imperador do Sacro império, excomungado pelo Papa, quem na sexta Cruzada obteve a posse diplomática de Jerusalém, Belém e Nazaré, por dez anos, sendo certo que em 1.244, os santos locais já haviam sido novamente perdidos.

São Luiz, o Rei Luiz IX, canonizado como tal, foi o condutor da sétima cruzada entre 1.248 e 1.250, também perdeu na tentativa de conquistar o Egito e foi preso e liberto com o pagamento de pesado resgate, mas recuperou o Ultramar, tirando proveito da invasão dos mongóis.

Na oitava cruzada, o Rei Luiz IX (São Luiz) morreu junto com considerável parte da força francesa por conta de uma peste de que foi a mesma acometida, quando se buscava alcançar para combate a cidade norte-africana de Túnis cujo emir se pretendia converter. Somente Felipe, filho do rei sobreviveu para formar um acordo e voltar para ser coroado o rei da França.

A nona Cruzada manteve a intenção de dominar o Egito subjugando Baibars seu sultão mameluco por haver reduzido Jerusalém a uma pequena faixa entre Sidon e Acre. Eduardo I da Inglaterra retornou quando da morte de seu pai Henrique III para assumir o trono, terminado com acordo satisfatório a Baibars a última e mal fadada Cruzada.


A muitíssimo resumida visão das Cruzadas revela que o uso da fé por forças políticas e interesses econômicos não só revelou humanos sanguinários como nada trouxe em termos de religião ou para efeitos cristãos.

A suposta força da cristandade dos Cavaleiros Templários, em verdade terminou como joguete dos poderes mulçumanos antagônicos, os quais, por outro lado, nos 100 anos que mediaram a retomada do Ultramar, se consagraram como “soldados da guerra santa” e até os dias atuais lutam para manter o que acreditam ser sua grande moeda negocial, consagrada como “Terra Santa”, a Palestina, o espaço de descrição bíblica original do hebreu santificado pela morte na cruz da dominação romana, Jesus, o nazareno.

As Cruzadas revelam um trágico jogo onde a fé e a crença muito pouco ou quase nada significaram diante de interesses políticos e econômicos maiores, antecedentes e estrategicamente instituídos para manipular interesses longínquos ao amor e a satisfação instrumentalizados pela religião em sua acepção genuína de fé ou crença.




Não é de admirar então que no século XV em contraposição à igreja Católica Apostólica Romana, surgisse o protestantismo com a fortíssima tônica de separar a igreja e o Estado, num movimento urbano que difundia através da nobreza e com intervenção da imprensa tradutora da Bíblia da linguagem litúrgica para as línguas locais, a liberdade pessoal interpretativa dos dogmas cristãos. 

O protestantismo opõe a fé às segundas intenções das obras católicas e repudia o batismo infantil, afasta a supremacia papal, a oração pelos mortos, a intercessão dos santos, a assunção de Maria e a virgindade perpétua, o culto as imagens e se fixa através de três formas básicas: Luterana, Calvinista e Anglicana.

Destes três ícones protestantes derivaram o que hoje se conhece popularmente como “crentes” , integrantes de religiões cristãs e não católicas opinantes por fundamentos espiritualistas, racionalistas e anabatistas.

O protestantismo espiritualista é mais raro e encontra forte exemplo entre afro-americanos, porque seguem cultos reminiscentes ao protestantismo com distintiva prática mediúnica.

O protestantismo racionalista vislumbra o aspecto econômico capaz não só de libertar o religioso das limitações católicas, mas de encorajar o planejamento e a disciplina ascética no robustecer da liberdade e em prol do ganho econômico.

E o mais expressivo e radical protestantismo é o anabatista que opôs o batismo em adulto como forma de aceitação consciente da crença num ato de conversão perene, resultante da interpretação privada dos textos bíblicos. Os anabatistas foram perseguidos cruelmente tanto pela igreja católica como por outros protestantes, principalmente por sua insubordinação a qualquer autoridade humana, pacifismo e sectarismo da coletividade dirigida pela prática cristã na instituição da igreja como reflexo da vida comunitária.

Os “crentes” são engajados em diversas organizações religiosas com um ou mais fundamentos protestantes integrados que em comum carregam o estigma da fé como sobreposta às obras no alcance da graça divina, manifesta inclusive, no plano material.

