segunda-feira, 29 de outubro de 2012

VÍCIO É QUESTÃO DE OPINIÃO E DINHEIRO



Quando se fala em vício do ponto de vista jurídico, o principal elemento de consideração é a vontade, ou seja, a norma visa proteger os atos de manifestação volitiva contra enganos e defeitos desconhecidos.  A isso atribui o nome de vício, denotando negativamente sua existência à regularidade e à validez na produção de efeitos. A oposição de vício caracterizado compromete e desconstitui total ou parcialmente os atos jurídicos a favor da parte inocente, daquela contra quem o vício ocorreu.

Da noção jurídica de vício já surge desde logo a visão de que aos objetos não lícitos e, portanto, não reconhecidos juridicamente, nada se opõe em termos de proteger a vontade. Não há inocência quanto a objeto ilícito, não há inocência a favor do usuário de droga tachada pela condição coercitiva totalitária de abstinência obrigatória.

Não é pela visão jurídica propriamente que o vício recebe maior expressão de análise, mas pela subjetividade da dor e do prazer a produzir parâmetros pessoais na rotina das pessoas ao buscar satisfação de suas respectivas necessidades e vontades, sendo que à princípio a exclusividade de um ou mais elemento de satisfação em detrimento de outros pode passar a constituir o foco do que se denomina vício.

O vício ou mania em concepção popular trata da mera repetição exagerada de gestos e atitudes e se torna transtorno na medida em que prejudica e causa danos ao convívio com os outros, no entanto, as variáveis de convívio podem alternar pela opinião a noção de transtorno, portanto a união pelo vício e pela mania elimina os danos e prejuízos e muito diferentemente, intensifica sua prática pela identificação, daí ser questão de opinião.

A opinião pode perfeitamente tratar como rotina o que é vício e vice-versa.

É relevante então apontar para o fato de que a relação entre vício e opinião é basilar da política na fixação de rotinas legítimas e ilegítimas, no reconhecimento do transtorno de dimensão social importante, todavia, há que se observar que a legitimação do próprio Estado de Direito se dá pela opinião, donde se deduz que quanto mais rígida for a intervenção nestes parâmetros, menos representativo e mais autoritário o poder será fixado.

A proibição por vício é proibição de opinião e só por isso será sempre autoritária ainda que vise coibir transtornos, os quais, por sua vez, merecem contraposição pela mesma via optativa, qual seja pela informação e pela clareza de uma boa educação garantida a todos em igual oportunidade, desde e principalmente da infância.

Ao simplesmente proibir, o Estado consagra sua incompetência em representar e em oferecer oportunidades dignas para a formação e manifestação de diferentes opiniões, criando ilicitudes e transtornos fora de qualquer alcance legal de forma a implementar um grande espectro de coligações avantajadas pelo crime num fenômeno paraestatal onde o vício se torna obrigação, na maioria das vezes sob pena de morte. Trata-se da coerção despudorada, aplicável ao homem tornado cão.

Observada a opinião diante do poder político e sua supressão pela coerção destinada ao vício face à presunção de exagero e consequente transtorno, cumpre então observar os objetos ilícitos, particularmente os proibidos, contra os quais a presunção de exagero generaliza o transtorno, frente aos objetos lícitos, acerca dos quais nenhuma noção de exagero se opõe como é o caso do álcool, do cigarro e de muitos e diversos agrotóxicos quotidianamente levados as nossas mesas.

Todos os exageros tanto dos objetos lícitos (principalmente os psicoativos) quanto dos ilícitos fazem presumir transtorno, são como já se viu questão de opinião e merecem informações e controle acerca de riscos potenciais, quase sempre não viabilizadas, no primeiro caso pela institucionalização histórica de interesses econômicos e no segundo pela institucionalização histórica de interesses políticos.

Da institucionalização histórica de interesses políticos surge na relação entre vício e opinião o preço da divergência, a valorização do risco, a compra da aventura e a cotação monetária do crime, portanto, aos objetos ilícitos, o dinheiro e mais nenhum outro valor e eis o porquê de o vício ser questão de opinião e dinheiro e não de informação, controle e temperança.

É mais fácil e nem por isso menos dispendioso relegar o exagero como assunto de educação e saúde e torná-lo assunto de polícia.

