segunda-feira, 16 de julho de 2012

A INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL NOS PLANOS DE SAÚDE E A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS)






Desde 1977 os serviços de saúde prestados pelo governo se vinculavam ao extinto INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), qual seja, saúde e previdência social eram vinculadas, disto decorrendo que o serviço público de saúde era organizado para atender os trabalhadores com registro em carteira e contribuintes da previdência social. Somente em 1993 o INAMPS foi definitivamente excluído como órgão do governo, sendo certo que desde o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), os serviços de saúde pública ficaram a encargo do Sistema Único de Saúde (SUS) o qual divide serviços médicos na esfera federal, estadual e municipal bem como incorpora as Vigilâncias Sanitária Epidemiológica e Ambiental, sendo certo que em apartado ficou o órgão previdenciário INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social).

Frise-se que na vigência do INAMPS quem não era contribuinte da previdência social ficava sujeito ao atendimento em entidades filantrópicas, como a pedra fundamental do atendimento médico em São Paulo, a Santa Casa de Misericórdia.

Já o Hospital das Clínicas, fundado em 1944, possuiu destinação mais vinculada então aos atendimentos do INAMPS.

Em São Paulo, pelo menos, em virtude da ampla vinculação dos serviços de saúde pública e o ensino médico nas faculdades relacionadas, durante muito tempo, o atendimento público à saúde teve a qualificação não apenas de servir ao desenvolvimento da prática médica, mas de funcionar como um trabalho multidisciplinar pautado pela intensa observação e discussão dos casos vinculados, disso resultando não apenas um ótimo atendimento como também o desenvolvimento de profissionais de gabarito considerável. Nenhuma grande expressão da medicina atual deixou de passar pelas instituições públicas de atendimento à saúde, quer no período de residência médica, quer na fase de especialização profissional.

O contingente populacional crescente e a prática vinculação dos serviços médicos aos objetivos de execução e aperfeiçoamento do ensino associado conduziu a que houvesse sempre demora no atendimento público à saúde, numa situação que se agravou cada vez mais com o passar dos anos, levando a população a desenvolver gradualmente uma grande insatisfação e repulsa ao atendimento disponibilizado pelo governo.

Observe-se que para adequar parte da demanda dos serviços devidos pelo INAMPS, além dos hospitais da rede pública e das instituições filantrópicas, diversos hospitais particulares passaram a se conveniar ao governo para operar atendimento à população respectiva, ou seja, o governo contratou serviços privados para os contribuintes da previdência social.


O advento a Constituição de 1988 e a desvinculação da previdência social com relação ao direito ao atendimento público de saúde caracterizou um sensível desvirtuamento na demanda quantitativa de atendimento e na disponibilidade pecuniária para remuneração dos serviços médicos vinculados e contratados pelo governo, conduzindo a que, quando da prática extinção definitiva do INAMPS, em 1993, as instituições privadas em efeito cascata debandassem de prestar atendimento público á saúde.

Nesse interim, já se iniciava, a princípio como parte de um ideal “baú da felicidade”, os denominados planos de saúde, não obstante já existissem associações voltadas a assegurar atendimento médico global mediante contribuição ou prêmio financiado de forma particular.

Exemplificativamente, teríamos a tradicional Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas e o desaparecido CLAM, que integrava, conforme já se disse, os ideais do “baú da felicidade”.

A conjuntura de necessidades públicas insatisfeitas e o interesse particular em atrair a prestação de serviços, fez desenvolver diversas formas dos denominados planos de saúde, em pequenas e médias empresas com serviços médico-hospitalares próprios e ou contratados, em cooperativas médicas de grande porte, como é o caso da UNIMED, em instituições financeiras de expressão securitária, como, por exemplo, a Bradesco Saúde e etc.

Deve ser aberto um parêntese para evidenciar a complexidade dos serviços hospitalares em qualquer esfera, pública ou privada, observando que o serviço deve funcionar 24 horas, os empregados trabalham geralmente em jornada especial de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, a hora extra por disposição cristalizada em acordo coletivo é remunerada a 100%, devem ser mantidas comissões de ética médica e controle de infecção hospitalar entre outras, são sempre corresponsáveis por qualquer ato de negligência, imprudência e imperícia ocorrido em suas dependências, com raríssimas ressalvas.

Pautadas pela liberdade de contratar as empresas de plano de saúde desenvolveram forma lucrativa de integrar atendimento médico ampliado pela administração de recursos coletivos, disponibilizando serviços e estabelecendo carências e exclusões de cobertura, o que, pelo menos teoricamente, remetia aos serviços de atendimento de saúde governamental boa parte dos procedimentos médicos de maior complexidade.

Não tardou a que se observasse um considerável desequilíbrio na relação entre o povo, os planos de saúde e o governo, donde resultou e frise-se, resultou, o povo desamparado em suas necessidades totais, ainda que, de certo modo, confortados pela melhor qualidade de boa parte dos serviços particulares dos planos de saúde.

