segunda-feira, 25 de março de 2013

O PRÉ-SAL, DISCUSSÕES PROFUNDAS E O PROGNÓSTICO SUPERFICIAL





                              O Brasil é uma república federativa cuja autonomia dos estados membros é relativa, ou seja, não há plena desvinculação legislativa dos estados, de forma que não se compara a federação brasileira com a federação norte-americana para efeitos, por exemplo, de instituir um Código Penal para cada estado, uns com pena de morte outros não.


                              Cada estado membro da federação brasileira possui uma Constituição Estadual segundo a qual geralmente organiza o poder judiciário de sua competência na denominada Justiça Estadual ou Justiça Comum (civil, criminal, fazenda pública e acidentes do trabalho, esta última para efeitos de revisão e instituição de benefício acidentário, apesar de a matéria previdenciária ser tipicamente federal). A Justiça Militar existe em âmbito estadual e federal.


                             Tanto lei processual civil quanto penal é federal, ou seja, fruto de lei promulgada pelo Congresso Nacional, soma do Senado e Câmara dos Deputados (estaduais e federais), o mesmo ocorrendo com a codificação tributária, comercial, trabalhista etc.


                             O ponto marcante com relação Brasil Federativo é que um dos mais importantes tributos indiretos e portanto inserido nos preços, o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação) é de competência dos estados membros e do similar distrito federal. Outras formas de prestação de serviço repercutem como incidência de ISS (imposto sobre serviço) de competência dos municípios.


                             Compreenda-se a inclusão de toda a circulação energética (petróleo, derivados e energia elétrica) como hipótese de incidência do ICMS interestadual quando esta energia não tiver destinação de fins comercial ou industrial, isto então, a configurar uma competência tributária definida legalmente como pertencente ao estado adquirente. Assim, a energia circulante de um estado a outro tributa com ICMS o próprio consumidor e, a favor do estado adquirente, informando uma exceção à regra geral que favorece a origem do produto no iniciar da respectiva tributação, no caso, sobre a circulação de energia.


                            Nisto reside o conflito de que os estados produtores de energia elétrica e petróleo não obtenham receita de ICMS na energia que fornecem a outros estados que, no entanto, têm o direito de cobrar esse tributo do consumidor final, isto numa forma de compensar os investimentos federais de exploração energética, em definição de harmonia fiscal.


                        Eis o fundamento jurídico da briga dos royalties do petróleo. Querem a revisão constitucional que retira dos estados produtores o direito ao ICMS de energia, o que, segundo comentários da proposta de emenda constitucional (PEC), representaria uma receita maior do que a própria produção a favor dos estados, considerando eventualmente os respectivos custos e participações privadas.

                                   Os estados produtores estão a chantagear a divisão dos royalties em virtude da já negociação da produção por contratos em invocados direitos adquiridos reconhecidos em veto presidencial, postulando a aprovação da emenda constitucional que lhes atribua competência para cobrança do ICMS na circulação de petróleo e eletricidade dos estados produtores aos não produtores, o que, inclusive parece ser o posicionamento de São Paulo, não obstante seja apontado como grande beneficiário adquirente de energia sem tributação de ICMS.

                             A sistemática do ICMS é complexa e composta por percentuais (alíquotas) diversificados em consonância com disposições de cada estado membro, sendo a respectiva circunstância, material de proposta de unificação das alíquotas com o escopo de equalizar expedientes de atrativo tributário da indústria por um estado em detrimento do outro.


                                      Interessa saber que ao que tudo consta, instiga a pretensão dos estados produtores a titularidade de tributar num dos mais relevantes impostos do país, a energia enquanto necessidade irrefutável. Tributo caro, não obstante a característica essencial do consumo, capaz de determinar a redução por princípio jurídico.


                                    A questão fundamental é se com o beneficiamento tributário dos produtores somado a não cumulatividade determinante de que se credite o imposto cobrado a favor do próximo contribuinte, o consumidor irá se beneficiar, ou o consumo de energia enquanto necessidade prática absoluta da modernidade ficará ainda mais inacessível principalmente às classes menos favorecidas.


                        Respostas que as discussões informadas como acirradas não dão e quando menos soubermos, diante mesmo da complexidade de diversificadas disposições e valores interestaduais, a mudança, possivelmente, acontece.

                                 Isto, lamentavelmente, sem apontar que garantia terão os consumidores e contribuintes quanto à essencialidade da energia e a impositiva aplicação da máxima em redução e não aumento; em que pesem os últimos benefícios concedidos  (com efeito mola reversiva) com relação à energia elétrica, aliás, deficitária em termos da atualização tecnológica pertinente a regularidade do aproveitamento da ampla produção capacitada pelos recursos nacionais brasileiros.