É mais conveniente compactuar com dogmas religiosos e não conscientizar ou auxiliar em termos de maternidade e paternidade indesejada para facilitar o nascimento de abandonados, consumidores de subprodutos de droga de letalidade mais rápida.

É lucrativo vender veneno e loucura, caro ou barato, a quem o conhecimento faz doer a consciência menos do que o bolso ou a quem o detox garante a fruição de “benefícios” à longo prazo.

É coerente dramatizar o prazer e a dor ao impossível para mitigar rituais e jogos do domínio da mente, tornando o homem temeroso de sua própria vontade e arte, eliminando oposições inovadoras do “status quo”.

É legitima a morte de quem diverge a quem isso aproveita.

Jussara Paschoini


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A BELEZA É MACHO


  

Assim como a matemática a beleza tem símbolos e suspeita ou não, essa representatividade lúdica das experiências de vida tem forte versão masculina. Pode ser estranho num mundo de frufrus, cremes, maquiagens, sedas e revistas femininas que se aponte para a macheza da beleza, mas é fato, a natureza comprova, bonitos são os machos. Aparência é indumentária do gênero masculino, vaidade é juba, é pluma, chifre e, nos dias atuais, entre os seres distintos por razão, mulher !

Luiz XIV e Robert Plant são ícones de aparência cunhada pelo adorno, pela exibição de formas, pela tonalidade variável da voz e pela ostentação. Épocas distintas, valores distintos, mas ostentação de reis, cabeleiras, mulheres e amantes, manifestos de arte e beleza femininas?

Sem qualquer impressão ou preconceito homossexual a beleza é reflexo cultural da atenção e apelos eminentemente masculinos  à submissão visual pelas relações de aparência cuja natureza ainda que efêmera, não é de se desprezar no que tange a concepção de identidades e fronteiras no mundo social.

Na medida em que os valores burgueses foram substituindo os valores de nobreza, a beleza foi ganhando ares de futilidade pela gradual retomada de valores científicos e interesses de consumo. A futilidade dos adornos foi se associando mais e mais às mulheres, as quais, de vez, passaram a portar a representação e o aval do poder masculino, a simbolizar o status de seus pares, fixando limites divisórios entre o sóbrio elegante masculino e o escandaloso extasiante feminino.

Revolução industrial, primeira e segunda guerra mundiais, feminismo, mulher ganhando espaço social, político e econômico, postulando por igualdade de status, sim, tudo isso aconteceu, mas a beleza continua no domínio dos homens. É idiossincrasia afirmar que mulher se enfeita para outras mulheres, quando se enfeitam para as mulheres de outros homens. De fato,  se afigura muito mais uma competição de adornos masculinos do que uma competição entre mulheres, muito embora isso nem sempre se faça perceber.

Quer discordar discorde, mas o mundo da moda está aí para mostrar quem manda, a imprensa ditadora de regrinhas de invasão cotidiana do efêmero faz imperar chapinhas, barriguinhas chapadinhas, peitões siliconados, genitália e congêneres devidamente providos de compatível índice de calvície, bundinhas torneadas e infinita juventude. Quantas mulheres trabalham para sustentar serviços estéticos? Quantas conseguem se tornar o glorificado adorno dos homens para competir por eles e até quando?

Ala Szerman e  conceitos de saúde e bem estar à parte, outro fenômeno interessante são as frutíferas frenéticas e exageros proporcionais de exuberância sexual a exteriorizar um balé ritual de luxuria de empertigar chimpanzé,  primata de devida proximidade.  São milhões a comprovar que macho vende e muito!

Assim, é de admirar que tanto se fale em crise de identidade masculina quando mulheres ditas independentes, ainda dispendem tanto em ser adornos dos homens sem nem sempre acertar na medida, simplesmente porque, deixaram de ser mulher, são gordas, magras ou bem distribuídas, plus size, mignon ou saradas, tem cabelo liso ou encaracolado, são loiras burras, morenas lindas, ruivas fogosas ou anjos dourados da sagrada maternidade. A ordem dos fatores e adjetivos não altera o ”produto”.

Mulher que é bom, não se sabe quem é, vira presidente e para de sorrir, assume ares de general de saia, não pode andar sozinha fora de hora e muito menos beber sozinha porque isso é fim de linha, carne a venda, não interessa o grau de instrução e nem o salário ou o gosto pela penumbra solitária com alguma embriaguez,  é anúncio de perdição, abandono e tristeza. Fazer o que?

