Os cabelos e a
tesoura e eis o mais curto caminho para modificar a vida, os rumos da vida e o
que se pensa dela. Raspar a cabeça pode ser um alívio, principalmente porque os
cabelos voltam a crescer e quer se queira ou não, um processo entre o tudo e o
nada terá se iniciado. É mais fácil do
que nascer cigano de verdade e levantar acampamento deixando tudo e todos para
trás, sem medo, sem culpa e só com a vontade de se redefinir como pessoa, se
apresentar de outro jeito, recontar a própria história com novos detalhes em
preto e branco ou colorido.
Dito desta
forma parece que mudar é algo simples, ao alcance de menores ou maiores
distâncias, entre a tesoura e o couro cabeludo, o pé e a estrada, os passos e
os quilômetros, a ideia e a massa cinzenta, mas quem presta atenção nos
movimentos encontra outro enredo, não tão fácil de escrever, repete as mesmas
falas e gestos estando careca ou com a depilação atrasada, na praça, no curral,
no deserto, na rota mais cotada ou em qualquer lugar.
Não se faz amor
e nem mudança e quem acredita em tal façanha apenas paga por seus preços em
tempo e energia confabulada. O fato é que objetivos podem mudar, nem sempre as
pessoas mudam de acordo com eles por um ato de vontade unilateral, aleatório ou
não.
Vou encontrar
algo é objetivo, o quê, é acontecimento e a discrepância entre ambos é
fundamental para que? Trabalho, filhos, diversão e o algo já não é mais
objetivo é meio para o que se alcança ou não, com sucesso ou não.
Não somos
compelidos por mudanças apesar de engendrarmos atitudes confrontantes a
qualquer estado presente em prol do futuro onde se realizam objetivos consoante
os bons ventos que precisam soprar a favor ou contra e, nesse contexto as ações
contam sem nada garantir. O taxi almejado passa na rua de mão única, do lado
oposto logo após se atravessar de lá ao outro lado e daí? Espera-se por outro
taxi. Qual foi o papel da mudança? Um atraso de intenção e a sensação de haver
cometido um erro premonitório...
Contudo e ao
revés, a estática fora de sua função referencial não é mudança que se faça
muito menos se objetivo houver, significando isso, mais uma vez o determinante
e não a mudança com efetivo significado diante dos fatos. Ficar parado diante
de um copo de água não resolverá a sede.
A dedução mais
óbvia de se fazer é que a vida demanda determinação e que mudanças obedecem a
esse critério bastante válido para alcançar objetivos, se isso fosse suficiente,
e não é, porque daí se estabelece uma relação de compensação à outros desafios e efeitos,
onde o cansaço, por exemplo, pese mais do que a satisfação, as perdas pesem
mais do que os ganhos. Enquanto se ganha uma corrida um joelho saudável pode
estar se deteriorando.
Contemplada a
mudança e a determinação bem como a independência mútua que uma exerce sobre a
outra, tão natural quanto à vida levar à distinta morte, é possível
racionalmente isolar a mudança fora da suposição de sua necessária finalidade,
como um fato espontâneo sem invocar o chavão do casulo, da metamorfose biológica arquitetada por típicos períodos de encubação repetitivos ao exponente do infinito no padrão borboleta, mas o fruto da percepção, o que na filosofia socrática se registrou como
o “conhece-te a ti mesmo” e a réplica “e torna-te o que tu és” de Píndaro desembocando
na questão de Nietzsche: Como? Pense e pense bem, reclama Descartes:
O sem causa só
existe num mundo de determinações e propósitos, assim, o acaso deixa de existir
quando o homem é a perspectiva de si inacabada e, portanto, aberta ao tempo e
ao movimento insuspeito quanto a si no que se torna o que é ainda que sujeito à
angústia do indivisível e do irreconciliável. Mudança eterna e incessante
donde a individualidade exerce-se no trágico imensurável pela moral como a
maior das capacidades e o melhor dos afetos.
Jussara Paschoini
Nenhum comentário:
Postar um comentário