                          Por outro lado, alardeia-se que os royalties do petróleo tenham o certo destino de se prestar investimentos educacionais, mas não se aponta ou se discute qualquer plano qualitativo ou a aplicação constitucional em termos de ensino plural, com igualdade de oportunidades e tudo que é mais importante, numa situação, com efeito, tão complicada quanto a enganação de vagas no ensino superior intermediada pela paródia do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM).


                          A briga de cachorros grandes que vem ocorrendo nas instâncias legislativas não demonstra ponderação e nem defesa de interesses públicos, é um baile de clientelismo num emaranhado de questões jurídicas aproveitadas ao sabor do recinto do pré-sal: subterrâneo, submarino e não se sabe se emergirá como riqueza para a nação ou lucrativo negócio aos “aliados” em contenda nessa insanidade política visível a olho nu.



Jussara Paschoini


terça-feira, 19 de março de 2013

O LIMITE HUMANO DO DOMÉSTICO


 


Para quem pensa que a escravidão acabou nos movimentos abolicionistas insurgentes entre outros dilemas, da incapacidade de manter seres humanos sob absoluto controle para exata servidão e, se desapercebe até de que as conquistas feministas casadas com a autarquia dos valores patriarcais dependeu do suor das domésticas, saiba-se que a profissão caseira só foi reconhecida no Brasil em 1.972.


Ainda assim, quando da promulgação dos direitos dos trabalhadores pela Constituição Federal de 1.988, manteve-se o empregado doméstico com tratamento diferente dos demais, sem direito a horas-extras, fundo de garantia por tempo de serviço, seguro desemprego, adicional noturno, indenização por dispensa sem justa causa etc.


O protecionismo trabalhista em confronto com a desqualificação da exploração do trabalho sob moldes deterministas meramente utilitários e sem proposta evolutiva não é o que justifica a exclusão constitucional dos empregados domésticos, mas o critério da necessidade falando mais alto e o preço humano podendo ser cobrado descaradamente na tipicidade das reações em cadeia.


A tradição escrava só mudou de nome e o humano cada vez menos disposto, graças a sua natureza, está a se afastar da condição, contudo, não sem deixar o vazio do lar desarrumado, da família desorganizada, da roupa suja e da discussão iniciada sobre quem lava  a louça com consequentes atos de contrição.


Deixar de agir por necessidade para agir por interesse não favorece aos hábitos e nem a definição da riqueza para o definitivo da pobreza, mas sem dúvida faz valer mais a sagração ritual dependente dos humildes até o limite da humilhação, além de perdoar só e no mais das vezes, as prostitutas, jamais os vagabundos.


Fato, para os empregados domésticos a humilhação esta ficando cada vez mais difícil e para nossa sagrada tradição, o remédio é instituir poderes de feição renovada, um refresco ácido para o sufoco de nossas comodidades e resguardo de particulares créditos morais conquistados a duras penas, daí a inevitável correção legal à caminho.


Juridicamente falando, o empregador doméstico não é empresário, não possui controle de pontos e não possui outros funcionários para ratificar e atestar o horário de trabalho da única mão de obra “brega” que contrata, donde a proteção relativa a eventuais explorações excedentes do horário, ficará a critério de posicionamento jurisprudencial diante da hipótese de qualquer contradição litigante.


Os demais direitos decorrentes de tardia “isonomia” deverão ser documentados em recibos e cártulas oficiais dificultosas para quem não possui um departamento burocrático com a finalidade de assegurar aprazadas e diversificadas formas de registro e pagamento.


Resultado, afora a diarista, assim considerada aquela que presta serviço por no máximo duas vezes por semana (há o que decrete uma vez só), complicou-se ao nível da ilegalidade a ordem dos lares, sítios e casas de praia com relação aos demais trabalhadores e talvez alguns grandes empresários.


A mão de obra escrava está acabando... no entanto, ainda não inventaram lei para acabar com a escravidão, porque papel e tinta podem até sugerir e não modificar atitudes ou transformar hábitos, as leis apenas os distinguem dos vícios para eventuais legitimações do poder sob forma de coação física ou moral. Quem pode realiza e quem deve se adapta, enquanto coriscos viram tragédias ou zigoto.


Jussara Paschoini

segunda-feira, 11 de março de 2013

PLURIPARTIDARISMO, OPOSIÇÕES BILATERAIS E CERTIFICAÇÃO DIGITAL





A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece o exercício da soberania popular mediante voto direto, secreto, nos termos que atribui a lei, no caso, ao Código Eleitoral. Referida sagração da vontade do povo também se encontra prevista mediante uso de plebiscito, referendo e iniciativa popular.