É de todo impertinente hierarquizar a crise e o consumo pelos gêneros e não é a oposição destes ou a masculinidade do belo no contraste visual institucionalizado o importante a se observar, mas a emergência de transformações sugestivas de uma singularidade menos dependente de papeis sociais definidos, ou seja, o padrão homem, mulher, homossexual, bissexual, simplesmente andrógino, não rompeu barreiras, não atendeu e nem legitimou diferenças, mas delineou limites muito mais rígidos, julgamentos menos severos porém mais precipitados,  arraigados em defensivas de posições históricas familiares, de trabalho ou mesmo de ideal atribuindo forte caráter instrumental da materialização de imagens dissociadas do conteúdo.

As facilidades da mídia e os interesses ali representados podem refletir a igualdade de uma maioria subjugada por efeitos visuais e todo mundo sabe mas é bom lembrar que a vida não para por aí mas muitas vezes o cuidado para, e o belo despenca do pedestal, gordo ou magro, bulímico ou anoréxico, vítima de velhice ou sufocado por músculos, anabolizantes, tinturas e irrigações químicas outras, desnaturadas.

Salve os machos e a beleza, principalmente aquela que se sente, aquela revelação enganadora e múltipla de cores, formas e direções, surpreendente e cega, o amor.

Jussara Paschoini   





segunda-feira, 15 de outubro de 2012

INOCÊNCIA, UMA PROMESSA QUE É DÍVIDA


  

Coeficientes, índices, produtos para medir as mais diversas manifestações do que já se assume como felicidade, sim, porque já se fala no índice de felicidade em empresas, em cidades e em países, mas o fato é que existe outro possível e cogitável medidor cuja atenção soa particularmente interessante, o de inocência, afinal é presunção da vida em sociedade até prova em contrário não é? 

Neste sentido, o de presunção da vida em sociedade, ou mesmo em outros, a inocência se pode associar à pureza, à ausência de mácula, de mancha e de culpa ou dolo, cumprindo diferenciar que a primeira trata de intenção e o segundo de intenção e motivo, mas em ambos a inocência estará em cheque para legitimar o sujeito no quanto agir ou não, o que, de certo modo, faz da vida uma batalha muito mais voltada para inocência.  Nada se afigura legítimo se não for inocente e a pureza é a virtude das virtudes, a substância das substâncias, quem sabe, o vácuo.

Se houvesse pureza e inocência, não seria necessário presumir, isto significando estabelecer o prévio patamar da suspeita como ponto a ser superado pela prova.  E eis refletido o consenso no reconhecer da impureza, o resguardo secreto das máculas até que apareçam o suficiente para provocar dúvida e mais que isso, incomodar e ou causar danos.

A inocência perde grau quando confronta o consenso suficientemente a gerar suspeita de culpa ou dolo, portanto de intenção e motivo impuro.

A intenção é o que faz, e o motivo é o porquê faz, nenhum dos dois produz efeito mas ocupam o recinto sagrado da inocência seja ele interior ou exterior, individual ou coletivo. São os pesos de avaliação dos atos.

Ser inocente depende então de intenções e motivos guardados ou não, o que faz deduzir o óbvio de que onde não há intenção e nem motivo, há inocência, mas será?  É puro o sem intenção e sem motivo porque vazio e por isso ninguém deixa de ser puro ou inocente até que se presuma estar suficientemente cheio deles.

O exemplo clássico de inocência é o das crianças a quem o suposto vazio da inexperiência atribui a pureza de motivos e intenções que mais tarde podem aparecer como efetivamente são, boas ou más em suficiente desenvoltura.

Dito isso, sem pretensões simbólicas ou psicanalíticas, é ululante que convivamos com a estupidez dogmática de agir sem motivos ou intenções para atender a algum conceito de pureza inexperiente e assim saldar a dívida de inocência, bem como cobrá-la dos demais. Garantir o vazio é muitas vezes a primazia da fé.

Virgindade é matéria de leilão e há quem rife o coração, o sovaco e diversas partes cabeludas da existência!

Intencionar ou ter motivos é difícil porque afronta a sagrada inocência, para não falar que contrariamente às visíveis vantagens, pode produzir prejuízos, colocar posses e contratos em dúvida e ainda modificar um cenário de especialistas em ser feliz.

