segunda-feira, 25 de junho de 2012

A MULHER, O SANGUE E O ABORTO







Considerando nossas origens culturais religiosas, a mulher que passou por um histórico tão marcado pela submissão e pala tacha de inferioridade, sempre foi , à beira da superfície, um convite à transgressão e não é à toa que Eva foi a primeira a conversar com a serpente e romper com o mundo idílico.

A fêmea sapiens não tem cio, tem período fértil, quando sangra, não concebe, tem o carma da besta, isso não te diz nada?

A besta é fruto de um cruzamento entre o jumento e uma égua ou de um cavalo e uma jumenta. Trata-se de um animal infértil em ambos os gêneros e também de um marcador da presença demoníaca no mundo. As mulas têm a peculiaridade de representar um risco natural aos filhotes de outros animais, pois, costumam matá-los. Gente da roça, sabe.

A associação da menstruação feminina à impureza biblicamente informada como imprópria à proximidade e ao toque, nada tem a ver com o que se possa coadunar com questões higiênicas ou riscos infecciosos apregoados por alguns comentaristas, trata-se do desvirtuamento da ordem natural, onde deixou de haver aviso para atração de machos com o fim único de conceber descendentes e conquistar território.

Eis a informação transgressiva da mulher por essência, um incômodo à estrutura geral do ciclo reprodutivo animal, informação compartilhada apenas por algumas espécies de primatas, e, não me pergunte por que, de morcegos.  Similaridade com morcego, único mamífero que voa, também na anatomia das asas, com relação ao braço humano. Talvez o elementar supra-humano na concepção de Drácula e Batman...

Retome-se então que dentre outros animais é na mulher que se encontra esse claro indício evolutivo de recusar o vínculo do sexo com a procriação, a oferta da maçã, o conhecimento do bem e do mal e a consequente possibilidade de escolha nos fatos da vida, custe o que custar, inclusive o paraíso.

Para fazer Nietzsche quiçá, revirar no túmulo, já que para ele a mulher tinha a primeira e última ocupação de gerar filhos robustos ao invés de arremedar os homens, é possível tocar melhor a moral dos poderosos e a moral dos escravos, e então observar que a essência feminina foi submetida à fragilização e fragmentada conduta, ou seja, a culpa impingida no sangue endometrial reduziu a mulher à sombra das instituições todas, num ser destinado a adular pela perpetuação genética os similares do orgulho nobre e da humildade servil.

Enquanto o homem fez uso do seu prático destino ao suor, a mulher ficou entre dois altares: o das santas e o das belas, e dois limbos: o das prostitutas e das feias. Nos altares a veneração, a maternidade, a família, todos os valores da honra, os motivos de orgulho ou humildade.

Nos limbos a humilhação, o desprezo, a chantagem e todos os e motivos de vergonha.

Mulher sempre útil, ou no altar ou no limbo para ser espelho de um mundo de homens encharcados em suor e esperma, produzindo filhos legítimos ou bastardos e talvez, com um pouco mais de sorte, frutos da paixão tão debatida pelos sábios.

Natureza de mulher, Nietzsche à parte, é transgressão à ordem natural, instinto de mulher é materno sim, mas antes disso criador, abusivo, traiçoeiro e desobediente e o filósofo só se aproxima disso quando reflete na mulher a felina de cio estacional.

Engana-se contudo, a tradição inibitória do que na mulher é natural, subjugando-a a culpa, aprisionando-a num senso de fidelidade qualquer, para que continue a ser meramente útil, quando o homem precisa mais do que isso para lutar, utilidade sem inspiração é como um penico na hora certa.

Desenhado este quadro religioso, psíquico e filosófico, podemos então situar a mulher reduzida a uma gravidez indesejada, muitas vezes desamparada de tudo, com a possibilidade jurídica de ser condenada, junto com um médico ou um aborteiro por crime tipificado na conduta de evitar o nascimento de embrião ou feto, antecipando sua retirada do ambiente uterino, na prática de aborto.