A democracia possui elementos representativos e participativos, conforme o que for estabelecido em lei e afora o plebiscito proposto para escolha entre os sistemas de governo presidencialista e parlamentarista do qual restou vitorioso o primeiro, nenhuma outra consulta prévia popular relevante foi realizada após a Constituição de 1988, observando-se que o referendo, diferente por ser consulta para ratificação posterior de ato praticado no exercício do poder, jamais foi utilizado.

A característica do pluralismo partidário típica do sistema presidencialista de governo democrático-liberal, além de aberta a polarização de esquerda e direita, permite e até condiciona a instituição de oposições bilaterais, além da posição central, ensejando um modelo representativo com pretensa abrangência de diversos interesses e benéfica competitividade na tomada de decisões consensuais debatidas.

O modelo é propício à prática democrática, a qual, no entanto, poderá desvirtuar-se ineficaz se transformar os acréscimos das oposições bilaterais de menor compromisso ideológico, em convergências centrais, traduzindo assim, imobilidade dos poderes de divergência, com possível irresponsabilidade no exercício de escolhas.

O consequente excesso suspeito de coligações opera de modo a furtar elementos participativos, ainda que minoritários, muito importantes em termos de oposição. Isso se dá mediante troca de favores políticos individualizados e descomprometidos com o eleitorado pela manipulação de elementos deliberativos refletidos inclusive no tratamento dado conselhos integrados e institucionais da prática governamental nos assuntos de interesse público, tais como educação, cultura, saúde, economia etc., enquanto possíveis pontes socioeconômicas da manifestação da vontade do eleitorado.

Destarte, o sistema representativo de moderno se converte em reciclagem de pregressas práticas políticas pela supervalorização das vantagens geralmente de ordem econômica infiltradas em conjunto com a praxe financeira das campanhas vinculadas ao alcance dos assentos parlamentares e administrativos e com a articulação de diferenças partidárias a posteriori dissolvidas no mesmo ciclo vicioso desleal.

O instrumento impossível de ignorar nesse contexto são os veículos de comunicação em massa, notadamente a internet que hodiernamente oficializa a certificação digital como método evolutivo à individualização no mundo virtual com a cada vez mais alcançável dimensão jurídica da autenticação volitiva rápida e acessível donde a participação e iniciativa popular precisam sim ganhar respeito e consideração para não só influir mas, modular o ativismo interessante ao exercício contestatório com relação aos discursos de campanha e distorções estratégicas de poderes outros e dissonantes com os princípios regentes dos atos representativos e de governo, quais sejam: legalidade, racionalidade, supremacia do interesse publico, impessoalidade, moralidade.

Logo, a iniciativa popular a que se refere o inciso III do artigo 14 da Constituição Federal, precisa ganhar lei e regulamentação suficiente a permitir e instrumentalizar pelas vias da certificação digital o exercício do direito contestatório coletivo o quanto baste a no mínimo provocar o debate e o registro eficiente de divergências interessantes ao povo no sentido de desarticular manobras de convergência partidária destreladas de legítima representatividade, coibindo o efeito das práticas corruptas.

Por outro lado, merece apontamento a necessidade de inclusão na técnica eleitoral, da inserção de informes biográficos de cada candidato junto com a sua propaganda política, ou seja, a exemplo de qualquer cidadão em busca de um cargo ou qualquer participação social ou de trabalho, o candidato deve expor a ficha “limpa”: nome completo, R.G, C.P.F., declaração de negatividade de débitos fiscais, exclusão de protestos por inadimplência, enfim uma tabela prática com o conteúdo de sua vida pública ou de cidadão. Tudo do ladinho de sua imagem sorridente ou não no vídeo, cartaz ou santinho, em letras legíveis e em português inteligível.

Interessante ainda e embora dependente de emenda constitucional seria o voto livre e facultativo, a funcionar como forma de exclusão pura, simples e legítima do eleitorado “indeciso” ou descontente com as diversas exposições ou mesmices partidárias, inclusive num plausível modo refletir a eventual necessidade de revisão dos moldes representativos em vigor mediante contrapartida da instrumentalidade participativa prevista no estatuto supremo.

Jussara Paschoini

segunda-feira, 4 de março de 2013

MOMENTOS E VALORES SUPERIORES



Moral é apontar socialmente a riqueza, a beleza, a fama, a bondade e Elvis Presley morrendo gordo e inchado, sentado numa privada, na metade ou pelo menos dois terços de sua vida. Marilyn Monroe cometendo ao que tudo consta, suicídio fácil em cima de uma cama.  Michael Jackson desfigurado em desejos aparentes e possíveis, não resistindo ao intento de retomar a estupenda glória do passado. É dedar o Vaticano suntuoso em todos os sentidos sob portas trancadas elegendo símbolos de amor ao próximo, principalmente aos pobres em multiplicação obrigatória, dali tão distantes. Óbvio e verdadeiro. 

