segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

PERSONALIDADE JURÍDICA E VIDA EMBRIONÁRIA




Com vistas a abastecer a questão da dignidade humana enquanto óbice das formas de pesquisa da clonagem ou o uso de células-tronco embrionárias humanas, é de se salientar ser tal abordagem possível mais pelo âmbito interpretativo e doutrinário do que legal, vez que o tratamento legislativo da questão restringe-se a pontuar tais formas de pesquisa como atentatórias à dignidade humana sem estabelecer elementos conectivos ou conceituais a respeito.

Entretanto, sob análise a lei regente das relações civis, ou seja, o Código Civil Brasileiro, o que temos é a disposição do artigo 2º do aludido diploma legal, segundo o qual :

“Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro.”

À princípio é visível que a lei regente das relações interpessoais e reais em uma sociedade politicamente organizada, considera o nascimento com vida uma condição de existência do sujeito de direito. Até então ele é uma expectativa de direitos e deveres de seus ascendentes e titulares dos direitos e deveres concernentes à maternidade e paternidade vindoura.

Destarte, embora possa parecer, a lei não é contraditória quando afirma que põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro porque, com relação a ele já existem outros sujeitos de direito (e dever) vinculados pelo grau de parentesco, principalmente os pais. Todavia, o nascituro só se torna pessoa no mundo jurídico, quando nasce com vida.

Nesse contexto é inevitável perceber que a dignidade da pessoa humana no âmbito do direito civil, no que concerne ao nascituro é patente do direito familiar que o circunda, já que este não é sujeito de direito até nascer vivo.

Não se confunda não tomar a lei em consideração, a vida intra-uterina, pois se verá que muito pelo contrário ocorre, tendo em vista a legislação punitiva aos atos atentatórios contra esta vida, repita-se, dentro de uma sociedade politicamente organizada, conforme se abordará oportunamente.

O nascituro desde a concepção, portanto o embrião, tem direitos salvaguardados pela lei, mas não tem nenhuma capacidade correlata a outras pessoas ou coisas que não aquelas que possam ser exercidas por outros com relação a um futuro condicionado ao seu nascimento com vida.

Consoante o definido como crime de aborto e ou aborto provocado por terceiro, a vida do embrião é, com efeito, protegida por causa dos dispositivos da lei penal brasileira, os quais punem os atos considerados atentatórios contra os diversos valores humanos, inclusive o da vida, mediante definição de fatos típicos apenados.


Segundo artigo 125 do Código Penal , o aborto como fato típico, propriamente é :

“ Art. 125 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
“Pena- detenção, de 2(dois) a 6 (seis) anos.”

De notar que embora civilmente falando, a salvaguarda civil da vida do nascituro desde a concepção seja reflexo do direito familiar dos ascendentes, somente a mãe pode praticar o crime de aborto ou consentir que outro lho provoque, para efeitos da aplicação da pena prevista em lei, numa visão legislativa acerca da lógica natural concernente ao dever de guarda a vida do nascituro pertencente a quem, por natureza, o tenha no ventre.

O pai, nestas condições, não é sujeito sequer cogitável do crime de aborto e não responde por este crime do ponto de vista punitivo, ou seja, da lei penal.

Outra definição criminal relacionada a proteção da vida do nascituro diz respeito ao outro sujeito ou partícipe do crime, conforme o faça sem ou com o consentimento da gestante, qual seja, o crime de aborto provocado por terceiro apenado com três a dez anos quando sem o consentimento da gestante e apenado de um a quatro anos quando com o consentimento desta.

Assim, a menos que o pai do nascituro provoque por seus atos o aborto da gestante, nenhum crime comete ele, caso a vida intra-uterina de seu descendente seja interrompida injustificadamente por meios não naturais.

Neste ponto podemos pontuar que nos termos da lei é a vida intra-uterina aquela salvaguardada tanto civil quanto criminalmente, num potente indício jurídico de que fora do âmbito familiar e do ambiente uterino não há abordagem jurídica ou personalidade atribuída às células embrionárias.

As células embrionárias podem, portanto, ser consideradas como parte dos sujeitos genéticos que lhe deram origem (homem e mulher), mas pela lei, ao que tudo indica, não se trata de um nascituro salvaguardado.

Um tanto quanto paradoxal é notar que se as células embrionárias recebem um tratamento que aponta para o respeito à dignidade humana, não obstante não sejam consideradas legalmente como nascituro salvaguardado, diferentemente ocorre com os embriões e fetos contra os quais o aborto se pratique por médico, mediante causas justificadas, nos termos do artigo 128 do Código Penal, a saber:

“ art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico :
Aborto Necessário
I – se não há meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

Há então duas circunstâncias jurídicas em que o nascituro (incluindo-se nesta condição as células embrionárias intra-uterinas) poderá, mediante intervenção médica, ser desconsiderado de qualquer salvaguarda jurídica, a prevalência da vida materna e ter um pai estuprador.

Na segunda hipótese (gravidez resultante de estupro) o nascituro não só será desconsiderado quanto a sua salvaguarda como também será passível de ser sumariamente julgado e condenado a morte pelo crime de seu pai, conforme consentir a mãe ou seu representante legal em se tratando de menor de dezesseis anos ou portadora de impeditivos legais da manifestação de vontade própria.

Corrija-se que o nascituro não é sujeito de direito e por isso não pode ser julgado, mas sim destituído de uma proteção de valores de cunho familiar notoriamente patriarcal que, no caso, privilegia a vida, ou a vontade da gestante ou de seu representante legal para correção de ato ilícito, qual seja, o estupro.

Confrontadas desta forma as disposições jurídicas vigentes e a apregoação da dignidade humana como elemento impeditivo da pesquisa de clonagem ou uso de células-tronco embrionárias humanas, é perceptível para elementar reflexão, a ampla margem de omissão e contradição concernente ao tratamento da matéria quanto ao óbice científico caracterizado para todo e qualquer efeito, no quanto efetivamente pode ser objetivamente analisado.

Jussara Paschoini

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