O anseio
caritativo é universal em termos de moral religiosa ou não. Subentende-se que a
nobreza da abundância se preste ao destino repartitório do que se tem,
principalmente se isso for dinheiro. O rico possui aquela áurea de respeito de
quem “tem o que você precisa” e mais, “tem com abundância”, e assim pode senão
deve promover o alívio necessário das mais comuns insatisfações não só de quem
não conseguiu comprar um sonho qualquer que seja, mas também de quem não
conseguiu comprar semelhante respeito.
Nesta mesma
linha seguem demais valores, em termos sociais, os de maior status, isso
elevando dadivosos de suas qualidades aos desejosos dessas mesmas qualidades
numa relação de oferta e procura com contornos econômicos mesmo. Pelo menos sob
a ótica caritativa, a qual obriga a visão de que alguém tenha sempre mais do
que precisa e outrem precise sempre mais do que tem.
Se não for a
porta do céu e a saída do inferno, a caridade é o suprassumo da moral,
a virtude das virtudes e o espelho onde o animal faminto é imagem visada por
quem está ou se supõe em abundância, uma vez que não se pode se dar o que não
se tem.
Quem precisa,
normalmente sabe o que precisa, mas, quem tem às vezes não sabe o que tem e em
o sabendo trata de medir o quanto pode dar e daí se apresenta um bom dilema,
quase o maior de todos, quem receberá? Será quem precisa? Ou será quem souber
agradecer na mesma medida ou na medida do que falta a quem está dando?
O ato de dar
exige muito mais ética do que o ato de receber, aquele requer escolha e este
necessidade ou interesse cuja essência optativa é por si só definida e
possivelmente nada tenha a ver com os precedentes de quem dá, principalmente no
que se relaciona com a crença e o senso de medida.
As boas
intenções que preenchem o inferno no ditado popular não têm outra significância,
pois, a não ser que sejam verdes, cifradas e com certificado de garantia, têm
índice de serventia bastante relativo.
Assim, o ato
caritativo de antídoto ou remédio vira veneno da serpente a morder-se a si mesma, dando de si o que tem para dar, donde se observa ser a dádiva algo além
do que se tem ou do que se sabe ter, mas algo que quem recebe necessita ou tem
interesse em receber.
Não importa o
quanto se tem, importa o que o outro quer receber, esta e não outra é a escolha
e uma vez feita guarda em si a satisfação do reconhecimento, distinto das
relações de débito e crédito e portanto, caritativa por essência.
Fácil falar,
difícil compreender quando a maioria precisa de carta de alforria cujo preço
aumenta em proporções geométricas em face das possibilidades aritméticas de
cada um.
Uma dedução
mais simples é a de que o ato caritativo se extingue na satisfação do desejo de
outro e se ultrapassar esse vínculo é troca com a qual nada há de errado desde
que se apresente como tal e não no ilimitado de um elevado querer dadivoso, bem
capaz de culminar no conveniente ou não decréscimo moral de quem recebe.
Para quem não
tem a caridade como obrigação remanesce a questão do que se tem e do que se quer e
nisso outra pessoa e, se a dádiva implicar em algo querido, se transforma em
sacrifício senão em partilha, o primeiro muito passível ao desvirtuamento e a
segunda, efetiva manifestação de amor na qual dádiva e recepção coincidem num todo de
satisfação.
Em sentidos
próprios a troca é honesta, a caridade é dádiva e a partilha é amor. Tudo tem o
seu valor, desde que não seja confundido para o dissabor de quem dá e para
revolta de quem não recebe.
Jussara Paschoini
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