Primeiro há que se observar que o corpo da mulher a ela pertence, e se a natureza a liberta mensalmente de óvulos infecundos é dela o direito de se libertar também dos fecundos, pelo simples motivo de, no “carma da besta” que conquistou, ter a opção de negar a reprodução, conforme lhe couber, pela vontade.

De notar, porém, o quanto for propício a esta liberdade para que seja saudável em todos os níveis, tanto físico quanto emocional, mediante execução em tempo hábil ao transcurso estágio meramente embrionário da concepção, por que ultrapassado esse estágio correspondente aos três primeiros meses de gravidez, não só se multiplicam os riscos, como também, algo de cruel ficará caracterizado pelo início da formação sensorial do nascituro não desejado.

A descriminalização do aborto (artigo 125 e seguintes do Código Penal) e a abertura de sua prática mediante obrigatoriedade de acompanhamento médico adequado, preferencialmente público, correspondem a direito natural da mulher, muito diversamente do que intenta a visão patriarcal, a qual, por conseguinte, libera o masculino acerca de qualquer responsabilidade criminal relacionada à vida embrionária ou fetal, a menos que intervenha diretamente na interrupção dessa, o que muito rara e dificilmente ocorre.

O aborto legal é a consequência lógica e correta a se realizar a favor de mulher, para que se corrija uma falha contrária ao seu desejo de não conceber.

Afora isso, não menos ponderável é que se esclareça ao gênero feminino, desde cedo que a maternidade inerente a suas capacidades não é um impositivo para que desfrute de altares e que muito pelo contrário, pode levar ao desfrute dos limbos, lamentavelmente, nesse universo distorcido pela prática de um poder inócuo, onde preponderam necessidades vagas.

Do ponto de vista jurídico, incumbe registrar, por outro lado, que pelo princípio da razoabilidade, o ato público deve alcançar sua finalidade utilizando-se dos melhores meios e um assunto correlato, embora não correspondente ao direito natural da mulher de abortar, é o controle de natalidade, e este, melhor se executaria, não só pela oferta e orientação acerca de métodos anticonceptivos como também pela disponibilização facilitada de centros ambulatoriais de orientação e oferta de vasectomia.

A orientação e oferta de vasectomia em ambulatórios específicos para este fim em todas as regiões mais pobres do país, corresponderiam, primeiro a promover junto ao gênero masculino um maior senso de responsabilidade reprodutiva, bem como o abandono de tabus de masculinidade limitativos da liberdade de não conceber também do homem; e segundo a implementar um expediente médico muito mais simples e barato de esterilização para evitar que não apenas uma mas várias mulheres deixassem de conceber do vasectomizado.

Lembremos que na diferenciação dos sexos, a mulher tem óvulos aptos à concepção durante um curto período do mês, enquanto os espermatozoides estão sempre adequados à produção de rebentos, o que faz do homem um portador não apenas mais econômico posto depender de simples vasectomia, mas também mais eficaz em termos de controle de natalidade.

O outro método de esterilização é a laqueadura, consistente na interrupção da ligação das trompas com o útero, mas precisa ser feito em centro cirúrgico, é um procedimento de maior porte, demandando equipe com anestesista, aparelhagem e preventivos ao maior risco, sendo pois bem mais dispendioso aos cofres públicos, assim como o seria o aborto se legalizado e como são as constantes curetagens correntemente realizadas por conta de abortos praticados ilegalmente.

A prevenção educativa de qualidade acerca do uso de anticoncepcionais e a aplicação do princípio da razoabilidade na oferta amplamente difusa de orientação e método esterilizante menos dispendioso e mais eficaz (vasectomia), principalmente junto à população mais pobre, realizariam, talvez, junto com o sonho da casa própria, da escola melhor para menos filhos e da melhora da condição de vida, o controle de natalidade, interessante a todos, enquanto o mundo absorve e põe em prática os muitos conhecimentos e aperfeiçoamentos que vêm conquistando a favor de toda a humanidade e quem sabe, de um mundo melhor.

Jussara Paschoini



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