E o que fazer então? Preencher o vazio, de preferência com a pura felicidade dos especialistas ou veementemente negar sua incômoda e tola existência, com ou sem medo, a exemplo de lutadores e candidatos ao poder ou o dos praticantes de alguma lei superior, com o céu, a fama ou a riqueza como garantia!

No entanto, é sabido, mais cedo ou mais tarde, tanto o vazio como as intenções se farão notar porque a chupada no sorvete não dura para sempre e aquele salgadinho ali na frente de repente ficou atraente. Assim somos nós, o arroz e o feijão...

Ser inocente ou culpado, vazio ou cheio de intenções e motivos faz parte da vida, a escolha está no quê isso promete e no porquê de se tornar dívida. Saber o que está comprando ou vendendo define o tal índice de felicidade? Consulte sempre um especialista.

Jussara Paschoini


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A MATEMÁTICA É UM SONHO DISCIPLINADO





Para quem não se engajou nas ciências exatas é provavelmente sabido que ultrapassada a barreira das quatro operações básicas, todo o resto em termos de matemática parece envolto em uma nuvem de mistério, capaz de levar muitos a crer em considerável grau de deleção no tangente ao mundo simbólico dos números quando o inconsciente possui mais liames com as palavras, as metáforas e metonímias enquanto frutos de maior espontaneidade nos processos mentais.

A matemática é a ciência da quantidade e espaço e embora surgida de necessidades reais, como contar, medir, calcular e organizar espaços e as formas caracterizadas pela exatidão e dedução imprópria à representação inconsciente, demanda no seu avanço um grau de simbologia e reestruturação consideravelmente dependente de impulsos.

No caso, a necessidade de impulso é uma complicação ao senso de abstração mediata, ou seja, a vontade instrumentalizada por números, pelo menos para alguns, é menos direta e mais limitada, concomitantemente pode ganhar correspondência ao infinito pela evolução de troncos hipotéticos dedutivos exatos, o que, estando desvinculado de algum senso utilitário, muitas vezes será ativado e estagnado, cognitivamente falando.

No mundo jurídico nenhuma pretensão é válida para produzir efeitos se não for certa quanto a sua existência e determinada quanto ao seu conteúdo, fixando se tratar de algo não apenas tangível pelo pensamento como dedutível em concreto, isso traduzindo um retrato humanístico de um termo ou resultado pertinente a ser quantificado para delinear e determinar seu modo de satisfação, ainda que não seja numérico ou pecuniário.

Na esfera da matemática enquanto ciência exata, a existência e o conteúdo estão por ser determinados como meio a um fim a ser conhecido, muitas vezes em uma esfera exclusivamente abstrata, investigativa e analítica mais baseada em dinâmica do que em vontade propriamente dita, donde se exige do inconsciente o acato e domínio de uma nova ordem simbólica para efeitos satisfativos e considerações práticas, sendo fato aí surgir a circunstância bastante adequada ao suplemento e disponibilidade áudio visual sempre que possível e ou necessário para melhor desenvoltura.

Não se trata da produção de verdades eternas, infalíveis e imutáveis, muito pelo contrário, se trata de composição contínua, integrada por representações totalitárias inquestionáveis em si e harmonizadas dentro de uma questão producente de resultado fixo e ao mesmo tempo aberto a novas questões.

O reconhecimento dos números negativos, por exemplo, é um demonstrativo da alternância matemática e da evolução das práticas numéricas, isto porque estes foram considerados fictícios e até absurdos até sua aplicação como medida a segmentos de direção oposta, o que por sua vez reconheceu a positividade do produto de uma multiplicação entre negativos e a negatividade se a multiplicação destes for integrada por um positivo.

Do reconhecimento dos números negativos a plausibilidade do gráfico cartesiano, as convenções dos meridianos e paralelas em linhas latitudinais e longitudinais, fundamental para localizações no espaço aéreo, terrestre e marítimo.

Hoje há também o espaço virtual a se considerar enquanto produzido pelo conjunto de tecnologias e interconexão comunicativa.

A tridimensionalidade também patente da atualidade é derivada do relacionamento de ângulos com segmentos e apuração de medidas triangulares, ou seja, trigonometria.