Então como sempre soa acontecer nos oportunismos guardados na ação do poder, criou-se uma inimizade pública contra os serviços dos planos de saúde, e obviamente no blefe social democrático exercido por alguns políticos nasceu intrépida e faceira a intervenção vingadora, a qual redirecionou poderes estatais para uma autarquia, mediante delegação governamental para regulamentar e fiscalizar a visada iniciativa privada e devolver ao Estado o resultado de sua incompetência em gerir serviços médicos.

A lei 9656/98, além de obrigar os serviços privados a um esquema de elaboração atuarial “supervisionada”, à cobertura indistinta de todas as doenças e quantitativos correlatos em consultas, exames e internação, à limitação de carência (ou período de cobertura parcial temporária) no período máximo de dois anos apenas no caso de lesão ou doença preexistente, determinou que os planos de saúde cadastrassem junto ao governo a identificação de seus associados para ensejar que o mesmo recobrasse da carteira dos planos, o atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (artigo 32 da Lei 9.656/98).

Assim, uma pessoa acidentada no trânsito, por exemplo, levada ao serviço de atendimento público, para uma internação de prazo indeterminado, caso tenha plano de saúde, terá os serviços que receber porque paga impostos ao governo, recobrados desse mesmo plano, mediante aplicação de uma tabela denominada TUNEP (Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos). Os valores são cobrados e revertidos para participar do sustento da Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS, uma autarquia a quem se delegaram poderes (cabíveis e constitucionalmente praticáveis pelo legislativo) , para regulamentar os planos de saúde.

Apenas para constar, as inconstitucionalidades decorrentes tanto do repasse de deveres públicos constantes do artigo 32 da Lei 9656/98, como a delegação de poderes legislativos indiscriminados para uma autarquia, foram objeto de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, engavetada nos liames burocratizados convenientemente pelo governo da época.

Não é que os planos de saúde não devessem ser regulamentados, é que deviam receber uma regulamentação racional, plausível a melhorar e ampliar o atendimento à saúde, e o que aconteceu foi bem o contrário, pelo simples fato de que a espada vingadora eliminou grande parte do interesse privado em investir e oprimiu indelevelmente os recursos disponíveis no setor privado transferindo-o para uma autarquia de poderes limitados pela inconsequência, já que não se pode “matar a galinha dos ovos de ouro”.

As operadoras de pequeno e médio porte, geralmente ofertantes de serviços médico-hospitalares próprios, em sua maioria, liquidaram a atividade de plano de saúde, transferindo a carteira de beneficiários para outras operadoras, num ciclo sucessivo onde o conteúdo e a capacidade dos serviços foram sendo diluídas à revelia de quem pagava, muitas vezes sem ter mais qualquer serviço disponível.

Fato é que a operadora privada de plano de saúde, a exemplo do próprio governo, passou a cortar gastos, diminuir a rede credenciada, principalmente porque não oferece remuneração compatível com os serviços exigidos, os quais acabaram e ou acabam por debandar, natural e logicamente da prestação contratada e impossível de ser coercitiva. Resultado, dois gumes, dois feridos, tiro pela culatra mais uma vez e diversos mortos e machucados sem atendimento.

A tendência não é melhorar. Não tem multa aplicável que obrigue o setor privado a investir sem a contrapartida do rendimento adequado a compensar riscos e remunerar a qualidade dos serviços.

A lamentável conjuntura encareceu o dispêndio da pequena parcela da sociedade com condições para manter um plano de saúde e fez decrescer em contundente visão a qualidade dos serviços disponíveis, apenas para remunerar mais um órgão de manipulação política, na prática, um desvirtuador de contornos tão providos de desfaçatez quanto o objeto de sua origem reacionária.

Não se transfere deveres públicos pelo simples aproveitamento das insatisfações populares ou pelo uso teatral e eleitoreiro de uma “espada justiceira”. O interesse desta estirpe deve continuar vinculado aos princípios de legalidade, razoabilidade, indelegabilidade, impessoalidade e moralidade do ato de governo legitimado, circunstância que os milionários preferem desconsiderar.

Não se pode perder de vista, em todo esse contexto que o principal elementar do atendimento à saúde é a medicina e que a individualização do atendimento, a discussão, a interação prática do ensino médico bem direcionado e presidido não só pode como deve tornar menos rápida e mais eficiente a prestação de serviços.

Deste modo e não obstante, a retidão e acerto das condutas praticadas tanto preventiva quanto curativamente podem ser compensadores o suficiente para substituir o atual estado de confusão e desperdício lamentavelmente assediador de tão fundamental dever estatal, em consonância com o disposto pelo artigo 196 da Constituição: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação.”

Jussara Paschoini


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