segunda-feira, 21 de maio de 2012

A RECICLAGEM E OS DIREITOS AUTORAIS



                 Não sei de quem é a autoria dessa frase, se é que tem autor, mas somando letras em palavras, me dou o direito de dizer sem indicar dono que o homem é um animal que sonha.
                Pensar seria um termo, talvez, mais apropriado, contudo, é na capacidade de sonhar o ponto diferencial marcante na abrangência do comportamento menos guiado pelos instintos naturais, a meu ver.
               A pura razão nunca foi o maior guia da humanidade. Sem atentar para os fundamentos religiosos, sempre presentes desde os primórdios, é na mais alta modernidade encontrada a maior expressão da ilusão e do abstrato nas escolhas do homem, o que resulta em inevitáveis reflexos na política.
              Da importância extremada dessa característica surgem os denominados direitos intelectuais, direitos autorais e direitos de marcas e patentes, todos voltados a proteger a originalidade das criações, muito mais fruto da capacidade de abstração do que do raciocínio lógico propriamente dito.
              É visivelmente insuportável ao homem não receber mérito pelo conteúdo por si criado já que isto promove imensa repercussão em prol do senso de individualidade ou do ego.
             Apesar dessa inegável verdade, não se pode deixar de notar certa arrogância na crença individual de ser único na produção de uma ideia quando tantos outros seres pensantes e ou sonhadores, possivelmente caminhem em direções bastante semelhantes rumo a um produto mental qualquer.
             A prova disso é a atração em massa para determinados produtos, de tal sorte que a propriedade intelectual muitas vezes passe a valer mais do que o próprio conteúdo material envolvido na obra. Um nome, uma forma, um slogan, um estilo, tudo isso enquanto fruto da mente teórica e individual, atrai um sem número de pessoas pelo contraponto da identificação coletiva, circunstância demonstrativa de que a propriedade intelectual é submissa ao passar do tempo, tendendo na medida de seu valor, a cada vez mais perder a unidade pela popularização.
             Há de se ressalvar o detalhe das criações revolucionárias, cujos efeitos custam mais a atingir a coletividade, restringindo-se ao conhecimento de poucos entendedores, porque estas, diferentemente, tendem a se consolidar e ganhar feição histórica, dificilmente compensando seus criadores, mas servindo, eventualmente, mais adiante, a valores de maior solidez em face do impacto qualificado, só possível, como solução de outros esforços de atitude relacionados.
         Exemplo típico e bastante conhecido de criação revolucionária é a arte de Van Gogh, para quem o talento rendeu grande desespero e loucura, vindo, aos critérios de conhecedores e apreciadores específicos, a se tornar uma obra de valor crescente e inestimável, muitíssimo concorrida entre os afortunados adquirentes.
           A criação pode ter efeitos em massa ou efeitos históricos, todavia, em qualquer circunstância depende dos olhos e das atitudes alheias ao criador.
          Onde é, porém, para efeitos desse texto que os direitos autorais e a reciclagem se cruzam?
         Os direitos autorais e a reciclagem se cruzam no ponto em que a sociedade de consumo ainda demanda a atração coletiva por publicidade e embalagens, ou seja, não basta o produto e talvez nem que a sua qualidade seja tão efetiva, mas embalagem ainda é fundamental, não só para carregar o conteúdo, mas para informar e atrair sobre ele, principalmente se apresentado por bem pensada autoria de design e publicitária posta em divulgação da mídia predominante. 
          A mulher quer mais do que lavar os cabelos, quer beleza e atração e não basta o shampoo, tem que ter um frasco especial, propaganda com modelos transformadas por recursos tecnológicos no mais belo e inatingível porte de cabeleira estonteante.
        Não se compra um refrigerante, mas uma história de juventude e saudosismo ao se escolher uma Coca-Cola.
         O ser humano sonha constantemente porque precisa disso, mais do que admite.
         Problema é se esta peculiaridade tão emblemática qualifica verdadeiramente, como seria de sua essência, a vida das pessoas ou é simplesmente sugada pelas rotas cuidadosamente traçadas pela posse do capital, forjando momentos passageiros de satisfação em objetivos vagos e perdidos.
          Resultante, para constatações metafóricas ou não, é LIXO! Muito LIXO!
         Do ponto de vista governamental, informe-se que embalagem é agravante do imposto sobre produtos industrializados e por isso se constata inúmeras vezes o paradoxo de uma compra de mais unidades de um produto assim embalado, diversamente do interesse comercial cabível, custar mais cara ou não oferecer vantagem de preço, como era de se esperar.