Não é que o catolicismo não haja realçado por necessidade mesmo, a prática de um cristianismo menos político ou atento ao exercício do poder intimamente vinculado aos interesses estatais, mas ainda assim, vem traduzindo a maior atração de infiéis renegados do que todas as religiões distintas, tanto as antigas como as modernas. 




A fé, a crença e a religião são simbioses características ao ser humano e muito importantes ao convívio e ao cultivo de qualidades evolutivas.

O sagrado, é possível observar, tem limite e que não seja ele religioso, mas intrínseco, natural, espontâneo e recíproco como o ar que se respira na quantidade certa, incessante e precioso para toda a vida.

Jussara Paschoini


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O DESAFIO DE MOLDAR ENERGIA NA PRODUÇÃO DA ESTÉTICA E OS GAMES EDUCACIONAIS





No campo jurídico existe a figura da “coação moral irresistível” como meio excludente de culpabilidade, ou seja, se estabeleceu na relação do indivíduo com o mundo exterior, notadamente com o seu semelhante, a circunstância de estar de tal forma pressionado por uma versão de certo e errado frente a uma manifestação da própria vontade, ao ponto de não medir os efeitos de um ato que se torna então acidental e produz um dano, um prejuízo e uma contrariedade no mundo das regras comportamentais de relevo social.

A figura da coação moral irresistível traz também um elemento de maior subjetividade ao incorporar na pressão coatora o caráter irresistível, confrontando o comportamento individual com a capacidade de resistir  para gerar a noção de que à maioria das pessoas ou mesmo a qualquer sujeito, a ação desfigurada diante da regra não pudesse ser diferente, traduzindo uma consequência instintiva comum e inevitável.

Tratou-se de sagrar um instinto diante de uma prioridade numa ação natural diante de um fato social desequilibrado e que como tal não produz justa responsabilidade, liberando a ação delituosa de efeito jurídico reverso.



Ao criar a máquina, o humano se encontrava compelido não só por sua capacidade criadora como pela necessidade de instrumentalizar melhores ações e também por aprimorar e garantir melhores e maiores resultados, com isso realizou boa parte do interesse evolutivo e ao mesmo tempo gerou inegáveis contradições no mundo social, sendo uma em especial, irresistível ao confronto: a possível substituição do homem pelo aparelho e a desvalorização biológica e cultural como complexa fonte dos domínios da inteligência e fundamento das ações.

Não é, contudo, a Revolução Industrial e seus movimentos líbero antagônicos a matéria vigente em termos deste confronto, mas sim, a derivação binária esplendorosa de componentes, blocos, circuitos, complexos agrupados com controle de tensão e intensidade energética suficientes a ativar inúmeras ações eletrônicas através de micro sistemas, o que hoje efetiva a grande inovação tecnológica emergente e alucinada nos ainda insolúveis dilemas entre humano e tecnológico.

O homem criou a máquina dual a sua imagem e semelhança por necessidade e no que se expressa sua relação valiosa e suprema com o mundo é um jogador, tratante de grandes tarefas, principalmente ao conviver e transformar contradições.

A ética existe para o indivíduo, a moral para a sociedade e a estética é o desafio do jogo.



Diante disso, o universo eletrônico dos games é também reflexo representativo da luta cuja meta é acontecer, o criar e destruir, emocionar, sublimar, fatalizar, enfim compreender a vida como arte para além do bem e do mal nas amarras desfeitas por Nietzsche em respeito ao trágico na elaboração do prazer.

O encontro dos três principais componentes ativados na composição lúdica desse rosto de vir a ser, dessa máscara virtual, qual seja: a representação gráfica, a inteligência artificial e a linguagem do computador, transferem a uma tela a infância, o tempo e a história, garantindo, por outro lado, a efetividade operacional das ficções onde a brincadeira ganha seriedade, não por dever, mas por estética.

O jogo virtual retira do cenário a inocência típica do complexo cultural e é em si e por si só uma transfiguração estética da existência, surge como perspectiva dissonante da realidade e não como uma atitude dissonante propriamente dita ou uma indução por métodos físicos ou químicos, com a vantagem de possibilitar fenômenos da criatividade pela criação.

Processadores de energia, transformadores, retificadores e inversores ditam a modulação de forças importantes a simbolizar ações entrecruzadas entre corpo, movimento e percepção em diferentes dimensões, planos de construção social contemporânea e o abandono de um mundo por outro de símbolos diferentes na instituição da disputa, sorte, aventura e drama, preservando o caráter amoral, liberto de finalidades do jogo artístico por isso mesmo.

