segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A PRIMEIRA DIRETRIZ: O TEU PASSADO TE CONDENA?





Um colibri nasce colibri e um homem se faz homem. A infância é para todos a instituição orgânica, disposicional e situacional do comportamento, e Freud, pelo menos tenta, aparentemente, com sucesso, explicar.

Saber se o passado condena com a simples certeza de que a resposta é sim, condena, é um imediatismo válido porque ninguém cresceu sem desejar, experimentar, conhecer e memorizar o binômio causa e efeito. A condenação é típica dessa natureza, o elemento estranho à vontade se esta for elementar da ação. Trata-se, portanto, de uma contradição à liberdade, a sua fronteira e talvez, o seu desafio.

O dilema entre vontade e liberdade confronta o indivíduo com o meio, a disposição com a situação em ação ou omissão, ambas causas, ambas sujeitas a efeito. Condenam? Sim.

O átomo confronta o espaço vazio e informa a matéria instituindo a relação de causalidade e o pensamento informa a realidade de maneira similar no que se institui o determinismo e a concepção ou não da terceira causa, a declinação, a resistência ao lado dos choques e dos pesos coativos, tudo isso refletido na questão: De onde vem a vontade que se opõe aos destinos? De onde se deduz a esfera de autonomia do sujeito?

Trata-se de uma ruptura da cadeia dos acontecimentos, distinta da mera negação por ser consequência lógica do acaso em contradição ao efeito determinado, o combate abstrato e ilimitado em confronto com a necessidade de ocorrência objetiva, e não é o corpo, mas a própria razão o objeto da contrariedade, e eis a diferença entre o ceticismo e o dogmatismo.

Duas são as possibilidades originárias do dogmatismo, a ética e a mística como fenômenos reflexivos e criativos respectivamente, cabendo neste ponto mencionar para possível evolução conceitual que segundo Jacob Burckhardt: “Nada nos distingue, homens modernos, dos antigos quanto à falta de uma verdadeira mentalidade mística”.

Tanto a ética como a mística encontram no dogmatismo o empenho moral de normatizar condutas supressoras da vaga relativista e no ceticismo a sua negação, supostamente crítica, mas submissa ao consenso tanto científico quanto moral pela explicação dos fenômenos reais.

Um exemplo político de absorção determinista é a negação das leis eternas de exploração por Marx ao buscar rechaçar os ideólogos e apologistas do modo de produção capitalista apontando a mutilação do indivíduo nas relações sociais como desvio científico, no que, fora das esferas fechadas e ortodoxas da concepção, se compreende, por outro lado, a subordinação da ciência à ética, enquanto um domínio da liberdade.

Para George Lukács, importante filósofo marxista, divergente por ser pregador da tolerância e competição cultural em oposição às medidas administrativas, especialmente preocupado com a estética, Nietzsche é, por um lado o ópio indeterminista e por outro alguém que luta contra a concepção proletária do mundo. Lukács nesta razão recebe a crítica elucidativa da oposição pessimista à inteligência e otimista da vontade como elemento supra-histórico contra as forças causais.

Para Jean Paul Sartre o determinismo falsifica a liberdade porque o homem é condenado a fazer escolhas e vive esta angústia mediante a prática de condutas e ideologias para se isentar de responsabilidade sobre as próprias decisões.

A lógica, a história, os ideais humanistas, progressistas, liberais e seus apelos universais são trincheira e tribunal no mundo dos homens e tecem a teia de paradigmas: pressupostos e crenças, escala de valores, técnicas e conceitos, além de arquétipos que não podem ser desconsiderados no conjunto de procedimentos consagrados para excluir e condenar indivíduos de suas comunidades.

Outro aspecto relevante no passado que condena é o inconsciente coletivo tão bem apontado por Jung na formação do complexo sensível a imagens, símbolos e sentimentos profundos condicionantes dos vícios de pensamento e dos bloqueios lógico-metafísicos limitantes da peculiaridade das interrogações.

É fato que o passado ensina a ler mas não a interpretar analítica ou esteticamente, e ao inferir processos mentais a atualidade se dirige para a denominada metacognição, o conhecimento sobre o conhecimento, a reflexão sobre a reflexão, a abstração representativa capaz de reconhecer o melhor na causa do erro, é mais do que um posicionamento estratégico é a discriminação de estratégias e a auto-regulação de tarefas e produtos da atividade cognitiva.

A manifestação consciente da metacognição é oral, escrita ou em componentes observáveis e a inconsciente refletiria uma rede ou mapa conceitual estratégico.

A relação entre argumentação e reflexão é de suma importância no deslocamento do pensamento para um plano reflexivo típico da metacognição acima mencionada. A ação discursiva trata de uma reorientação pertinente a condução do processo autorregulado de reflexão.

É na forma argumentativa de comunicação que Philip Petit estabelece o denominado controle discursivo como meio fundamental ao exercício da liberdade de escolha enquanto elementar da imputação e responsabilidade do indivíduo, ou seja, a ação será livre na medida em que estiver discursivamente controlada e for coerente com a liberdade da pessoa que se evidencia como tal por meio de discurso, da plena liberdade de expressão. Frise-se que o livre discurso é assim reflexão da escolha, o que torna a coerção hostil e outras intromissões semelhantes incoerentes com a liberdade individual.

Não se trata pois, em absoluto de regulação da ação discursal, mas muito distintamente da dualidade presente na interação discursiva amigável/não amigável pressupondo igualdade de “status” discursivos relacionados para possuir e cumprir com seu plausível legado de compromissos com os semelhantes.

Da liberdade individual Philip Petit extrai a liberdade política na acepção do governo democrático como ensejador do combate ao exercício arbitrário do poder, onde a liberdade se compreende como não dominação conjugando democracia eletiva e democracia contestatória, a última enquanto consequência do descompromisso e deficiência dos eleitos na efetivação dos interesses e vontades gerais.

A democracia contestatória decorreria da constituição e sagração instrumental (processual) adequada inclusive ao exercício individual em todas as esferas governamentais, sem exclusão da executiva.

Na Constituição da República Federativa do Brasil ao meramente instituir o controle de constitucionalidade difuso (para ações individuais em casos isolados) e concentrado (para ação direta de inconstitucionalidade com efeitos gerais por ativação de determinados grupos como confederações e partidos políticos), não se contempla na devida integridade o exercício democrático contestatório, de maneira a permitir-lhe levantar a voz contra todas as decisões do governo a que se aplicar, de modo eficaz, conectando fatos a valores e reabilitando a razão prática do Estado de Direito.

Jussara Paschoini

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