        Poluição, enchentes e muita revolta por parte de gente natureba foram trazendo a visão de que tanto LIXO não podia continuar, mas só a vantagem em termos de eliminar custos de matéria prima calhou com a ideia de reciclagem, retomando a rota do capital pelo aproveitamento do trabalho informal dos catadores e pela idêntica aquisição de insumos a custos extremamente reduzidos.
         É visível que a produção de LIXO ganhou incremento com ares de ação sócio ambiental e óbvia a atitude de grandes empresas atreladas ao poder público para oficializar a vantagem à custa do bolso e do trabalho do consumidor.
        As redes de supermercado já se empenham em “pegar” de volta as sonhadas embalagens pagas e tributadas de volta e de graça para depois revendê-las e cobram pelas sacolas (um pouco mais duráveis e potencialmente menos destrutíveis) para embrulho ou transporte das compras.
      Não seriam mais fornecidas as usuais sacolinhas plásticas, retirando de circulação os invólucros conhecidamente muito reutilizados para empacotar os excedentes ou LIXO.
       A justificativa, a Lei de muitos Estados e Municípios para combater o poluente saquinho de supermercado utilizado frequentemente, conforme já se observou, para ser continente da alta produção de LIXO.
       Para o LIXO, nem sacos biodegradáveis foram cogitados em substituição dos invólucros utilizados. O que se encontra a altíssimos preços nas grandes redes disponíveis nos centros urbanos são enormes sacos de durabilíssimo plástico negro, talvez para que os alucinados consumidores facilitem a coleta, acumulando mais lixo em casa antes de submetê-lo à necessidade de dispensa junto aos serviços públicos.
       Fato também é que garotos de boa aparência identificados em camisetinha como “eu sou catador” já começam a assediar com postura fiscal a clientela das redes de supermercado, oferecendo enormes sacos VERDES para interessante coleta de lixo reciclável, de graça, para retorno junto ao estabelecimento comercial. E quem não quiser ou não tiver tempo para se dar ao trabalho, engole um peso plantado na consciência com merchandising e continua a poluir, pelo menos na acepção de quem deixa de lucrar.
       A reciclagem vernizada chegou para ficar, longe de atingir a poluição ambiental pela raiz, é mais um disfarce, mais uma embalagem para o homem que sonha em deixar um mundo melhor para as gerações futuras.
        É preciso uma autoria e uma criação efetivamente capaz de libertar o ser humano da embalagem, substituindo a energia cobrada nos moldes atuais por maiores chances de realização e menos serviço ao prático lucro, aperfeiçoando os conteúdos cabíveis aos sonhos na realidade.
        Exemplificativamente, um mercado ecológico e econômico, em organizada franquia, traria produtos de rotina, vendidos a granel, na quantidade desejada, em invólucros ou embalagens de preço fixo e substituível mediante troca, como ocorria antigamente com os vasilhames de refrigerante, além de possivelmente engajar pessoal especializado em divulgar e distinguir cada produto colocado no mercado, conforme interesse manifesto pelo consumidor.
        Orientações de praxe sobre o produto poderiam ser mantidas junto a cada setor de venda em letras claras e legíveis, diferentes daquelas que ficam escondidinhas na embalagem só para constar.
         E o poder público que assuma a disponibilização de coletores de recicláveis de uma vez por todas, para no mínimo retornar ao povo o que lhe é duplamente cobrado em embalagem e imposto.
      Faltam medidas inovadoras capazes de traduzir melhor aproveitamento tanto material quanto pessoal a favor da indústria como forma de aperfeiçoamento do comércio numa economia menos agressiva e por isso mesmo menos vulnerável pelo tamanho empresarial, o que significa a descentralização das grandes redes e maior representatividade na balança, com a contrapartida de produzir menos LIXO. 
      Ao invés de carregar o grande saco VERDE de recicláveis o consumidor só carregaria a embalagem pela qual já dispendeu compatível preço, na medida certa de seu interesse.
      A criatividade almejada como expressão em direitos intelectuais precisa alcançar os ideais humanos já bastante ululantes e atraí-los à saudável modificação dos modos e conteúdos de consumo, fortalecendo a figura do consumidor e tornando-o independente das mal fadadas leis protecionistas resultantes de um constante engano público aproveitado por interesses escusos e particulares de gente meramente gananciosa.
        Não é preciso sacrificar os sonhos de um futuro melhor com disfarces bem elaborados e muito menos deixar de sonhar, porque esse é o principal diferencial a favor do evolutivo. Partir dessa premissa é sair dos domínios efêmeros do egoísmo e alcançar espaço para equidade.

Jussara Paschoini

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