Também possivelmente, o irresistível deixa de ser da ordem instintiva e de obedecer a um padrão num universo de significados compartilhados, legitimando a atividade desfigurada pela inocorrência de dano real.


Então, da estética derivada do virtual há que se questionar não propriamente a sua falta de humanidade, mas a relevância ou não do imperativo crítico subjetivo a se estabelecer como agente simbiótico do complexo cultural não artificial e da base biológica natural, aderindo à simbologia característica para refletir efetiva realização a partir do mundo ficcional, nisto constituindo-se um apontamento da ordem educacional bem dirigida pelo estímulo da capacidade moral autônoma imprescindível ao idealismo pluralista como contraponto ao preconceito idealista e à autoconsciência egocêntrica.

É coerente até mesmo apartar o virtual do ficcional para compreender que este último teria por origem contextualizar-se como instrumento educacional e não como simples lazer, de maneira a estabelecer uma ponte cultural que tomasse em consideração as naturais etapas construtivas do conhecimento e a formação de categorias do pensamento mediante apresentação de conteúdo histórico-científico interessante beneficiado pela interação digital.

A criação para o criativo, no caso, estaria, inclusive, juridicamente amparada pelo conteúdo de ensino de obras clássicas, como também liberada à releitura eletrônica de inúmeros personagens e identidades que, virtuais, estariam abertas à renovação nominal, visual e interativa pela conexão com cenários e dinâmicas redefinidas, graduadas assim pela necessidade ou não de vínculos autorais respectivos.

Para a educação a perspectiva fenomenológica do jogo não só serviria ao instrumental disponível, principalmente em matéria de interação e intercâmbio, como também seria substância fundamental na elaboração cognitiva de diversas ciências, inclusive a própria computação em seus fundamentos básicos de programação até a formulação dos designs de tela.

Deste modo, o valor tecnológico, retrato de uma revolução sem precedentes pede por sua consagração estética e isso, bem pensado, como deve ser entre humanos, compactua com a educação qualificada pela autonomia da capacidade moral e pautada pelo pluralismo, tanto na preservação cultural quanto na realização histórica.

Jussara Paschoini


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A CONVENIÊNCIA DA INEXISTÊNCIA VIRTUAL






A já não tão inovadora possibilidade de guiar ações virtuais aponta para exposição instantânea de um grande número de vontades facilitadas e simplificadas por não existirem de fato e por isso mesmo favorecerem ao experimento inconsequente. Entretanto, tal não leva à conclusão de que o virtual seja sempre continente de uma causa destituída de efeitos. Relacionamentos virtuais, compras virtuais, cursos virtuais, livros e textos virtuais, filmes, espaços publicitários, enfim uma enorme gama de canais disponíveis põe a mostra um meio de comunicação dos mais eficientes, com oferta de material ideológico variado e rapidez.

Sem o óbice de notar a inserção alienada e acidentada pelo mero consumismo massificado enquanto essencial à óbvia e retumbante crítica à vida virtual, seria involutivo desconsiderar a base potencial do instrumental tecnológico a favor de superar limites físicos, espaciais e temporais atendendo ao ânimo das pessoas claramente intencionadas em interagir.

Partindo desta visão cabe invocar que o racional e o emocional continuam fundamentais ao subjetivo, tanto na sua sustentação quanto na instauração de suas experiências, inclusive as virtuais, aliás, permitentes a alçar vontades menos limitadas e satisfações mais imediatas, não significando isso a necessária queima de etapas lógicas como imponente digital dissonante de uma vivência integrada.

O virtual é essencialmente presente e daí a sua insuficiência em termos de existir como experiência total já que não exatamente possui um passado identificável ou um futuro efeito. Podemos encontrar água no mais belo copo de cristal virtual, mas ela não proveio de nenhuma nascente genuína e nem matará a sede, muito embora possa traduzir, talvez e até melhor a sensação de conforto e saciedade pretensa ao momento num contexto conotativo relevante.

Desta disposição ao momentâneo e ao imediato são identificáveis dois possíveis rumos da ação virtual: o de se perder na falta de realidade ou o de ficar represada no ser ativado apenas parcialmente em termos de efetivar sua experiência, donde surge um alerta para a inexistência bastante característica da conveniência experimental destituída de efeitos e, portanto, livre de vínculos e de fluidez neste tipo de “universo paralelo”.