Fato, não há moral para tratar de valor, valor é valor e pronto. Ignorar valores é apenas uma compensação de sentidos, uma troca de ilusório equilíbrio para atender as necessidades do momento, caber numa relação apaziguadora e simplesmente criar uma membrana hermética onde poderia haver "osmose". 

Osmose, bioquimicamente se sabe, depende de meios separados por uma membrana semipermeável capaz de permitir o controle do gradiente de concentração de sais nos seres vivos mediante passagem gratuita de água do meio mais concentrado ao meio menos concentrado em finalidade isotônica (igualdade na quantidade de solutos/sais), evitando a morte celular. 

Semelhantemente,  quanto aos inarredáveis  valores, é no que separa um de outro, o ponto crucial para se observar a dosagem compatível entre soluções de poder e dever, o que significa que entre a rigidez e a maleabilidade existente entre um valor e sua diferença está a oportunidade imprescindível para as escolhas individuais. 

Isso quer significar que a típica hierarquização de valores isolados, sejam eles quais forem, vem tendo como efeito a construção de barreiras sobrepujantes das diversidades e, ao mesmo tempo criativa da maioria carente em confronto com o peso claudicante da minoria equilibrista no fenômeno insurgente da enorme salada conceitual hoje invocada como “sustentabilidade”, artigo publicitário de luxo, diga-se de passagem. 

A sustentabilidade é a forma moderna de equalizar diferenças legitimando valores por desvalores, é a moda cara com material reciclado, mantém distâncias inacessíveis com pretensão socioeconômica no topo das prioridades aparentes. 

Os valores ganham reflexão quando se faz realmente possível sua relação com outros valores, no entanto, a necessidade de se manter patamares autossuficientes e sagrados enquanto fator limitante das escolhas individuais resulta na irrelevância de condutas sociais producentes de efeito político representativo eficaz. 

Não é, portanto, a mudança de valores o ponto a ser considerado como prático à evolução rumo a melhor representatividade política e ao saudável convívio social, e sim a pertinência das barreiras transpostas nesse sentido como modo de efetivar a igualdade de tratamento legal em correspondência autêntica com as liberdades individuais. 

Dito isso, é possível então analisar a polêmica jurídica da publicação de biografias condicionadas à autorização da pessoa biografada, inclusive quando se tratar de pessoa pública, nisto inclusos não só os políticos, também artistas e outras personalidades de maior “entrância” nos domínios populares. 

Há aí o confronto dos valores expressivos dos biógrafos com os valores intimistas dos biografados. Inquestionáveis os valores, resta observar o que os separa, qual seja, a opinião pública. 

Se a opinião é pública, o interesse possui a mesma característica, donde sua defesa ganha dimensão em face da individualidade intimista enquanto ressalva concedida pela lei ao exigir autorização do biografado, ainda seja este construtor avantajado de uma imagem particular junto à sociedade, além de ativista o bastante para gerar o aludido interesse. 

Eis que o interesse público para o caso  não se equipara ao dotado de supremacia enquanto requisito dos atos praticados por investiduras do direito administrativo nas esferas do exercício do poder representativo estatal propriamente dito, mas trata-se de um interesse diferenciado na medida em que traduz uma correspondência conquistada junto à coletividade com direito a formar opinião. 

A liberdade de expressão é o instrumento da formação de opiniões e não é a sua desvalorização relacionada com as causas da ignorância que chega ao cúmulo analfabético, o elemento pertinente a legitimar a censura, inclusive diante de um interesse individual indevidamente reconhecido pela lei. 

Então se é pública a opinião que separa a liberdade de expressão da censura individual da celebridade, é público o interesse que deve prevalecer na livre formação da opinião.  

Afinal, o pretenso biografado, por um ou outro lado, se manifestou em vida no sentido de ter uma imagem pública, coletivizada e que como tal deve cair em respectivos domínios inclusive para exercício profissional de quem possua habilidade plausível ao almejado e dificultoso alcance, qual seja, o de tocar a opinião pública em suas variadas nuances, origens e capacidades. 

O Código Civil merece reforma a fim de que seja instituída a independência de autorização das celebridades e pessoas públicas com relação a correlatas biografias. Nem Roberto Carlos “caçando na cama sem segredos”, pode se dar ao desplante de conviver com tamanho defeito. 

Ganham-se e perdem-se milhões com a fama, mas essa é a relação dos milhões com os milhões, valores que pagam seus preços entre si muito mais livremente e sem censura, certo?


Jussara Paschoini