segunda-feira, 30 de julho de 2012

O PADRÃO E A REGRA





Quando se pensa na antiguidade ou no passado é mesmo lógico que nos orgulhemos das glórias conhecidas e das ignorâncias superadas. É bom notar, porém, com certa poesia que o ser humano do passado, sem qualquer instrumento, sem qualquer facilidade, com muito pouco ao alcance das mãos não foi apenas a base fundamental de tudo que temos na atualidade, mas contava com uma percepção da realidade inevitavelmente muito mais acurada, impossível, repita-se, impossível para o homem moderno.

Aliás, raízes científicas e culturais de valor, como o atomismo, o próprio direito romano e a bíblia, se encontram no período histórico de milênios atrás, não sendo incongruente dizer ter havido um hiato permeado por espasmos elucubradores entre a antiguidade propriamente dita e a modernidade. Muito tempo transcorreu e gerações se sucederam para interpretar e desvendar os frutos plantados pela pura percepção dos antigos.

Então, ao lançar olhos para o individualismo e a liberdade propostos pela meta presente graças aos avanços de toda a gama de pensamento simplificada e acessível nos veículos de comunicação em massa sem perder o valor de tão grandiosa evolução, se aponta para a capacitação humana no resguardo da autonomia e na consequente prática da solidariedade.

Não passa de sofisma compreender o indivíduo autônomo como ser isolado, mas nem por isso o antagonismo necessário ou mesmo acidental relacionando a heteronomia sutil das construções sociais típicas da fugacidade dos caprichos de consumo torna dispensável que se desenvolva o mais rápido possível, um importante compromisso coletivo, essencialmente para legitimar e tornar sólidos novos e mais bem estruturados vínculos.

A conquista do individualismo é hoje uma sobra de guerra cuja administração demanda muita força e requinte e isso significa validar potencias individuais a serviço do amor que une para a realização do bem comum, o sagrado ao convívio humano de qualidade.

Nesse terreno, é sublime suspender o confronto de valores e observar despretensiosamente o confronto de ações.  

Uma simplificação característica à tal intento pode ser encontrada em que já se teve informação de escritores de considerável nível ou pessoas com grande capacidade intelectual que passaram certos períodos de suas vidas em profissões que não dependem de muito raciocínio ou até não o manipulam tanto: vigilância condominial, varredura de rua etc., isso para não contar o fato de que a grandiosa arquitetura nada seria sem o antigo suor dos escravos e a atual disposição e capricho dos pedreiros.

Mais-valia à parte, a constituição física de quem provém do trabalho braçal é comprovada no sucesso esportivo de regra marcado pela presença de indivíduos das classes menos favorecidas pelas facilidades do capital e, a forma e resistência dos trabalhadores de rua muitas vezes superam clara e visivelmente os esforços quase religiosos de fisiculturistas anabolizados frequentes nas academias de ginástica.

É mesmo com esta visão vulgar ao requinte cabível a cada um, que possível se torna divisar o padrão de comportamento da regra com a finalidade de constatar que corrupção e burrice reiterados e registrados, não é mais o Estado o grande opressor da liberdade e do bem comum paralelo, mas o padrão de comportamento e a falta de compromisso decorrente das constantes e pouco significativas inovações de todo o tipo, o sustentáculo da precariedade institucional, inclusive e principalmente privada.

Note-se de passagem a mutualidade do público e do privado nos jogos do poder a que todos se submetem diariamente.

Não é que Givenchy e congêneres não tenham arte ou mérito ao criar ícones de moda acessíveis ao uso de diminuta parcela do globo terrestre, é que andar bem vestido é só uma parte do cabível em termos do convívio e desafio inerente ao humano.

Fato é que já existe declaração de direitos humanos, um sem número de leis e tratados cumpridos e por cumprir e o contingente populacional crescente se dedica a manter e criar padrões tão ou mais escravos do que qualquer decreto. O resultado são indivíduos supostamente livres, supostamente bem alimentados, supostamente belos, supostamente informados, supostamente ricos e estupidamente infelizes.

Neste contexto é conveniente invocar o grande cientista social Durkheim, apesar de este haver atuado a serviço do exercício da autoridade econômica e da imposição de disciplina social rígida. Houve por parte do estudioso investigação pormenor da questão do suicídio como uma decorrência “normal”, um típico acidente da vida em sociedade, vez que para ele o homem era produto desta, a sociedade.


Durkheim fala em suicídio egoísta, altruísta e anômico sendo o primeiro decorrente da apatia e da falta de vínculos, o segundo oriundo da força e da paixão heroica e o terceiro da decepção ou das desproporções entre as aspirações e as satisfações. É bastante visível que os padrões de suicídio aí observados possam transpassar e incorporar as transgressões do individuo contra a vida dos semelhantes também.

Ainda segundo Durkheim, o amor social produz os deuses de que necessitam os homens, os fenômenos sagrados e profanos, o respeito o devotamento e a adoração e com ele o fervor e exaltação da vida coletiva. Não deixa de ser verdade, mas o amor sem realização é mera potência e se sacrificar o indivíduo, continua a ser violência, circunstância para se perceber e trabalhar com todas as ferramentas disponíveis à vida num sentido particular mais independente do padrão e mais solidariamente dedicado ao coletivo.

Trocando em miúdos o ser humano padrão, poderia visualizar a troca conceitual pelo ser humano exemplar tanto ao manifestar reflexão quanto ao manifestar ação, conforme for a aptidão de suas escolhas e os compromissos que fizer e pelos quais responderá por própria vontade, deixando de servir, por conseguinte, à fome hierárquica da cadeia alimentar e passando a cooperar com o semelhante digna e igualmente comprometido.

A morte é mesmo uma constante na equação da vida e não fosse ela outras contradições limitariam diversas propostas evolutivas. Não há sujeito vivo sem renúncia e a arte ou o trabalho têm essa medida tensora para manter e renovar afetos e interesses, individuais e coletivos.

A questão entre o padrão e a regra é justamente não relaxar tal tensão a favor tanto da autonomia quanto do convívio, ambos fundamentais na relação entre a vontade, a decisão e a ação vital.

As partes constroem mesmo o todo e a qualidade da parede depende dos tijolos e da liga, simples assim.

Jussara Paschoini

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