O Brasil é uma república federativa cuja
autonomia dos estados membros é relativa, ou seja, não há plena desvinculação
legislativa dos estados, de forma que não se compara a federação brasileira com
a federação norte-americana para efeitos, por exemplo, de instituir um Código
Penal para cada estado, uns com pena de morte outros não.
Cada estado membro da federação brasileira possui
uma Constituição Estadual segundo a qual geralmente organiza o poder judiciário
de sua competência na denominada Justiça Estadual ou Justiça Comum (civil,
criminal, fazenda pública e acidentes do trabalho, esta última para efeitos de
revisão e instituição de benefício acidentário, apesar de a matéria
previdenciária ser tipicamente federal). A Justiça Militar existe em âmbito
estadual e federal.
Tanto lei processual civil quanto penal é
federal, ou seja, fruto de lei promulgada pelo Congresso Nacional, soma do
Senado e Câmara dos Deputados (estaduais e federais), o mesmo ocorrendo com a
codificação tributária, comercial, trabalhista etc.
O ponto marcante com relação Brasil Federativo é
que um dos mais importantes tributos indiretos e portanto inserido nos preços, o
ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de transporte
interestadual, intermunicipal e de comunicação) é de competência dos estados
membros e do similar distrito federal. Outras formas de prestação de serviço
repercutem como incidência de ISS (imposto sobre serviço) de competência dos
municípios.
Compreenda-se a inclusão de toda a circulação
energética (petróleo, derivados e energia elétrica) como hipótese de incidência
do ICMS interestadual quando esta energia não tiver destinação de fins comercial
ou industrial, isto então, a configurar uma competência tributária definida
legalmente como pertencente ao estado adquirente. Assim, a energia circulante de
um estado a outro tributa com ICMS o próprio consumidor e, a favor do estado
adquirente, informando uma exceção à regra geral que favorece a origem do
produto no iniciar da respectiva tributação, no caso, sobre a circulação de
energia.
Nisto reside o conflito de que os estados
produtores de energia elétrica e petróleo não obtenham receita de ICMS na
energia que fornecem a outros estados que, no entanto, têm o direito de cobrar
esse tributo do consumidor final, isto numa forma de compensar os investimentos
federais de exploração energética, em definição de harmonia fiscal.
Eis o fundamento jurídico da briga dos royalties
do petróleo. Querem a revisão constitucional que retira dos estados produtores o
direito ao ICMS de energia, o que, segundo comentários da proposta de emenda
constitucional (PEC), representaria uma receita maior do que a própria produção
a favor dos estados, considerando eventualmente os respectivos custos e
participações privadas.
Os estados produtores estão a chantagear a
divisão dos royalties em virtude da já negociação da produção por contratos em
invocados direitos adquiridos reconhecidos em veto presidencial, postulando a
aprovação da emenda constitucional que lhes atribua competência para cobrança do
ICMS na circulação de petróleo e eletricidade dos estados produtores aos não
produtores, o que, inclusive parece ser o posicionamento de São Paulo, não
obstante seja apontado como grande beneficiário adquirente de energia sem
tributação de ICMS.
A sistemática do ICMS é complexa e composta por
percentuais (alíquotas) diversificados em consonância com disposições de cada
estado membro, sendo a respectiva circunstância, material de proposta de
unificação das alíquotas com o escopo de equalizar expedientes de atrativo
tributário da indústria por um estado em detrimento do outro.
Interessa saber que ao que tudo consta, instiga a
pretensão dos estados produtores a titularidade de tributar num dos mais
relevantes impostos do país, a energia enquanto necessidade irrefutável. Tributo
caro, não obstante a característica essencial do consumo, capaz de determinar a
redução por princípio jurídico.
A questão fundamental é se com o beneficiamento
tributário dos produtores somado a não cumulatividade determinante de que se
credite o imposto cobrado a favor do próximo contribuinte, o consumidor irá se
beneficiar, ou o consumo de energia enquanto necessidade prática absoluta da
modernidade ficará ainda mais inacessível principalmente às classes menos
favorecidas.
Respostas que as discussões informadas como
acirradas não dão e quando menos soubermos, diante mesmo da complexidade de
diversificadas disposições e valores interestaduais, a mudança, possivelmente,
acontece.
Isto, lamentavelmente, sem apontar que garantia
terão os consumidores e contribuintes quanto à essencialidade da energia e a
impositiva aplicação da máxima em redução e não aumento; em que pesem os últimos
benefícios concedidos (com efeito mola reversiva) com relação à energia elétrica, aliás, deficitária em
termos da atualização tecnológica pertinente a regularidade do aproveitamento da
ampla produção capacitada pelos recursos nacionais brasileiros.
Por outro lado, alardeia-se que os royalties do
petróleo tenham o certo destino de se prestar investimentos educacionais, mas
não se aponta ou se discute qualquer plano qualitativo ou a aplicação
constitucional em termos de ensino plural, com igualdade de oportunidades e tudo
que é mais importante, numa situação, com efeito, tão complicada quanto a
enganação de vagas no ensino superior intermediada pela paródia do Exame
Nacional de Ensino Médio (ENEM).
A briga de cachorros grandes que vem ocorrendo
nas instâncias legislativas não demonstra ponderação e nem defesa de interesses
públicos, é um baile de clientelismo num emaranhado de questões jurídicas
aproveitadas ao sabor do recinto do pré-sal: subterrâneo, submarino e não se
sabe se emergirá como riqueza para a nação ou lucrativo negócio aos “aliados” em
contenda nessa insanidade política visível a olho nu.
Jussara Paschoini