terça-feira, 10 de julho de 2012

EDUCAÇÃO E OBRIGATORIEDADE PLURAL




            A educação é preocupação de quem é pai, mãe e de quem não é. A formação dos indivíduos conviventes na sociedade se distingue naquela decorrente dos vínculos naturais, sujeitas às peculiaridades familiares variáveis e a regime jurídico próprio com vistas a resguardar dependências de ordem física e moral na ordem ascendente e descendente, bem como naquela destinada a informar e qualificar a aptidão do indivíduo aos termos vigentes de civilidade.

          É de se registrar no momento histórico atual, um distúrbio visível entre pessoas em formação, passando desde o Bullying, pelo alcoolismo, consumo indiscriminado de drogas, gravidez precoce, depressão, obesidade infanto-juvenil etc., sendo bastante claro que tais problemas atingem todas as classes sociais, num alerta retumbante de que efetivamente há uma falha gigantesca e prejudicial nos parâmetros determinantes do ensino confiável, para além das fronteiras familiares.

          A família crente de ajustar a melhor educação possível dentro ou fora do ensino público vem experimentando diversos dissabores não condizentes com o esforço e dispêndios realizados nesse sentido e tanto o micro quanto o macrocosmo social experimenta amargos resultados de insegurança e desgosto.

            Não é mais possível ignorar o interesse público emergente da importância educacional, e para análise pertinente ao assunto, é básico que se tome o dispositivo nacional e constitucional relativo ao assunto para adequação exegética refletida.

              Dispõe o artigo 206, em seus incisos I, II, III e VII da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.

           O primeiro princípio constitucional trata da igualdade de condições para acesso e permanência na escola, não significando como se percebe desde logo que há igualdade entre as pessoas a serem focalizadas no ensino, mas que tanto o acesso quanto a permanência destas na escola devem ser tomados em consideração, assim como, deve-se beneficiar as diferenças, inclusive econômicas, para aplicação desse dispositivo norteador da ação governamental devedora do amparo a este direito fundamental, a educação.

           Trata-se de regra civil destinada a favorecer o que podemos tomar, na concepção de John Rawls, como oportunidade de desenvolvimento das capacidades morais de racionalidade e razoabilidade, enquanto elementares também do ato público perfeito.

            Segundo esta concepção pertinente a refletir a igualdade de condições para acesso e permanência na escola, a racionalidade concebe um bem, um projeto de vida e os meios para realizá-lo, enquanto que a razoabilidade concebe a propositura e aceitação de acordos justos na negociação de regras com ponderação e reciprocidade, com fulcro a conferir razão estratégica e civilidade ao indivíduo no desenvolvimento de suas capacidades morais.

           Sem foco no desenvolvimento das capacidades morais, tomadas a partir do indivíduo e para ele no convívio social, o primeiro princípio constitucional acerca do ensino é inócuo, na medida em que despreza o conteúdo próprio interessante ao educando, bem como a respetiva autonomia a se desenvolver, conforme se verá em prosseguimento ao raciocínio jurídico-constitucional.

          O segundo princípio trata da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, reporta-se a ampliar a cognição rumo ao pensamento, a arte e o saber no livre processo de aprendizado e ensino, sendo bastante lógico que tal liberdade não sirva a um único método, mas à amplitude e não menos que ela, na formação do indivíduo.

        A liberdade de aprender e ensinar não autoriza o diminutivo educacional e sim o aumentativo, a majoração informativa, a exposição de diversos pensamentos, diversas formas de arte, diversas manifestações do saber. A liberdade significa disponibilidade ilimitada de conteúdos no contexto educacional, na lógica cabível aos vários níveis de sua evolução.

           O terceiro princípio que trata do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições publicas e privadas de ensino, a exemplo do segundo, deve ser visto à luz do disposto pelo último principio aplicável ao ensino, constante do inciso VII do artigo 206, já transcrito, que é a garantia de padrão de qualidade, enquanto arremate salutar a determinar a possibilidade e o dever estatal de intervir em termos qualitativos.

            A educação é ciência de formação cognitiva, já se tendo notado que a capacidade moral é interesse fundamental do ensino pela racionalidade e razoabilidade apontadas por John Rawls para a formação de indivíduos autônomos diante de conteúdos a se maximizar.

         Nesse contexto, é muito relevante preconizar a evolução de métodos de ensino experimentados e consagrados cientificamente como mais eficazes aos objetivos colimados pelos princípios constitucionais do ensino, quer dizer, a liberdade de conteúdo e o pluralismo de ideias não se aplicam tão facilmente, não são importantes em concepções pedagógicas discordes de tais princípios, portanto há que se distinguir o pluralismo de ideias do cabimento irrestrito de qualquer concepção pedagógica, evitando contradição dos temas, conforme dispostos na carta magna.

         Do mesmo modo como a medicina ultrapassou a teoria dos miasmas, a pedagogia ultrapassou a noção autoritária do ensino, fixando o melhor parâmetro científico na disponibilização racional e razoável de um múltiplo saber mediante interação ativa do educando, significando abolir e desprezar definitivamente a repressão e a manipulação do comportamento.

