Há algum
tempo escrevi que a falta de compromisso com a palavra torna o homem
descartável em suas relações, isto porque, a palavra trata-se da mais eminente
forma de partilhar ideias, sentimentos, intenções e tudo mais capaz de conduzir
o contato humano a algum válido significado seja ele permanente ou temporário.
Conto, ao
ter exposto esta visão, não haver desperto uma noção antagonista à liberdade de
expressão, não, muito pelo contrário, intencionei atribuir importância ao que
se expressa justamente para equivaler ao efetivamente livre e não ao
condicionado ou meramente exibido, os quais, não deixam de ser expressão por
corresponder a interesses inconsistentes em termos de relação interpessoal e
que dirá em termos de identidade social producente de efeitos jurídicos
legítimos.
Enquanto não
houver consistência entre expressão e atitude, principalmente a crítica,
liberdade é só um “chavão” para enganar trouxa, ou mesmo, quem se expressa.
Tratando
assim da inconsistência da palavra e do descartável em termos de relação,
dentro de uma concepção lógica é que podemos então lançar um foco na discussão
sobre a tão alardeada “pena de morte”.
No ensino
jurídico de boa índole, há uma frase de origem kantiana a registrar que o homem
social é um fim e não um meio e disso se retira a conclusão de que a pena de
morte por sua teórica tendência exemplar no combate à grave transgressão social
se configuraria numa afronta ao Estado de Direito, porque o homem apenado com a
morte deixaria sua condição de titular da proteção à vida enquanto pilar do bem
comum para se tornar um objeto da ação do poder constituído, o qual estaria
automaticamente destituído de legitimidade para tal.
Ideologicamente
perfeita a contraposição à ação do Estado na utilização do homem como um meio,
a discussão da pena de morte poderia parar por aí, não fossem detalhes de
relevo, como o absurdo criminal de pessoas constantemente assassinadas não só
por motivos torpes, mas pura e simplesmente porque esta é a finalidade de vida
de uns e outros seres humanos.
Desde a mais
tenra idade ou não, o cidadão transgressor desenvolve a noção de eliminar seus
oponentes ou não, porque pode, dada a respectiva condição mortal desses últimos.
É só ter coragem e alguma força, é claro, e aquele que nasceu melhor, foi mais
bem educado, empenhou-se em trabalhar honestamente para vencer seus obstáculos,
morre, pura e simplesmente porque usava um par de tênis de marca, porque se
apaixonou por alguém comprometido ou porque estava no lugar errado, na hora
errada etc.
Ninguém é
livre quando está em um meio onde alguém mata porque pode e está solto.
Partindo daí
a concepção de que a prisão perpétua (não permitida no Brasil) tiraria o
embaraço em pessoa (o homicida) de circulação, o que pode escapar à percepção
social é o dilema em forma de bomba do intitulado Sistema Penitenciário, em verdade,
uma universidade para delinquentes, muito distante de efeitos corretivos de
conduta, para qual vão professores e alunos do poder desconstituído do crime.
Se os
professores ficam presos os alunos saem e assim por diante.
E o cidadão
desencorajado com a morte continua limitado, dispendendo considerável e
precioso tempo de sua vida em se proteger, não pode andar pelas ruas fora de
hora ou sair de madrugada nem que for para trabalhar, muito menos carregar
dinheiro e agora cartão de banco e cometer a burrice de ser visto por olhos
desconhecidos e suspeitos.
Fato, o
poder constituído e o poder “desconstituído” dão as mãos porque controlam a vida
de quem teme, tornando tudo muito mais fácil e a maioria carrega seu fardo de
limitações sem reclamar até ser vítima.
Matar física
ou moralmente seus oponentes é pura e simplesmente matar sem motivo ou com
motivo, dentro de uma lógica razoável acerca de meios e vantagens, enquanto objetos
de crença na conduta ilícita.
Uma
sociedade de aterrorizados, desconfiados é o ambiente perfeito para o poder
corrupto e ilegítimo.
