segunda-feira, 22 de julho de 2013

EM TORNO DE DAR O QUE TEM, EXISTE O QUERER O QUE TEM

 
O anseio caritativo é universal em termos de moral religiosa ou não. Subentende-se que a nobreza da abundância se preste ao destino repartitório do que se tem, principalmente se isso for dinheiro. O rico possui aquela áurea de respeito de quem “tem o que você precisa” e mais, “tem com abundância”, e assim pode senão deve promover o alívio necessário das mais comuns insatisfações não só de quem não conseguiu comprar um sonho qualquer que seja, mas também de quem não conseguiu comprar semelhante respeito.
 

Nesta mesma linha seguem demais valores, em termos sociais, os de maior status, isso elevando dadivosos de suas qualidades aos desejosos dessas mesmas qualidades numa relação de oferta e procura com contornos econômicos mesmo. Pelo menos sob a ótica caritativa, a qual obriga a visão de que alguém tenha sempre mais do que precisa e outrem precise sempre mais do que tem.
 

Se não for a porta do céu e a saída do inferno, a caridade é o suprassumo da moral, a virtude das virtudes e o espelho onde o animal faminto é imagem visada por quem está ou se supõe em abundância, uma vez que não se pode se dar o que não se tem.
 

Quem precisa, normalmente sabe o que precisa, mas, quem tem às vezes não sabe o que tem e em o sabendo trata de medir o quanto pode dar e daí se apresenta um bom dilema, quase o maior de todos, quem receberá? Será quem precisa? Ou será quem souber agradecer na mesma medida ou na medida do que falta a quem está dando?
 

O ato de dar exige muito mais ética do que o ato de receber, aquele requer escolha e este necessidade ou interesse cuja essência optativa é por si só definida e possivelmente nada tenha a ver com os precedentes de quem dá, principalmente no que se relaciona com a crença e o senso de medida.
 

As boas intenções que preenchem o inferno no ditado popular não têm outra significância, pois, a não ser que sejam verdes, cifradas e com certificado de garantia, têm índice de serventia bastante relativo.
 

Assim, o ato caritativo de antídoto ou remédio vira veneno da serpente a morder-se a si mesma, dando de si o que tem para dar, donde se observa ser a dádiva algo além do que se tem ou do que se sabe ter, mas algo que quem recebe necessita ou tem interesse em receber.
 

Não importa o quanto se tem, importa o que o outro quer receber, esta e não outra é a escolha e uma vez feita guarda em si a satisfação do reconhecimento, distinto das relações de débito e crédito e portanto, caritativa por essência.
 

Fácil falar, difícil compreender quando a maioria precisa de carta de alforria cujo preço aumenta em proporções geométricas em face das possibilidades aritméticas de cada um.
 

Uma dedução mais simples é a de que o ato caritativo se extingue na satisfação do desejo de outro e se ultrapassar esse vínculo é troca com a qual nada há de errado desde que se apresente como tal e não no ilimitado de um elevado querer dadivoso, bem capaz de culminar no conveniente ou não decréscimo moral de quem recebe.
 

Para quem não tem a caridade como obrigação remanesce a questão do que se tem e do que se quer e nisso outra pessoa e, se a dádiva implicar em algo querido, se transforma em sacrifício senão em partilha, o primeiro muito passível ao desvirtuamento e a segunda, efetiva manifestação de amor na qual dádiva e recepção coincidem num todo de satisfação.
 

Em sentidos próprios a troca é honesta, a caridade é dádiva e a partilha é amor. Tudo tem o seu valor, desde que não seja confundido para o dissabor de quem dá e para revolta de quem não recebe.
 

Jussara Paschoini


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