Pensar em um
vilão interessante seria assustador sem o paralelo do herói ou do mocinho a
contrastar e diminuir com golpes fatais a magnitude da figura, aquela
incorporada nos nossos piores medos. Dentro do espaço ideal o vilão é figura
necessária, é o desafio à ordem, o elemento destruidor que provoca o caos e a
reconstrução que se segue, para uma pelo menos suposta renovação, é a escuridão
sem a qual o iluminado não aparece.
Na realidade
não há vilão, há o sociopata, sangue, dor, invasão, estupidez e, afora isso,
inconsequência. Sim, porque, de fato, o assassino em concreto, não foi criado
para ser combatido pelo mocinho ou pelo herói, para perder ou vencer, ele
existe para si mesmo numa vida ao contrário, num ímpeto de morte, bem diferente
do que se contrapõe, às vezes, de modo muito válido, às verdades santificadas
pela moral.
O “Coringa” é
um vilão interessantíssimo, inspirado na figura de um jogo de cartas, um
oportunista das regras, alguém que representa a vantagem tirada da sorte e que
revira o jogo sem qualquer motivo, pelo simples fato de aparecer, então,
representa o desafio, o empecilho a ser superado pela inteligência, pela
estratégia e pela força consciente.
O sociopata do
mundo real é desinteressante, não aparece porque precisa se ocultar mesmo que
numa bela imagem, não tem uma ideia passível de ser considerada verdadeira ou
falsa, para a qual caiba interpretação, mas uma trapaça que por mais
sofisticada que seja não tem sentido e nem perspectiva. Trata-se apenas de
destruição, muito pior e mais passível de ser renegada do que aquela que um rato
solto pela casa pode provocar ao roer diversos objetos do apreço de seu
proprietário.
O sociopata e o
“Coringa” , ambos são incômodos, a diferença está nas perspectivas entre o sem
resposta e a resposta desafiadora, respectivamente.
No mundo real,
onde os sociopatas existem com diferentes graus de morbidade na produção de
inconsequências pessoais e desastres sociais, há duas circunstâncias típicas à
consideração do tipo, além, é claro, de sua proximidade pessimista ao instinto
roedor em matéria de destruição: a culpa e a mentira.
A psiquiatria
há muito se dedica a pesquisar o cérebro dos criminosos, realizando
constatações no sentido de que alterações, principalmente do lobo frontal com
possíveis coadjuvantes límbicas, seriam um indício funcional neurológico da
criminalidade, vez que as lesões ou falhas no metabolismo neural destas áreas
encontrariam associação com o comportamento sociopata, em virtude
principalmente de ocorrer diante da função julgadora, emocional e mnemônica das
produções mentais aí descobertas como presentes.
As inúmeras
pesquisas destinadas a desvendar o que poderia ser considerado doença,
pressupõem fundamentalmente a ausência de culpa no processamento dos fatos pelo
sociopata, disso resultando sua condição irrefutável, já que não se determina serem
os achados cerebrais causa ou efeito do ambiente mais ou menos injusto da
procedência do indivíduo assim observado.
O binômio culpa
e punição não significa que haja uma relação matemática entre estas,
principalmente quando o assunto é humano, todavia, o maior percentual de lesões
ou deficiências neurais de áreas afetas ao julgamento em sociopatas advindos da
submissão a ambientes marcados por maior grau de violência e abuso, pode levar
a crer numa possível somatização do medo, com consequente insensibilidade,
inclusive à culpa.
Somático ou não
o medo sociopata é sempre humilhante, ou seja, por maior que seja o requinte e
a crueldade da ação sem instinto e mórbida, ela nada tem para ser avaliada que
não caia no fútil e sem sentido.
Não é no
elemento culpa, contudo, que se ataca adequadamente o sequer delírio do
irrefutável pela ausência de rumo do sociopata, mas pela mentira, a qual, no
caso, não é o oposto da verdade ou o falso, nem o moralmente não aceito como
válido ou existente, mas sim o sofisticado representante da impotência, crente
no domínio do inerte, morto num aparelho físico insustentável e sedento de
companheiros tão incapazes quanto ele de sentir o calor do inferno ou o que o
valha.
Já se ouviu
assassinos contumazes dizerem sentir alívio quando matam. Nada sentem, talvez
percebam sim, e de modo fugaz, o induzido fato de não estarem sós quando
contagiam de modo pusilânime a própria falta de vontade pela deturpação da vontade
alheia, inclusive de viver, pelo assassinato destemperado.
É mister no “silêncio
dos inocentes” que a imbecilidade sensacionalista pare de tratar esses seres
sem remédio ou antídoto como rebeldes ou vilões, quando não passam de mentira,
engodo perigoso, infecção de raciocínio producente de danos irreversíveis,
principalmente a embasbacados invejosos descendentes de menor torpeza apenas
porque terminam revelando um ineficaz e psicótico arrependimento.
Personagens
reais ou fictícios não existem ou deixam de existir para assistir a si mesmos,
fazem parte de algum enredo vindo da capacidade de viver e não é plausível que
se atribua comparativo disso aos autores macabros e repetitivos da própria
morte seja qual for a arma, o motivo, o alvo ou a companhia, e é por isso que
os predadores estão na selva e o “Coringa” não vai ao cinema.
Jussara Paschoini
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