segunda-feira, 23 de julho de 2012

O CORINGA NÃO VAI AO CINEMA






Pensar em um vilão interessante seria assustador sem o paralelo do herói ou do mocinho a contrastar e diminuir com golpes fatais a magnitude da figura, aquela incorporada nos nossos piores medos. Dentro do espaço ideal o vilão é figura necessária, é o desafio à ordem, o elemento destruidor que provoca o caos e a reconstrução que se segue, para uma pelo menos suposta renovação, é a escuridão sem a qual o iluminado não aparece.

Na realidade não há vilão, há o sociopata, sangue, dor, invasão, estupidez e, afora isso, inconsequência. Sim, porque, de fato, o assassino em concreto, não foi criado para ser combatido pelo mocinho ou pelo herói, para perder ou vencer, ele existe para si mesmo numa vida ao contrário, num ímpeto de morte, bem diferente do que se contrapõe, às vezes, de modo muito válido, às verdades santificadas pela moral.

O “Coringa” é um vilão interessantíssimo, inspirado na figura de um jogo de cartas, um oportunista das regras, alguém que representa a vantagem tirada da sorte e que revira o jogo sem qualquer motivo, pelo simples fato de aparecer, então, representa o desafio, o empecilho a ser superado pela inteligência, pela estratégia e pela força consciente.

O sociopata do mundo real é desinteressante, não aparece porque precisa se ocultar mesmo que numa bela imagem, não tem uma ideia passível de ser considerada verdadeira ou falsa, para a qual caiba interpretação, mas uma trapaça que por mais sofisticada que seja não tem sentido e nem perspectiva. Trata-se apenas de destruição, muito pior e mais passível de ser renegada do que aquela que um rato solto pela casa pode provocar ao roer diversos objetos do apreço de seu proprietário.

O sociopata e o “Coringa” , ambos são incômodos, a diferença está nas perspectivas entre o sem resposta e a resposta desafiadora, respectivamente.

No mundo real, onde os sociopatas existem com diferentes graus de morbidade na produção de inconsequências pessoais e desastres sociais, há duas circunstâncias típicas à consideração do tipo, além, é claro, de sua proximidade pessimista ao instinto roedor em matéria de destruição: a culpa e a mentira.

A psiquiatria há muito se dedica a pesquisar o cérebro dos criminosos, realizando constatações no sentido de que alterações, principalmente do lobo frontal com possíveis coadjuvantes límbicas, seriam um indício funcional neurológico da criminalidade, vez que as lesões ou falhas no metabolismo neural destas áreas encontrariam associação com o comportamento sociopata, em virtude principalmente de ocorrer diante da função julgadora, emocional e mnemônica das produções mentais aí descobertas como presentes.

As inúmeras pesquisas destinadas a desvendar o que poderia ser considerado doença, pressupõem fundamentalmente a ausência de culpa no processamento dos fatos pelo sociopata, disso resultando sua condição irrefutável, já que não se determina serem os achados cerebrais causa ou efeito do ambiente mais ou menos injusto da procedência do indivíduo assim observado.

O binômio culpa e punição não significa que haja uma relação matemática entre estas, principalmente quando o assunto é humano, todavia, o maior percentual de lesões ou deficiências neurais de áreas afetas ao julgamento em sociopatas advindos da submissão a ambientes marcados por maior grau de violência e abuso, pode levar a crer numa possível somatização do medo, com consequente insensibilidade, inclusive à culpa.

Somático ou não o medo sociopata é sempre humilhante, ou seja, por maior que seja o requinte e a crueldade da ação sem instinto e mórbida, ela nada tem para ser avaliada que não caia no fútil e sem sentido.

Não é no elemento culpa, contudo, que se ataca adequadamente o sequer delírio do irrefutável pela ausência de rumo do sociopata, mas pela mentira, a qual, no caso, não é o oposto da verdade ou o falso, nem o moralmente não aceito como válido ou existente, mas sim o sofisticado representante da impotência, crente no domínio do inerte, morto num aparelho físico insustentável e sedento de companheiros tão incapazes quanto ele de sentir o calor do inferno ou o que o valha.

Já se ouviu assassinos contumazes dizerem sentir alívio quando matam. Nada sentem, talvez percebam sim, e de modo fugaz, o induzido fato de não estarem sós quando contagiam de modo pusilânime a própria falta de vontade pela deturpação da vontade alheia, inclusive de viver, pelo assassinato destemperado.

É mister no “silêncio dos inocentes” que a imbecilidade sensacionalista pare de tratar esses seres sem remédio ou antídoto como rebeldes ou vilões, quando não passam de mentira, engodo perigoso, infecção de raciocínio producente de danos irreversíveis, principalmente a embasbacados invejosos descendentes de menor torpeza apenas porque terminam revelando um ineficaz e psicótico arrependimento.

Personagens reais ou fictícios não existem ou deixam de existir para assistir a si mesmos, fazem parte de algum enredo vindo da capacidade de viver e não é plausível que se atribua comparativo disso aos autores macabros e repetitivos da própria morte seja qual for a arma, o motivo, o alvo ou a companhia, e é por isso que os predadores estão na selva e o “Coringa” não vai ao cinema.

Jussara Paschoini

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