No campo
jurídico existe a figura da “coação moral irresistível” como meio excludente de
culpabilidade, ou seja, se estabeleceu na relação do indivíduo com o mundo
exterior, notadamente com o seu semelhante, a circunstância de estar de tal
forma pressionado por uma versão de certo e errado frente a uma manifestação da
própria vontade, ao ponto de não medir os efeitos de um ato que se torna então
acidental e produz um dano, um prejuízo e uma contrariedade no mundo das regras
comportamentais de relevo social.
A figura da
coação moral irresistível traz também um elemento de maior subjetividade ao
incorporar na pressão coatora o caráter irresistível, confrontando o
comportamento individual com a capacidade de resistir para gerar a
noção de que à maioria das pessoas ou mesmo a qualquer sujeito, a ação
desfigurada diante da regra não pudesse ser diferente, traduzindo uma
consequência instintiva comum e inevitável.
Tratou-se de
sagrar um instinto diante de uma prioridade numa ação natural diante de um fato
social desequilibrado e que como tal não produz justa responsabilidade,
liberando a ação delituosa de efeito jurídico reverso.
Ao criar a
máquina, o humano se encontrava compelido não só por sua capacidade criadora
como pela necessidade de instrumentalizar melhores ações e também por
aprimorar e garantir melhores e maiores resultados, com isso realizou boa parte
do interesse evolutivo e ao mesmo tempo gerou inegáveis contradições no mundo
social, sendo uma em especial, irresistível ao confronto: a possível
substituição do homem pelo aparelho e a desvalorização biológica e cultural
como complexa fonte dos domínios da inteligência e fundamento das ações.
Não é,
contudo, a Revolução Industrial e seus movimentos líbero antagônicos a matéria
vigente em termos deste confronto, mas sim, a derivação binária esplendorosa de
componentes, blocos, circuitos, complexos agrupados com controle de tensão e
intensidade energética suficientes a ativar inúmeras ações eletrônicas através
de micro sistemas, o que hoje efetiva a grande inovação tecnológica emergente e
alucinada nos ainda insolúveis dilemas entre humano e tecnológico.
O homem
criou a máquina dual a sua imagem e semelhança por necessidade e no que se
expressa sua relação valiosa e suprema com o mundo é um jogador, tratante de
grandes tarefas, principalmente ao conviver e transformar contradições.
A ética
existe para o indivíduo, a moral para a sociedade e a estética é o desafio do
jogo.
Diante
disso, o universo eletrônico dos games é também reflexo representativo da luta
cuja meta é acontecer, o criar e destruir, emocionar, sublimar, fatalizar, enfim
compreender a vida como arte para além do bem e do mal nas amarras desfeitas
por Nietzsche em respeito ao trágico na elaboração do prazer.
O encontro dos
três principais componentes ativados na composição lúdica desse rosto de vir a
ser, dessa máscara virtual, qual seja: a representação gráfica, a inteligência
artificial e a linguagem do computador, transferem a uma tela a infância, o
tempo e a história, garantindo, por outro lado, a efetividade operacional das
ficções onde a brincadeira ganha seriedade, não por dever, mas por estética.
O jogo
virtual retira do cenário a inocência típica do complexo cultural e é em si e
por si só uma transfiguração estética da existência, surge como perspectiva
dissonante da realidade e não como uma atitude dissonante propriamente dita ou
uma indução por métodos físicos ou químicos, com a vantagem de possibilitar fenômenos
da criatividade pela criação.
Processadores
de energia, transformadores, retificadores e inversores ditam a modulação de
forças importantes a simbolizar ações entrecruzadas entre corpo, movimento e
percepção em diferentes dimensões, planos de construção social contemporânea e
o abandono de um mundo por outro de símbolos diferentes na instituição da disputa,
sorte, aventura e drama, preservando o caráter amoral, liberto de finalidades
do jogo artístico por isso mesmo.
Também
possivelmente, o irresistível deixa de ser da ordem instintiva e de obedecer a
um padrão num universo de significados compartilhados, legitimando a atividade
desfigurada pela inocorrência de dano real.
Então, da
estética derivada do virtual há que se questionar não propriamente a sua falta
de humanidade, mas a relevância ou não do imperativo crítico subjetivo a se
estabelecer como agente simbiótico do complexo cultural não artificial e da
base biológica natural, aderindo à simbologia característica para refletir efetiva
realização a partir do mundo ficcional, nisto constituindo-se um apontamento da
ordem educacional bem dirigida pelo estímulo da capacidade moral autônoma
imprescindível ao idealismo pluralista como contraponto ao preconceito
idealista e à autoconsciência egocêntrica.
É coerente
até mesmo apartar o virtual do ficcional para compreender que este último teria
por origem contextualizar-se como instrumento educacional e não como simples
lazer, de maneira a estabelecer uma ponte cultural que tomasse em consideração
as naturais etapas construtivas do conhecimento e a formação de categorias do
pensamento mediante apresentação de conteúdo histórico-científico interessante
beneficiado pela interação digital.
A criação
para o criativo, no caso, estaria, inclusive, juridicamente amparada pelo conteúdo de
ensino de obras clássicas, como também liberada à releitura eletrônica de
inúmeros personagens e identidades que, virtuais, estariam abertas à renovação
nominal, visual e interativa pela conexão com cenários e dinâmicas redefinidas,
graduadas assim pela necessidade ou não de vínculos autorais respectivos.
Para a
educação a perspectiva fenomenológica do jogo não só serviria ao instrumental
disponível, principalmente em matéria de interação e intercâmbio, como também
seria substância fundamental na elaboração cognitiva de diversas ciências,
inclusive a própria computação em seus fundamentos básicos de programação até a
formulação dos designs de tela.
Deste modo,
o valor tecnológico, retrato de uma revolução sem precedentes pede por sua
consagração estética e isso, bem pensado, como deve ser entre humanos,
compactua com a educação qualificada pela autonomia da capacidade moral e
pautada pelo pluralismo, tanto na preservação cultural quanto na realização
histórica.
Jussara Paschoini
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