Desde 1977 os
serviços de saúde prestados pelo governo se vinculavam ao extinto INAMPS (Instituto
Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), qual seja, saúde e
previdência social eram vinculadas, disto decorrendo que o serviço público de
saúde era organizado para atender os trabalhadores com registro em carteira e
contribuintes da previdência social. Somente em 1993 o INAMPS foi
definitivamente excluído como órgão do governo, sendo certo que desde o advento
da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), os serviços de saúde
pública ficaram a encargo do Sistema Único de Saúde (SUS) o qual divide
serviços médicos na esfera federal, estadual e municipal bem como incorpora as
Vigilâncias Sanitária Epidemiológica e Ambiental, sendo certo que em apartado
ficou o órgão previdenciário INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social).
Frise-se que
na vigência do INAMPS quem não era contribuinte da previdência social ficava
sujeito ao atendimento em entidades filantrópicas, como a pedra fundamental do
atendimento médico em São Paulo, a Santa Casa de Misericórdia.
Já o Hospital
das Clínicas, fundado em 1944, possuiu destinação mais vinculada então aos
atendimentos do INAMPS.
Em São Paulo,
pelo menos, em virtude da ampla vinculação dos serviços de saúde pública e o
ensino médico nas faculdades relacionadas, durante muito tempo, o atendimento
público à saúde teve a qualificação não apenas de servir ao desenvolvimento da
prática médica, mas de funcionar como um trabalho multidisciplinar pautado pela
intensa observação e discussão dos casos vinculados, disso resultando não
apenas um ótimo atendimento como também o desenvolvimento de profissionais de
gabarito considerável. Nenhuma grande expressão da medicina atual deixou de
passar pelas instituições públicas de atendimento à saúde, quer no período de
residência médica, quer na fase de especialização profissional.
O contingente
populacional crescente e a prática vinculação dos serviços médicos aos
objetivos de execução e aperfeiçoamento do ensino associado conduziu a que
houvesse sempre demora no atendimento público à saúde, numa situação que se
agravou cada vez mais com o passar dos anos, levando a população a desenvolver
gradualmente uma grande insatisfação e repulsa ao atendimento disponibilizado
pelo governo.
Observe-se
que para adequar parte da demanda dos serviços devidos pelo INAMPS, além dos
hospitais da rede pública e das instituições filantrópicas, diversos hospitais
particulares passaram a se conveniar ao governo para operar atendimento à
população respectiva, ou seja, o governo contratou serviços privados para os
contribuintes da previdência social.
O advento a
Constituição de 1988 e a desvinculação da previdência social com relação ao
direito ao atendimento público de saúde caracterizou um sensível desvirtuamento
na demanda quantitativa de atendimento e na disponibilidade pecuniária para
remuneração dos serviços médicos vinculados e contratados pelo governo, conduzindo
a que, quando da prática extinção definitiva do INAMPS, em 1993, as
instituições privadas em efeito cascata debandassem de prestar atendimento
público á saúde.
Nesse
interim, já se iniciava, a princípio como parte de um ideal “baú da
felicidade”, os denominados planos de saúde, não obstante já existissem
associações voltadas a assegurar atendimento médico global mediante
contribuição ou prêmio financiado de forma particular.
Exemplificativamente,
teríamos a tradicional Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas e o
desaparecido CLAM, que integrava, conforme já se disse, os ideais do “baú da
felicidade”.
A conjuntura
de necessidades públicas insatisfeitas e o interesse particular em atrair a
prestação de serviços, fez desenvolver diversas formas dos denominados planos
de saúde, em pequenas e médias empresas com serviços médico-hospitalares
próprios e ou contratados, em cooperativas médicas de grande porte, como é o
caso da UNIMED, em instituições financeiras de expressão securitária, como, por
exemplo, a Bradesco Saúde e etc.
Deve ser
aberto um parêntese para evidenciar a complexidade dos serviços hospitalares em
qualquer esfera, pública ou privada, observando que o serviço deve funcionar 24
horas, os empregados trabalham geralmente em jornada especial de 12 horas de
trabalho por 36 de descanso, a hora extra por disposição cristalizada em acordo
coletivo é remunerada a 100%, devem ser mantidas comissões de ética médica e
controle de infecção hospitalar entre outras, são sempre corresponsáveis por qualquer
ato de negligência, imprudência e imperícia ocorrido em suas dependências, com
raríssimas ressalvas.
Pautadas pela
liberdade de contratar as empresas de plano de saúde desenvolveram forma
lucrativa de integrar atendimento médico ampliado pela administração de
recursos coletivos, disponibilizando serviços e estabelecendo carências e
exclusões de cobertura, o que, pelo menos teoricamente, remetia aos serviços de
atendimento de saúde governamental boa parte dos procedimentos médicos de maior
complexidade.
Não tardou a
que se observasse um considerável desequilíbrio na relação entre o povo, os
planos de saúde e o governo, donde resultou e frise-se, resultou, o povo
desamparado em suas necessidades totais, ainda que, de certo modo, confortados
pela melhor qualidade de boa parte dos serviços particulares dos planos de
saúde.