Voltando,
contudo, à pena de morte, uma vez situada a circunstância de que há plena identidade
coletiva e antagônica ao fato de poder ser morto por semelhante, a questão é se
a equivalente morte do criminoso, assassino, imposta por vontade coletiva,
diminuiria a insegurança e os assassinatos.
A
insegurança é fruto certo de que se vive num ambiente que hostiliza a pobreza,
a feiura, a falta de cultura e que valoriza o passível de ser exibido com
suficiente oportunismo sexual ou não para pegar no desejo de cada um, tornando
a existência uma busca de superiores contra inferiores e vice-versa. Essa é
eterna, só muda com o fortalecimento das individualidades.
O assassino
é a insegurança tornada concreta, ao vivo e em cores, na esquina com você ou
com aqueles que você considera ou ama, e se vislumbrarmos o tipo feito e
acabado com requintes de crueldade, é praticamente impossível não desejá-lo
eliminado da vida social.
Óbice de tal
eliminação pelas vias da pena de morte é a ilegitimidade do Estado para dispor
da vida em ação a favor do coletivo inseguro, todavia, pelas vias do estrito
cumprimento do dever legal, não é ilícito matar bandido/assassino, o que,
paradoxalmente, confere ao policial em ativa, sequer submisso a condição
eletiva para posse de legislador ou governante, o direito de matar em
cumprimento da lei.
O artigo 23
do Código Penal define as denominadas excludentes de culpabilidade, sem a qual,
NÃO HÁ CRIME, dentre elas, o estrito cumprimento do dever legal.
Tal
excludente pressupõe para a questão sob enfoque, esteja o policial munido de
ordem jurídica, geralmente judicial, para perseguir e trazer à jurisdição o
bandido/assassino resistente à vontade da Lei, instituído no poder de
persegui-lo, reagir com relação a ele e matá-lo, se for inevitável...
O problema é
que o bandido/assassino, feito e acabado com requintes de crueldade, nem sempre
é fácil de enfrentar, então ocorre um desvirtuamento muito típico do dever
legal e se mata por preconceito e sem qualquer amparo jurídico, gente “mais
fácil” e “insignificante”.
E daí a
saída não é mais uma excludente de culpabilidade, mas a isenção de pena que
beneficia o denominado estado putativo, enquanto um alegado estado de engano
pertinente a justificar a plena noção de que o agente policial tinha amplos
motivos para crer estar legitimado pela excludente de culpabilidade. Há crime,
mas não há pena.
Na prática a
“pena de morte” ocorre, mas é a torto e a direita, executada por pessoas nem
sempre munidas de preparo para exercitar tamanho poder, sujeitas a um regime
especial de prerrogativas em Código e Justiça Militar, para não falar do
estigma associativo que mantém o acobertamento conveniente desta ilicitude
acovardada ainda mais pela constância da remuneração insatisfatória da categoria.
Sem deixar
de lado a reverência à boa índole jurídica, menos injusto seria ao
bandido/assassino reiteradamente caracterizado por requintes de crueldade,
fosse ele submetido a julgamento com devido processo legal para ser convidado a
deixar, definitivamente, o convívio social, ainda que enquadrado como psicopata
e levado ao manicômio de segurança máxima para, quando muito, vivenciar a
plenitude de sua loucura na tomada constante de tranquilizantes eficazes, assim
como ocorre com os sensíveis desajustados.
Hipocrisia é
alardear o humanismo de não aplicar pena de morte e manter os desmandos e
negligências das forças policiais despreparadas, as quais, se por sua vez,
fossem eficazes, como deveriam, não deixariam o cidadão a mercê da violência
desmedida e nem abusariam do poder.
Por fim,
acredito ser importante salientar que para aqueles cuja ambição conduz à
ilicitude por dinheiro e congêneres, não há privação de liberdade suficiente,
já estão presos em vitrines. Para a maioria trabalhadora e honesta resta
quebrar os vidros e enxergar com o pertinente asco o conteúdo, enquanto para a
minoria poderosa se adequa a retomada da própria dignidade, restituindo ao povo
o que de direito e legítimo, a princípio, sob a forma de educação qualificada.
Jussara Paschoini
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