segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A CORAGEM, A TOLERÂNCIA E O RESULTADO ÉTICO






Não é incomum que notemos nos antigos opositores das ditaduras algumas falácias saudosistas no tocante aos alvos que combateram, afinal, se destacaram por eles, ganharam mundo por serem diferentes deles e tiveram ainda o mérito de sobreviver a eles, em suma, muito ou quase tudo, aparentemente, devem aos seus algozes.

Nos dias atuais em que o alvo não é mais tão definido porque o autoritarismo ganhou camuflagens, principalmente por parte de combatentes engendrados no uso de potenciais de combate similares em covardia, como transcorre no terrorismo, o referencial não é mais tão preciso e nem o antagonismo tão heroico, obviamente, e não há mais tanta certeza acerca do lado ao qual se deve estar.

A incerteza é despertadora da autopreservação e esta dita as regras conforme os diferentes graus de ameaça que se enfrentar individualmente, tanto diante das necessidades de escolha quanto diante da falta desta.

Confrontar o ser e o dever ser, o impulso e a ordem é atributo da consciência e como tal não pode sofrer aprisionamento pelo medo, o que diante do quadro de indefinições e similaridades estrategicamente posicionadas no exercício das políticas de dominação sofisticadas, vem ocasionando duas variáveis de conduta: uma de total indiferença e outra de apego excessivo e obstinado às diferenças do tipo majoritárias, aliás, consagradas na prática democrática, onde estas prevalecem.

Abro um parêntese para lembrar que em poucas inserções em estudos diplomáticos de relevo, foi possível já há muitos anos acusar tal “ditadura da maioria”.

O quadro democrático tem o efeito colateral de, por vezes e por meios obscuros, tiranizar as minorias, independentemente de violência, embora não a exclua de suas práticas, e daí a reação enérgica do antagonismo similar nas divergências de toda a ordem.

Nesse contexto de inúmeras ambiguidades e conflitos o fato é que nunca vai deixar de haver a necessidade de interação entre o humano e o mundo em que habita e desta, a noção acerca do que e quanto em si e no ambiente merece ser modificado como fruto de um ato de coragem na garantia de uma escolha ou como tolerância no reconhecimento de valores maiores.

Há uma frase de Jean Paul Sartre que diz: “É preciso ter coragem de fazer como todo mundo para não ser como ninguém”, isso significa que o filósofo media atitudes com relação aos outros, mas devia a si sua própria forma de ser por um ato de coragem. Não que isso contrarie o medo, mas seja então o seu enfrentamento e sua resistência.

A tolerância por sua vez não fica adstrita ao relativismo de “dançar conforme a música” exige referência na medida em que o intolerável existe do outro para com o outro como reinvindicação de uma autoridade crítica e, portanto, ética.

A ética enquanto ciência da conduta ou derivado de ethos, o caráter, investiga valores em sua acepção prática para estabelecer fundamentos mais próximos o possível de uma verdade capaz de ser reconhecida pelo maior número possível de indivíduos e é, portanto, um resultado a ser considerado acerca da coragem e da tolerância no universo das múltiplas formas de pensar e agir.

É por ética então que se podem vislumbrar os limites das liberdades em outras liberdades, o que significa ampla tolerância ao pensamento e à expressão, até porque esta esfera admite proporcional método de oposição pela reflexão e manifestação adversa.

O dilema surge quando as ações confrontarem as liberdades, deixando a esfera do pensamento e da expressão para agredir e violentar a vida e integridade física ou moral de outros, excedendo, pois, o limite da intolerância cabível a qualquer diferença para se ativar ou se arrogar em verdade maior ou única, imponente a qualquer custo.

Há duas percepções quanto à condenação ética das verdades dependentes de imponência absoluta, uma, são livres ao pensamento e expressão, mesmo porque a oposição coercitiva só vai potencializá-las ao exercício de se estabelecer também por coação legitimada em contrapartida, outra, devem ser coibidas como crime sempre que ultrapassarem a liberdade que lhes cabe para ameaçar outras liberdades com ataques à vida ou à integridade física ou moral reclamada por quem de direito.  

A coragem do individuo e a tolerância no mundo social são os pesos da avaliação ética a se ativar a favor tanto da maioria estabelecida no exercício democrático quanto da minoria a quem todo respeito e liberdade compatíveis são devidos, inclusive pela defesa inarredável das diferenças de todo o gênero, considerando mesmo serem as versões absolutistas de conduta e os extremos de desigualdade, seja ela religiosa, racial, política, econômica ou filosófica, tendentes naturais à autodestruição.  

Não é possível impedir o pensamento nazista de carecas arrogantes e nem a predominância de bonecas loiras de olhos azuis, mas o resultado ético dessa presença no mundo, certamente continuará a ser impeditivo para que qualquer outra violência da espécie seja cometida inadvertida e impunemente, circunstância muito além de celas e castigos, claramente visível na reversão vitimista das atuais ressurgentes pseudo-organizações esgueiradas em ativismo criminoso, bem mais vexatórias do que qualquer “casa de tolerância” ou “cartel de drogas”.

Do mesmo modo, a fome e a ignorância são desafios mantidos como reflexo hipócrita das ideologias de combate mais preocupadas em fazer e manter inimigos do que ocupadas com verdadeiras finalidades humanísticas, querendo isso dizer que menos papel e luxo diplomático na discussão das armas já poderiam, há muito, terem se convertido na aplicação de preceitos conciliadores na difusão das práticas solidárias aos nascidos sob absoluta escuridão.

É mais importante fortalecer boas raízes do que se empenhar em podas desordenadas de galhos vivos, porque quem morre na guerra são os jovens e os pobres, muitas vezes vítimas que respeitam seus carrascos, como também bem assinalou Sartre.


Jussara Paschoini


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