Então como
sempre soa acontecer nos oportunismos guardados na ação do poder, criou-se uma
inimizade pública contra os serviços dos planos de saúde, e obviamente no blefe
social democrático exercido por alguns políticos nasceu intrépida e faceira a
intervenção vingadora, a qual redirecionou poderes estatais para uma autarquia,
mediante delegação governamental para regulamentar e fiscalizar a visada iniciativa
privada e devolver ao Estado o resultado de sua incompetência em gerir serviços
médicos.
A lei
9656/98, além de obrigar os serviços privados a um esquema de elaboração
atuarial “supervisionada”, à cobertura indistinta de todas as doenças e
quantitativos correlatos em consultas, exames e internação, à limitação de
carência (ou período de cobertura parcial temporária) no período máximo de dois
anos apenas no caso de lesão ou doença preexistente, determinou que os planos
de saúde cadastrassem junto ao governo a identificação de seus associados para
ensejar que o mesmo recobrasse da carteira dos planos, o atendimento prestado
pelo Sistema Único de Saúde (artigo 32 da Lei 9.656/98).
Assim, uma
pessoa acidentada no trânsito, por exemplo, levada ao serviço de atendimento
público, para uma internação de prazo indeterminado, caso tenha plano de saúde,
terá os serviços que receber porque paga impostos ao governo, recobrados desse
mesmo plano, mediante aplicação de uma tabela denominada TUNEP (Tabela Única
Nacional de Equivalência de Procedimentos). Os valores são cobrados e
revertidos para participar do sustento da Agência Nacional de Saúde
Suplementar-ANS, uma autarquia a quem se delegaram poderes (cabíveis e
constitucionalmente praticáveis pelo legislativo) , para regulamentar os planos
de saúde.
Apenas para
constar, as inconstitucionalidades decorrentes tanto do repasse de deveres
públicos constantes do artigo 32 da Lei 9656/98, como a delegação de poderes
legislativos indiscriminados para uma autarquia, foram objeto de AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, engavetada nos liames burocratizados convenientemente
pelo governo da época.
Não é que os
planos de saúde não devessem ser regulamentados, é que deviam receber uma
regulamentação racional, plausível a melhorar e ampliar o atendimento à saúde,
e o que aconteceu foi bem o contrário, pelo simples fato de que a espada
vingadora eliminou grande parte do interesse privado em investir e oprimiu
indelevelmente os recursos disponíveis no setor privado transferindo-o para uma
autarquia de poderes limitados pela inconsequência, já que não se pode “matar a
galinha dos ovos de ouro”.
As operadoras
de pequeno e médio porte, geralmente ofertantes de serviços médico-hospitalares
próprios, em sua maioria, liquidaram a atividade de plano de saúde,
transferindo a carteira de beneficiários para outras operadoras, num ciclo
sucessivo onde o conteúdo e a capacidade dos serviços foram sendo diluídas à
revelia de quem pagava, muitas vezes sem ter mais qualquer serviço disponível.
Fato é que a
operadora privada de plano de saúde, a exemplo do próprio governo, passou a
cortar gastos, diminuir a rede credenciada, principalmente porque não oferece
remuneração compatível com os serviços exigidos, os quais acabaram e ou acabam
por debandar, natural e logicamente da prestação contratada e impossível de ser
coercitiva. Resultado, dois gumes, dois feridos, tiro pela culatra mais uma vez
e diversos mortos e machucados sem atendimento.
A tendência
não é melhorar. Não tem multa aplicável que obrigue o setor privado a investir
sem a contrapartida do rendimento adequado a compensar riscos e remunerar a
qualidade dos serviços.
A lamentável
conjuntura encareceu o dispêndio da pequena parcela da sociedade com condições
para manter um plano de saúde e fez decrescer em contundente visão a qualidade
dos serviços disponíveis, apenas para remunerar mais um órgão de manipulação
política, na prática, um desvirtuador de contornos tão providos de desfaçatez
quanto o objeto de sua origem reacionária.
Não se
transfere deveres públicos pelo simples aproveitamento das insatisfações
populares ou pelo uso teatral e eleitoreiro de uma “espada justiceira”. O
interesse desta estirpe deve continuar vinculado aos princípios de legalidade,
razoabilidade, indelegabilidade, impessoalidade e moralidade do ato de governo
legitimado, circunstância que os milionários preferem desconsiderar.
Não se pode
perder de vista, em todo esse contexto que o principal elementar do atendimento
à saúde é a medicina e que a individualização do atendimento, a discussão, a
interação prática do ensino médico bem direcionado e presidido não só pode como
deve tornar menos rápida e mais eficiente a prestação de serviços.
Deste modo e
não obstante, a retidão e acerto das condutas praticadas tanto preventiva
quanto curativamente podem ser compensadores o suficiente para substituir o
atual estado de confusão e desperdício lamentavelmente assediador de tão
fundamental dever estatal, em consonância com o disposto pelo artigo 196 da
Constituição: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a
promoção, proteção e recuperação.”
Jussara Paschoini
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