A finalidade típica quantitativa e básica da matemática de domínio comum para efeito de qualquer área humanística ou mesmo biológica tem inúmeros graus de expressão estatística, gráfica e analítica, cuja produção já se considera muitíssimo válida para efeitos de qualquer projeto e aferição científica.

Não é, porém, esta óbvia praticidade lógica da matemática, o que vem em tempos de alta evolução informática e dos planos representativos da realidade virtualizada, a se configurar em friso ao apreço e ratificação, mas a necessidade crescente de se assimilar como fundamental a todas as ciências, uma melhor noção aplicativa da ciência de organização espacial, bem como dos padrões de relação dedutivos para efeitos de incorporar novos métodos de assimilação científica a todas as áreas em que a evolução respectiva for cabível, em suma, todas.

O direito ambiental, por exemplo, se apresenta cada vez mais vinculado a informação georeferenciada enquanto ferramenta fundamental a constatação e análise de recursos naturais distribuídos em espaços interessantes para essa área. A propriedade de áreas protegidas pode encontrar responsabilização no espaço virtual.

A música mesmo há muito instituiu sua relação com a matemática como é o caso da isometria aplicada a preservação de intervalos entre os sons de um conjunto instrumental.

Não é crível na atual conjuntura se relegue ao plano básico tradicional a importância dos aplicativos matemáticos e nem que tais conhecimentos se mantenham reduzidos e limitados a uma pequena parcela de cientistas especializados pois a ciência em si deve servir a evolução das mais diversas áreas e não se prestar apenas e tão somente aos expedientes típicos da informática computacional e ao comércio digitalizado.

Aliás, reste claro que não a calculadora, mas, o conjunto informático como um todo, a mecânica simbólica, se presta a reinstrumentalizar e facilitar a imensa gama de conteúdos de interesse algébrico e geométrico para pertinente aprimoramento prático. 

A realização de sonhos não é mais apenas uma questão de ideal ou sorte, é aprimoramento e valorização desta maravilha que hoje não só pode como deve ganhar maior dimensão para aptidão em todas as ciências, a matemática, a alta cultura da abstração disciplinada, elevada ao infinito.

Jussara Paschoini




segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A PRIMEIRA DIRETRIZ: O TEU PASSADO TE CONDENA?





Um colibri nasce colibri e um homem se faz homem. A infância é para todos a instituição orgânica, disposicional e situacional do comportamento, e Freud, pelo menos tenta, aparentemente, com sucesso, explicar.

Saber se o passado condena com a simples certeza de que a resposta é sim, condena, é um imediatismo válido porque ninguém cresceu sem desejar, experimentar, conhecer e memorizar o binômio causa e efeito. A condenação é típica dessa natureza, o elemento estranho à vontade se esta for elementar da ação. Trata-se, portanto, de uma contradição à liberdade, a sua fronteira e talvez, o seu desafio.

O dilema entre vontade e liberdade confronta o indivíduo com o meio, a disposição com a situação em ação ou omissão, ambas causas, ambas sujeitas a efeito. Condenam? Sim.

O átomo confronta o espaço vazio e informa a matéria instituindo a relação de causalidade e o pensamento informa a realidade de maneira similar no que se institui o determinismo e a concepção ou não da terceira causa, a declinação, a resistência ao lado dos choques e dos pesos coativos, tudo isso refletido na questão: De onde vem a vontade que se opõe aos destinos? De onde se deduz a esfera de autonomia do sujeito?

Trata-se de uma ruptura da cadeia dos acontecimentos, distinta da mera negação por ser consequência lógica do acaso em contradição ao efeito determinado, o combate abstrato e ilimitado em confronto com a necessidade de ocorrência objetiva, e não é o corpo, mas a própria razão o objeto da contrariedade, e eis a diferença entre o ceticismo e o dogmatismo.

Duas são as possibilidades originárias do dogmatismo, a ética e a mística como fenômenos reflexivos e criativos respectivamente, cabendo neste ponto mencionar para possível evolução conceitual que segundo Jacob Burckhardt: “Nada nos distingue, homens modernos, dos antigos quanto à falta de uma verdadeira mentalidade mística”.

Tanto a ética como a mística encontram no dogmatismo o empenho moral de normatizar condutas supressoras da vaga relativista e no ceticismo a sua negação, supostamente crítica, mas submissa ao consenso tanto científico quanto moral pela explicação dos fenômenos reais.

