A Resolução 2.013
de 2.013, elaborada pelo Conselho Federal de Medicina, mais uma vez buscando
amparar e direcionar avanços científicos rumo aos anseios sociais, cuidou de fixar
disposições éticas para indicar considerações aplicáveis à reprodução
assistida, observando a legitimação das uniões homoafetivas e mesmo a produção
independente de solteiros.
Entretanto, o
que se depreende das referidas disposições é um corolário de exigências de ordem
burocrática e operacional cuja pertinência não alcança a legalidade
literalmente empetecada das questões envolventes da legitimação de novos meios
e variações na instituição do ente familiar pela basilar concepção de filhos.
A leitura da
resolução impõe registro documental pormenorizado de todas as fases da
reprodução assistida e alcança determinar linhas estatísticas de resultados de êxito ou não. Tudo notando o consentimento e manifestação de vontade dos
interessados, incluindo exigência de “garantia de registro da criança pelos pais genéticos”(providenciada durante a gravidez para a hipótese de doação temporária de útero),
no que traduz a plenamente cabível circunstância de o expediente configurar
o ímpeto de preservação vinculada à natural disposição humana de perpetuar laços da codificação ribonucleica e desoxirribonucleica.
Inevitável
frisar ser a própria assistência reprodutiva voltada à incapacidade
de gametas ou de órgãos para a perpetuação natural, seja ela oriunda do
parentesco masculino ou feminino, sendo que o último tem referência à capacidade
orgânica imprescindível, exclusiva das mulheres, a uterina, donde junto à proibição de fins lucrativos se estabelece a possibilidade de um tipo intercâmbio entre doadoras na partilha de interesses comuns de procriação a ensejar adequações, inclusive de ordem financeira, dentro desta exclusiva finalidade de custos.
Para se tomar
em conta uniões homoafetivas, por exemplo, o parentesco genético somente será integralmente
possível a ambos integrantes do par em se tratando da utilização de gametas de parentes,
analogicamente talvez, aplicando-se os dispositivos da doação de útero enquanto permitente
de tal até o quarto grau (mãe, irmã, tia e prima) então e ainda para o caso, incluindo pai,
irmão, tio e primo na doação de gametas sujeita a compatibilidade fenotípica, inclusive.
Aos solteiros
ou integrantes de um casal com quadro unilateral de infertilidade ou
impossibilidade por homossexualidade face à inadequação da reprodução sexuada
com gametas próprios, a participação de um terceiro doador genético é relevante
de uma condição juridicamente indefinida, exceto pela expressão de vontade deste
doador genérica e obrigatoriamente sigiloso, em contrapartida da intrínseca possibilidade da
participação de parentes originalmente conhecidos.
Sem tratamento
legal aos vínculos familiares sujeitos à dissociação da totalidade genética
do par com interesse conceptivo, a regulamentação trata de exigir a documentação de
responsabilidades correlatas por escrito, inclusive impondo a criopreservação
de embriões viáveis comunicados como existentes, conforme expressa vontade dos
interessados e notando o limite de implante de no máximo quatro embriões
(conforme idade da parturiente/até os cinquenta anos). Determina-se também o parâmetro
de cinco anos, salvo disposição volitiva contrária, para a opção de descarte ou
utilização do embrionário criopreservado em pesquisas de célula tronco,
considerando mesmo a proibição de fecundação desvinculada da finalidade
reprodutiva e da redução embrionária.
Ao menos uma
solução legal simples no sentido de aquilatar a condição do parceiro ou
cônjuge desvinculado geneticamente à condição de pai ou mãe adotivo, quando do nascimento
com vida do fruto da reprodução assistida com gameta doado, definiria civilmente a questão para
todos os fins decorrentes da hereditariedade em direitos e deveres, exceto em
se tratando de maternidade ou paternidade de solteiros em condição permitente de
registro civil unilateral.
A dogmática da família
tradicional com observância dos vínculos genéticos ou adotivos juridicamente
acatados, sem elaboração legal de instrumental diferenciado, vem abrindo margem
à positivação de condições que continuam a ser totalmente genéticas ou não, sem tangenciar novos
vínculos que embora assemelhados não correspondem propriamente ao processo de
adoção dirigido a filiação, o que, por sua vez, faz etéreos e por conseguinte mais questionáveis os efeitos civis
aplicáveis.
Nenhum contrato
ou certidão altera a genética tangível pelo exame de DNA, cabendo à lei
consagrar em face da peculiaridade da instituição de vínculos inovados pelas
possibilidades científicas e a evolução da diversidade das relações sócio-afetivas,
novos modos de reconhecer seguramente essa realidade a favor de plenas
famílias.
Resta claro
também que a resolução de cunho ético limita taxativamente a elaboração genética (não
permite escolha de sexo e outras variáveis de biótipo) ao mesmo tempo em que
trata da possibilidade de previsão de doenças com esta origem em termos da
reprodução assistida cuja gestação respectiva não poderá ser interrompida,
exceto por autorização legal ou judicial, a primeira sendo inexistente,
considerando que o aborto permanece como crime e a segunda impossível pelo mesmo motivo.
Questão também
muito interessante diante da intenção legítima à reprodução assistida é a incidental ou
acidental constatação de malformação ou defeito genético em gestação já iniciada, como fator de eventual interesse na interrupção da gravidez, haja vistas ao
limite de doze semanas pertinente à isenção de riscos bilaterais relevantes
para gestante e o conjunto celular concepto.
Numa noção favorável
a autonomia de vontade da mulher quanto a tal interrupção é sensato compreender
pela manutenção do direito de escolha independentemente de ser assistida ou não
a reprodução, sem que isso implique em discriminação pela prevalência da
vontade e o uso de meios justos de compatibilização individual igualitária.
Admitir
coerentemente a prevalência de uma vontade individual não pode e nem deve ser
ativado como consagração desta a título de modelação positiva ou negativa de impositivos sociais porque a existência
do Estado visa justamente o contrário. Assim, é de se compreender que resguardada
pela ciência condições para opção digna e incólume, justo é o respeito acerca
desta opção, livre de qualquer coação ou óbice intervencionista.
Há registro de
tribos indígenas com decretos homicidas para um dos nascidos gêmeos num retrato
oposto a qualquer liberdade individual dos pais, isso com fundo cultural e
meramente supersticioso numa circunstância apta a mensurar extremos da
intervenção de normas coletivas em tal seara constitutiva familiar para
ponderadamente reconhecer limites racionais de relacionado acatamento.
O Código Civil
Brasileiro considera a personalidade jurídica titular de direitos a partir do
nascimento com vida, protege a concepção, bem como a autonomia de vontade, a
qual, consoante é perceptível, merece ganhar novas atenções legais com o fim de
fortalecer renovadas feições e o conteúdo íntimo da dignidade circundante dos
naturais ou psíquicos anseios familiares, especialmente maternos, para coerentemente resultar em
voluntariedade característica do bem comum.
Jussara Paschoini