segunda-feira, 14 de maio de 2012

A PENA DE MORTE





Há algum tempo escrevi que a falta de compromisso com a palavra torna o homem descartável em suas relações, isto porque, a palavra trata-se da mais eminente forma de partilhar ideias, sentimentos, intenções e tudo mais capaz de conduzir o contato humano a algum válido significado seja ele permanente ou temporário.

Conto, ao ter exposto esta visão, não haver desperto uma noção antagonista à liberdade de expressão, não, muito pelo contrário, intencionei atribuir importância ao que se expressa justamente para equivaler ao efetivamente livre e não ao condicionado ou meramente exibido, os quais, não deixam de ser expressão por corresponder a interesses inconsistentes em termos de relação interpessoal e que dirá em termos de identidade social producente de efeitos jurídicos legítimos.

Enquanto não houver consistência entre expressão e atitude, principalmente a crítica, liberdade é só um “chavão” para enganar trouxa, ou mesmo, quem se expressa.

Tratando assim da inconsistência da palavra e do descartável em termos de relação, dentro de uma concepção lógica é que podemos então lançar um foco na discussão sobre a tão alardeada “pena de morte”.

No ensino jurídico de boa índole, há uma frase de origem kantiana a registrar que o homem social é um fim e não um meio e disso se retira a conclusão de que a pena de morte por sua teórica tendência exemplar no combate à grave transgressão social se configuraria numa afronta ao Estado de Direito, porque o homem apenado com a morte deixaria sua condição de titular da proteção à vida enquanto pilar do bem comum para se tornar um objeto da ação do poder constituído, o qual estaria automaticamente destituído de legitimidade para tal.

Ideologicamente perfeita a contraposição à ação do Estado na utilização do homem como um meio, a discussão da pena de morte poderia parar por aí, não fossem detalhes de relevo, como o absurdo criminal de pessoas constantemente assassinadas não só por motivos torpes, mas pura e simplesmente porque esta é a finalidade de vida de uns e outros seres humanos.

Desde a mais tenra idade ou não, o cidadão transgressor desenvolve a noção de eliminar seus oponentes ou não, porque pode, dada a respectiva condição mortal desses últimos. É só ter coragem e alguma força, é claro, e aquele que nasceu melhor, foi mais bem educado, empenhou-se em trabalhar honestamente para vencer seus obstáculos, morre, pura e simplesmente porque usava um par de tênis de marca, porque se apaixonou por alguém comprometido ou porque estava no lugar errado, na hora errada etc.

Ninguém é livre quando está em um meio onde alguém mata porque pode e está solto.

Partindo daí a concepção de que a prisão perpétua (não permitida no Brasil) tiraria o embaraço em pessoa (o homicida) de circulação, o que pode escapar à percepção social é o dilema em forma de bomba do intitulado Sistema Penitenciário, em verdade, uma universidade para delinquentes, muito distante de efeitos corretivos de conduta, para qual vão professores e alunos do poder desconstituído do crime.

Se os professores ficam presos os alunos saem e assim por diante.

E o cidadão desencorajado com a morte continua limitado, dispendendo considerável e precioso tempo de sua vida em se proteger, não pode andar pelas ruas fora de hora ou sair de madrugada nem que for para trabalhar, muito menos carregar dinheiro e agora cartão de banco e cometer a burrice de ser visto por olhos desconhecidos e suspeitos.

Fato, o poder constituído e o poder “desconstituído” dão as mãos porque controlam a vida de quem teme, tornando tudo muito mais fácil e a maioria carrega seu fardo de limitações sem reclamar até ser vítima.

Matar física ou moralmente seus oponentes é pura e simplesmente matar sem motivo ou com motivo, dentro de uma lógica razoável acerca de meios e vantagens, enquanto objetos de crença na conduta ilícita.

Uma sociedade de aterrorizados, desconfiados é o ambiente perfeito para o poder corrupto e ilegítimo.