Um exemplo político de absorção determinista é a negação das leis eternas de exploração por Marx ao buscar rechaçar os ideólogos e apologistas do modo de produção capitalista apontando a mutilação do indivíduo nas relações sociais como desvio científico, no que, fora das esferas fechadas e ortodoxas da concepção, se compreende, por outro lado, a subordinação da ciência à ética, enquanto um domínio da liberdade.

Para George Lukács, importante filósofo marxista, divergente por ser pregador da tolerância e competição cultural em oposição às medidas administrativas, especialmente preocupado com a estética, Nietzsche é, por um lado o ópio indeterminista e por outro alguém que luta contra a concepção proletária do mundo. Lukács nesta razão recebe a crítica elucidativa da oposição pessimista à inteligência e otimista da vontade como elemento supra-histórico contra as forças causais.

Para Jean Paul Sartre o determinismo falsifica a liberdade porque o homem é condenado a fazer escolhas e vive esta angústia mediante a prática de condutas e ideologias para se isentar de responsabilidade sobre as próprias decisões.

A lógica, a história, os ideais humanistas, progressistas, liberais e seus apelos universais são trincheira e tribunal no mundo dos homens e tecem a teia de paradigmas: pressupostos e crenças, escala de valores, técnicas e conceitos, além de arquétipos que não podem ser desconsiderados no conjunto de procedimentos consagrados para excluir e condenar indivíduos de suas comunidades.

Outro aspecto relevante no passado que condena é o inconsciente coletivo tão bem apontado por Jung na formação do complexo sensível a imagens, símbolos e sentimentos profundos condicionantes dos vícios de pensamento e dos bloqueios lógico-metafísicos limitantes da peculiaridade das interrogações.

É fato que o passado ensina a ler mas não a interpretar analítica ou esteticamente, e ao inferir processos mentais a atualidade se dirige para a denominada metacognição, o conhecimento sobre o conhecimento, a reflexão sobre a reflexão, a abstração representativa capaz de reconhecer o melhor na causa do erro, é mais do que um posicionamento estratégico é a discriminação de estratégias e a auto-regulação de tarefas e produtos da atividade cognitiva.

A manifestação consciente da metacognição é oral, escrita ou em componentes observáveis e a inconsciente refletiria uma rede ou mapa conceitual estratégico.

A relação entre argumentação e reflexão é de suma importância no deslocamento do pensamento para um plano reflexivo típico da metacognição acima mencionada. A ação discursiva trata de uma reorientação pertinente a condução do processo autorregulado de reflexão.

É na forma argumentativa de comunicação que Philip Petit estabelece o denominado controle discursivo como meio fundamental ao exercício da liberdade de escolha enquanto elementar da imputação e responsabilidade do indivíduo, ou seja, a ação será livre na medida em que estiver discursivamente controlada e for coerente com a liberdade da pessoa que se evidencia como tal por meio de discurso, da plena liberdade de expressão. Frise-se que o livre discurso é assim reflexão da escolha, o que torna a coerção hostil e outras intromissões semelhantes incoerentes com a liberdade individual.

Não se trata pois, em absoluto de regulação da ação discursal, mas muito distintamente da dualidade presente na interação discursiva amigável/não amigável pressupondo igualdade de “status” discursivos relacionados para possuir e cumprir com seu plausível legado de compromissos com os semelhantes.

Da liberdade individual Philip Petit extrai a liberdade política na acepção do governo democrático como ensejador do combate ao exercício arbitrário do poder, onde a liberdade se compreende como não dominação conjugando democracia eletiva e democracia contestatória, a última enquanto consequência do descompromisso e deficiência dos eleitos na efetivação dos interesses e vontades gerais.

A democracia contestatória decorreria da constituição e sagração instrumental (processual) adequada inclusive ao exercício individual em todas as esferas governamentais, sem exclusão da executiva.

Na Constituição da República Federativa do Brasil ao meramente instituir o controle de constitucionalidade difuso (para ações individuais em casos isolados) e concentrado (para ação direta de inconstitucionalidade com efeitos gerais por ativação de determinados grupos como confederações e partidos políticos), não se contempla na devida integridade o exercício democrático contestatório, de maneira a permitir-lhe levantar a voz contra todas as decisões do governo a que se aplicar, de modo eficaz, conectando fatos a valores e reabilitando a razão prática do Estado de Direito.

Jussara Paschoini