        A tarefa de educar, dentro dos termos constitucionais, não é simples, exige mesmo qualificação e intervenção do Estado, pela adoção de métodos compatíveis, donde há que se reconhecer o mérito piagetiano em termos de representar uma excelente visão, compatível com a aplicação dos já descritos princípios, isso sem desconsiderar similares como Kohlberg e Montessori, porque partem da premissa de estimular a espontaneidade do intelecto, de construir categorias de pensamento permitindo liberdade de conteúdo como instrumental evolutivo da aprendizagem, valorizando conflitos resultantes ao invés de permanecer na mera transmissão de conhecimentos limitante da reorganização própria das assimilações válidas.

         A figura do disciplinador “generoso” deve ser urgentemente substituída pela figura do estimulador da autodisciplina, observando-se o privilégio da interação, cooperação e intercâmbio como forma de promover o ajuste de desigualdades em consonância com o necessário no contexto educacional. Nesse sentido a atualidade aponta para as modernas composições lúdicas (games educativos tendentes a ser especialmente desenvolvidos), bastante adequadas por permitirem a soma de aprendizado com diversão num esquema de confrontos estimulantes interessantes ao conflito cognitivo interativo, sem o peso muitas vezes agressivo da competitividade esportiva, a qual, nem por isso, deixa de ser relevante no instrumental a se disponibilizar ao incentivo criativo, inventivo e descobridor do aluno.

         Não se pode perder de vista a necessidade de tornar o educando apto a agir como deve, sem a necessidade de ameaças externas, ao mesmo tempo em que se o torna capaz de se submeter aos ditames de ordem coletiva, dando ensejo ao convívio pluralista sob qualquer ângulo, social, cultural, religioso, político etc.. Estabelece-se um liame contatual entre o indivíduo e concepções mais abrangentes mediante razoabilidade, instituindo uma interface salutar a multiplicidade de ideias.

           A sala de aula e as carteiras não podem e nem devem aprisionar os alunos e o silêncio só é imponente para reflexão e ocorre naturalmente, conforme se tornar importante ou fundamental. A discussão e o diálogo são veículos tão ou mais relevantes que a leitura e a escrita, essenciais ao aprendizado.

      John Rawls propõe uma escola multicultural conciliada com a democracia e o liberalismo, buscando equilibrar o universalismo transcendental e as restrições particularistas, fixando os seguintes valores: liberdades básicas, igualdade de oportunidades e deliberações baseadas em procedimentos justos.

         O Estado deve lançar um longo olhar a esta muitíssimo compatível visão prática e aplicativa dos princípios constitucionais definidos para a educação, com a finalidade de que esta assuma seu papel efetivamente formador, de acordo com as exigências da atual evolução histórica, para que não se percam conquistas do passado e nem se sacrifique o futuro em nome de uma acomodação estúpida diante do imprescindível.

        Uma boa educação não precisa ser dispendiosa se contar com educadores bem formados ao exercício do acesso e permanência nas escolas, realizando critérios de avaliação crítica compreensível e estimulante ao educando, ao invés de cifras de marcação lotérica textadas no horror dos atuais expedientes do tipo ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio) e congêneres do meio educacional.

       Nada desafia mais e positivamente um ser em estado natural de evolução do que a descoberta de si mesmo e a consciência dos desígnios próprios em moldes resultantes da capacidade moral no convívio livre e ajustável de diversas percepções.

        Há elementos para que o Estado opine qualitativamente em termos de educação e para que não só ofereça como também exija um padrão de qualidade a todas as instituições de ensino públicas e privadas, estabelecendo, inclusive e se for o caso, mediante elaboração por pessoal especializado presente no país (já que aqui se exerce o magistério por amor), de um módulo de treinamento, instrumental e conteúdo para facilitar a implantação de um sistema de ensino que melhor atenda às constitucionalidades. É preciso implantar disponibilidades e incentivos.

        Visto este aspecto relevante ao norte de uma fundamentada ação governamental, cumpre então evocar o pluralismo como o substrato histórico capaz de deslocar ao humano o valor que vem sendo relegado há milênios pela preponderância do materialismo insurgente na resposta comunista ou mesmo no relativismo pós-moderno sob a ótica das diferenças irredutíveis e da política sem consenso e separatista.

         E não há nada por ora mais emocionante do que citar o honroso jurista Miguel Reale que dedicou uma obra ao assunto: “Pluralismo e liberdade”, apartando para destaque as seguintes frases:

“pluralismo das filosofias coexistentes e das opiniões e teorias políticas pacificamente contrastantes no diálogo fecundo possibilitado pela convicção do valor radical da pessoa humana e de que ‘ o limite da liberdade só pode ser outra liberdade’.”

“liberdade política só é legítima quando se concilia com a diversidade infinita do ser humano, inspirando e condicionando o colóquio vivificante e pacífico de um mundo plural.”

       Frise-se o valor radical da pessoa humana, o limite da liberdade em outra liberdade e um mundo plural.

        Assim, melhor do que propaganda eleitoral gratuita e filme do super-homem, melhor do que casamento gay, melhor do que voto livre e que Coca-Cola com embalagem reciclável e tudo mais que puder ser pensado, é que a educação cumpra a finalidade e o interesse público de ampliar horizontes e ensejar a justiça social, de acordo mesmo com a proposta constitucional vigente em nosso país.

Jussara Paschoini







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