Voltando, contudo, à pena de morte, uma vez situada a circunstância de que há plena identidade coletiva e antagônica ao fato de poder ser morto por semelhante, a questão é se a equivalente morte do criminoso, assassino, imposta por vontade coletiva, diminuiria a insegurança e os assassinatos.

A insegurança é fruto certo de que se vive num ambiente que hostiliza a pobreza, a feiura, a falta de cultura e que valoriza o passível de ser exibido com suficiente oportunismo sexual ou não para pegar no desejo de cada um, tornando a existência uma busca de superiores contra inferiores e vice-versa. Essa é eterna, só muda com o fortalecimento das individualidades.

O assassino é a insegurança tornada concreta, ao vivo e em cores, na esquina com você ou com aqueles que você considera ou ama, e se vislumbrarmos o tipo feito e acabado com requintes de crueldade, é praticamente impossível não desejá-lo eliminado da vida social.

Óbice de tal eliminação pelas vias da pena de morte é a ilegitimidade do Estado para dispor da vida em ação a favor do coletivo inseguro, todavia, pelas vias do estrito cumprimento do dever legal, não é ilícito matar bandido/assassino, o que, paradoxalmente, confere ao policial em ativa, sequer submisso a condição eletiva para posse de legislador ou governante, o direito de matar em cumprimento da lei. 

O artigo 23 do Código Penal define as denominadas excludentes de culpabilidade, sem a qual, NÃO HÁ CRIME, dentre elas, o estrito cumprimento do dever legal.

Tal excludente pressupõe para a questão sob enfoque, esteja o policial munido de ordem jurídica, geralmente judicial, para perseguir e trazer à jurisdição o bandido/assassino resistente à vontade da Lei, instituído no poder de persegui-lo, reagir com relação a ele e matá-lo, se for inevitável...

O problema é que o bandido/assassino, feito e acabado com requintes de crueldade, nem sempre é fácil de enfrentar, então ocorre um desvirtuamento muito típico do dever legal e se mata por preconceito e sem qualquer amparo jurídico, gente “mais fácil” e “insignificante”.

E daí a saída não é mais uma excludente de culpabilidade, mas a isenção de pena que beneficia o denominado estado putativo, enquanto um alegado estado de engano pertinente a justificar a plena noção de que o agente policial tinha amplos motivos para crer estar legitimado pela excludente de culpabilidade. Há crime, mas não há pena.

Na prática a “pena de morte” ocorre, mas é a torto e a direita, executada por pessoas nem sempre munidas de preparo para exercitar tamanho poder, sujeitas a um regime especial de prerrogativas em Código e Justiça Militar, para não falar do estigma associativo que mantém o acobertamento conveniente desta ilicitude acovardada ainda mais pela constância da remuneração insatisfatória da categoria.

Sem deixar de lado a reverência à boa índole jurídica, menos injusto seria ao bandido/assassino reiteradamente caracterizado por requintes de crueldade, fosse ele submetido a julgamento com devido processo legal para ser convidado a deixar, definitivamente, o convívio social, ainda que enquadrado como psicopata e levado ao manicômio de segurança máxima para, quando muito, vivenciar a plenitude de sua loucura na tomada constante de tranquilizantes eficazes, assim como ocorre com os sensíveis desajustados.

Hipocrisia é alardear o humanismo de não aplicar pena de morte e manter os desmandos e negligências das forças policiais despreparadas, as quais, se por sua vez, fossem eficazes, como deveriam, não deixariam o cidadão a mercê da violência desmedida e nem abusariam do poder.

Por fim, acredito ser importante salientar que para aqueles cuja ambição conduz à ilicitude por dinheiro e congêneres, não há privação de liberdade suficiente, já estão presos em vitrines. Para a maioria trabalhadora e honesta resta quebrar os vidros e enxergar com o pertinente asco o conteúdo, enquanto para a minoria poderosa se adequa a retomada da própria dignidade, restituindo ao povo o que de direito e legítimo, a princípio, sob a forma de educação qualificada.

Jussara Paschoini














Nenhum comentário:

Postar um comentário