Há que se salientar, por outro lado, que a máquina virtual garantiu em termos matemáticos e de marketing a suficiente vinculação de seus usuários diante da perfeita possibilidade de tornar eletrônicos tanto os créditos e débitos quanto os demais exponentes de relação numérica elaborada por experts, tudo numa clara evidência da concreticidade da reponsabilidade jurídica cogitável em termos de contraprestações obrigacionais relacionadas. 

Internet deveria ser plena de velocidade e gratuita ou pelo menos muito barata em face das vantagens acopladas aos megabytes disponíveis e não sustentáveis por si só.

É, contudo, o instrumento virtual interativo subjetivo e objetivo para efeitos cognitivos de toda ordem individual e social, o fato interessante para avaliar a experiência enquanto relação entre causa e efeito em termos da evolução de propostas potencializadas pela obstusão de oferendas digitalizadas do livre acesso à informação, circunstância nem sempre atrelada à assimilação e realização plausível.

Visível em termos virtuais é a instituição de causas potencializadas sem efeito próprio porque efeito não é característica desse instrumento, mas de quem o guia e isso significa que a intersubjetividade descomprometida simplesmente traduz inexistência tanto do ponto de vista ético quanto do ponto de vista moral, ou seja, tanto de caráter individual quanto social, respectivamente.

A incompletude da experiência estanque no universo virtual não se disponibiliza efetivamente contrária à violência, não se ativa em qualquer finalidade e não ultrapassa a necessidade teórica para a possibilidade de mudança, a não ser que haja ação humana consciente.

Então, se a amplitude virtual acomodar a sensibilidade e isolar a vontade no campo das satisfações imediatas, o que é monólogo ou diálogo fica destituído da função de mediar teoria e prática e, por conseguinte, de realizar qualquer finalidade, “tomando o inócuo, o inofensivo e o passivo como moldura tecnológica para o consumo diário” (Norris).

O contraponto da vida real versus vida virtual opinará por regra moral sagrada numa lógica elementar e até precária, em justificar a prevalente manutenção do “status quo” crente numa opção justa aos verdadeiros fatos e até sacrifícios, ainda que não subsistam robustas razões para isso, ainda que se relegue toda a dedicação e iniciativa inteligente e sensível também intermediada pelo forte instrumental daquela última principalmente se for reflexo de indivíduos bem formados, conscientes e maduros em interação.

A inexistência ética e moral bem como a insuficiência gradual cognitiva enquanto efeito virtual não caracteriza sequer um episódio, porque não há transição e sim mera exposição mutante, disforme, cabível em qualquer aspiração, até nas mais involuntárias. Somente o abandono desse aspecto conveniente e ao mesmo tempo abjeto é adequado a conferir substância ao ser interativo na transformação da realidade, na apropriação das aberturas tecnológicas de forma atenta aos ímpetos de revolução e mudança nas relações humanas de valor edificante, capazes de efetivamente enfrentar as adversidades do egocentrismo e da hiper-reatividade pós-moderna sem prejuízo de compatíveis avanços. 

Jussara Paschoini

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A CORAGEM, A TOLERÂNCIA E O RESULTADO ÉTICO






Não é incomum que notemos nos antigos opositores das ditaduras algumas falácias saudosistas no tocante aos alvos que combateram, afinal, se destacaram por eles, ganharam mundo por serem diferentes deles e tiveram ainda o mérito de sobreviver a eles, em suma, muito ou quase tudo, aparentemente, devem aos seus algozes.

Nos dias atuais em que o alvo não é mais tão definido porque o autoritarismo ganhou camuflagens, principalmente por parte de combatentes engendrados no uso de potenciais de combate similares em covardia, como transcorre no terrorismo, o referencial não é mais tão preciso e nem o antagonismo tão heroico, obviamente, e não há mais tanta certeza acerca do lado ao qual se deve estar.

A incerteza é despertadora da autopreservação e esta dita as regras conforme os diferentes graus de ameaça que se enfrentar individualmente, tanto diante das necessidades de escolha quanto diante da falta desta.

Confrontar o ser e o dever ser, o impulso e a ordem é atributo da consciência e como tal não pode sofrer aprisionamento pelo medo, o que diante do quadro de indefinições e similaridades estrategicamente posicionadas no exercício das políticas de dominação sofisticadas, vem ocasionando duas variáveis de conduta: uma de total indiferença e outra de apego excessivo e obstinado às diferenças do tipo majoritárias, aliás, consagradas na prática democrática, onde estas prevalecem.

