Um colibri
nasce colibri e um homem se faz homem. A infância é para todos a instituição
orgânica, disposicional e situacional do comportamento, e Freud, pelo menos
tenta, aparentemente, com sucesso, explicar.
Saber se o
passado condena com a simples certeza de que a resposta é sim, condena, é um
imediatismo válido porque ninguém cresceu sem desejar, experimentar, conhecer e
memorizar o binômio causa e efeito. A condenação é típica dessa natureza, o elemento
estranho à vontade se esta for elementar da ação. Trata-se, portanto, de uma
contradição à liberdade, a sua fronteira e talvez, o seu desafio.
O dilema
entre vontade e liberdade confronta o indivíduo com o meio, a disposição com a
situação em ação ou omissão, ambas causas, ambas sujeitas a efeito. Condenam?
Sim.
O átomo
confronta o espaço vazio e informa a matéria instituindo a relação de
causalidade e o pensamento informa a realidade de maneira similar no que se
institui o determinismo e a concepção ou não da terceira causa, a declinação, a
resistência ao lado dos choques e dos pesos coativos, tudo isso refletido na
questão: De onde vem a vontade que se opõe aos destinos? De onde se deduz a
esfera de autonomia do sujeito?
Trata-se de
uma ruptura da cadeia dos acontecimentos, distinta da mera negação por ser
consequência lógica do acaso em contradição ao efeito determinado, o combate
abstrato e ilimitado em confronto com a necessidade de ocorrência objetiva, e
não é o corpo, mas a própria razão o objeto da contrariedade, e eis a diferença
entre o ceticismo e o dogmatismo.
Duas são as
possibilidades originárias do dogmatismo, a ética e a mística como fenômenos
reflexivos e criativos respectivamente, cabendo neste ponto mencionar para
possível evolução conceitual que segundo Jacob Burckhardt: “Nada nos distingue,
homens modernos, dos antigos quanto à falta de uma verdadeira mentalidade
mística”.
Tanto a
ética como a mística encontram no dogmatismo o empenho moral de normatizar
condutas supressoras da vaga relativista e no ceticismo a sua negação,
supostamente crítica, mas submissa ao consenso tanto científico quanto moral
pela explicação dos fenômenos reais.
Um exemplo
político de absorção determinista é a negação das leis eternas de exploração
por Marx ao buscar rechaçar os ideólogos e apologistas do modo de produção
capitalista apontando a mutilação do indivíduo nas relações sociais como desvio
científico, no que, fora das esferas fechadas e ortodoxas da concepção, se compreende,
por outro lado, a subordinação da ciência à ética, enquanto um domínio da
liberdade.
Para George
Lukács, importante filósofo marxista, divergente por ser pregador da tolerância
e competição cultural em oposição às medidas administrativas, especialmente
preocupado com a estética, Nietzsche é, por um lado o ópio indeterminista e por
outro alguém que luta contra a concepção proletária do mundo. Lukács nesta
razão recebe a crítica elucidativa da oposição pessimista à inteligência e
otimista da vontade como elemento supra-histórico contra as forças causais.
Para Jean
Paul Sartre o determinismo falsifica a liberdade porque o homem é condenado a
fazer escolhas e vive esta angústia mediante a prática de condutas e ideologias
para se isentar de responsabilidade sobre as próprias decisões.
A lógica, a
história, os ideais humanistas, progressistas, liberais e seus apelos
universais são trincheira e tribunal no mundo dos homens e tecem a teia de
paradigmas: pressupostos e crenças, escala de valores, técnicas e conceitos,
além de arquétipos que não podem ser desconsiderados no conjunto de
procedimentos consagrados para excluir e condenar indivíduos de suas
comunidades.
Outro
aspecto relevante no passado que condena é o inconsciente coletivo tão bem
apontado por Jung na formação do complexo sensível a imagens, símbolos e
sentimentos profundos condicionantes dos vícios de pensamento e dos bloqueios
lógico-metafísicos limitantes da peculiaridade das interrogações.
É fato que o
passado ensina a ler mas não a interpretar analítica ou esteticamente, e ao
inferir processos mentais a atualidade se dirige para a denominada
metacognição, o conhecimento sobre o conhecimento, a reflexão sobre a reflexão,
a abstração representativa capaz de reconhecer o melhor na causa do erro, é
mais do que um posicionamento estratégico é a discriminação de estratégias e a
auto-regulação de tarefas e produtos da atividade cognitiva.
A
manifestação consciente da metacognição é oral, escrita ou em componentes
observáveis e a inconsciente refletiria uma rede ou mapa conceitual
estratégico.
A relação
entre argumentação e reflexão é de suma importância no deslocamento do pensamento
para um plano reflexivo típico da metacognição acima mencionada. A ação
discursiva trata de uma reorientação pertinente a condução do processo
autorregulado de reflexão.
É na forma
argumentativa de comunicação que Philip Petit estabelece o denominado controle
discursivo como meio fundamental ao exercício da liberdade de escolha enquanto
elementar da imputação e responsabilidade do indivíduo, ou seja, a ação será
livre na medida em que estiver discursivamente controlada e for coerente com a
liberdade da pessoa que se evidencia como tal por meio de discurso, da plena
liberdade de expressão. Frise-se que o livre discurso é assim reflexão da
escolha, o que torna a coerção hostil e outras intromissões semelhantes
incoerentes com a liberdade individual.
Não se trata
pois, em absoluto de regulação da ação discursal, mas muito distintamente da
dualidade presente na interação discursiva amigável/não amigável pressupondo
igualdade de “status” discursivos relacionados para possuir e cumprir com seu
plausível legado de compromissos com os semelhantes.
Da liberdade
individual Philip Petit extrai a liberdade política na acepção do governo
democrático como ensejador do combate ao exercício arbitrário do poder, onde a
liberdade se compreende como não dominação conjugando democracia eletiva e
democracia contestatória, a última enquanto consequência do descompromisso e
deficiência dos eleitos na efetivação dos interesses e vontades gerais.
A democracia
contestatória decorreria da constituição e sagração instrumental (processual)
adequada inclusive ao exercício individual em todas as esferas governamentais,
sem exclusão da executiva.
Na Constituição
da República Federativa do Brasil ao meramente instituir o controle de
constitucionalidade difuso (para ações individuais em casos isolados) e
concentrado (para ação direta de inconstitucionalidade com efeitos gerais por
ativação de determinados grupos como confederações e partidos políticos), não
se contempla na devida integridade o exercício democrático contestatório, de
maneira a permitir-lhe levantar a voz contra todas as decisões do governo a que
se aplicar, de modo eficaz, conectando fatos a valores e reabilitando a razão
prática do Estado de Direito.
Jussara Paschoini
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