segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O TERROR DE MOHAMED


Naquele dia depois de suas orações
Um lampejo coube a Mohamed
Revia a multidão entoando o cântico da fé
Foi retomado pela emoção e teve mais uma vez
O corpo trepidado por aquela dor e por aquela magnitude
Não via mais o campo e nem as cabras
As crianças eram vestígios de um grandioso passado tão silente apesar da algazarra
Nem de perto o odor da hortelã ou da mirra eram de se distinguir
Apenas o próprio sangue fazia sentido
Na boca o paladar ferroso das palavras exauridas
A vontade descumprida, calada e cortante
Única verdade e único rumo
Nenhum outro apetite e muito menos deleite
Náuseas como dedos retraídos e cerrados num reflexo guardião
De um coração tão compacto quanto obscuro
Jamais ali qualquer pousada afável
Qualquer perfume impróprio ou atrevido
Chamas sempre alimentadas manteriam tal pureza
O fluir contínuo de um calor inabalável
Harmonia metálica inegável a tão imaculado sonho
Tão claro e iluminado
Alvo com a alvura do mais elevado ancenúbio
Pálido e invisível é o que não se enverga à grandiosidade suprema
Negro seu destino selado em cápsulas de chumbo
Rente e reto enquanto gira e gira sua autêntica trajetória
A destruição em gatilho requebrando singular
Salivando faíscas e consumindo a carniça dos vivos
Apagando mentiras sequer pensadas
Tingindo o espaço com o único rubro
Capaz de aplacar tão alucinada aptidão
Saciar a acoria e finalmente matar a visão
Sangue e glória
Mas os abutres não vão permanecer para o banquete
Precisam voar alto como manda o Grande Condor
Pertencem ao céu onde flutuam como brandas nuvens
A quem a implacável luz do sol há de carregar
E Mohamed se recolhe ao sagrado de seu santo destino
Plácido e tão gentil quanto a lã daquele tapete de oração
Dever cumprido e os joelhos podem descansar
Sem limite a eternidade de tão correto caminhar

 Jussara Paschoini

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