Abro um parêntese para lembrar que em poucas inserções em estudos diplomáticos de relevo, foi possível já há muitos anos acusar tal “ditadura da maioria”.

O quadro democrático tem o efeito colateral de, por vezes e por meios obscuros, tiranizar as minorias, independentemente de violência, embora não a exclua de suas práticas, e daí a reação enérgica do antagonismo similar nas divergências de toda a ordem.

Nesse contexto de inúmeras ambiguidades e conflitos o fato é que nunca vai deixar de haver a necessidade de interação entre o humano e o mundo em que habita e desta, a noção acerca do que e quanto em si e no ambiente merece ser modificado como fruto de um ato de coragem na garantia de uma escolha ou como tolerância no reconhecimento de valores maiores.

Há uma frase de Jean Paul Sartre que diz: “É preciso ter coragem de fazer como todo mundo para não ser como ninguém”, isso significa que o filósofo media atitudes com relação aos outros, mas devia a si sua própria forma de ser por um ato de coragem. Não que isso contrarie o medo, mas seja então o seu enfrentamento e sua resistência.

A tolerância por sua vez não fica adstrita ao relativismo de “dançar conforme a música” exige referência na medida em que o intolerável existe do outro para com o outro como reinvindicação de uma autoridade crítica e, portanto, ética.

A ética enquanto ciência da conduta ou derivado de ethos, o caráter, investiga valores em sua acepção prática para estabelecer fundamentos mais próximos o possível de uma verdade capaz de ser reconhecida pelo maior número possível de indivíduos e é, portanto, um resultado a ser considerado acerca da coragem e da tolerância no universo das múltiplas formas de pensar e agir.

É por ética então que se podem vislumbrar os limites das liberdades em outras liberdades, o que significa ampla tolerância ao pensamento e à expressão, até porque esta esfera admite proporcional método de oposição pela reflexão e manifestação adversa.

O dilema surge quando as ações confrontarem as liberdades, deixando a esfera do pensamento e da expressão para agredir e violentar a vida e integridade física ou moral de outros, excedendo, pois, o limite da intolerância cabível a qualquer diferença para se ativar ou se arrogar em verdade maior ou única, imponente a qualquer custo.

Há duas percepções quanto à condenação ética das verdades dependentes de imponência absoluta, uma, são livres ao pensamento e expressão, mesmo porque a oposição coercitiva só vai potencializá-las ao exercício de se estabelecer também por coação legitimada em contrapartida, outra, devem ser coibidas como crime sempre que ultrapassarem a liberdade que lhes cabe para ameaçar outras liberdades com ataques à vida ou à integridade física ou moral reclamada por quem de direito.  

A coragem do individuo e a tolerância no mundo social são os pesos da avaliação ética a se ativar a favor tanto da maioria estabelecida no exercício democrático quanto da minoria a quem todo respeito e liberdade compatíveis são devidos, inclusive pela defesa inarredável das diferenças de todo o gênero, considerando mesmo serem as versões absolutistas de conduta e os extremos de desigualdade, seja ela religiosa, racial, política, econômica ou filosófica, tendentes naturais à autodestruição.  

Não é possível impedir o pensamento nazista de carecas arrogantes e nem a predominância de bonecas loiras de olhos azuis, mas o resultado ético dessa presença no mundo, certamente continuará a ser impeditivo para que qualquer outra violência da espécie seja cometida inadvertida e impunemente, circunstância muito além de celas e castigos, claramente visível na reversão vitimista das atuais ressurgentes pseudo-organizações esgueiradas em ativismo criminoso, bem mais vexatórias do que qualquer “casa de tolerância” ou “cartel de drogas”.

Do mesmo modo, a fome e a ignorância são desafios mantidos como reflexo hipócrita das ideologias de combate mais preocupadas em fazer e manter inimigos do que ocupadas com verdadeiras finalidades humanísticas, querendo isso dizer que menos papel e luxo diplomático na discussão das armas já poderiam, há muito, terem se convertido na aplicação de preceitos conciliadores na difusão das práticas solidárias aos nascidos sob absoluta escuridão.

É mais importante fortalecer boas raízes do que se empenhar em podas desordenadas de galhos vivos, porque quem morre na guerra são os jovens e os pobres, muitas vezes vítimas que respeitam seus carrascos, como também bem assinalou Sartre.


Jussara Paschoini