A espécie
humana nasce vulnerável, mais vulnerável que a maioria dos seres vivos.
Uma das maiores
contundências da lenta maturação humana surge da longa experimentação da
própria insuficiência em circunstância impressora do constante ímpeto de prevenir
e antever riscos.
O primeiro
motor da economia é a necessidade e o segundo a segurança.
Não é a
necessidade que acumula recursos a favor do terceiro motor, o desenvolvimento,
mas a segurança.
Nesse contexto
de necessidade, segurança e desenvolvimento é possível focalizar o grande
desafio de viver na sociedade do risco fundamental porque não é outro o desvio
de recursos do bem comum para a violência subsidiária, enquanto sustentáculo
dessa sistemática evolutiva, aliás em pleno vigor.
A fobia é mazela
inexorável, ou seja, não se move a rogo e não é o mal do século, de fato,
coexiste com a sociedade desde o seu mais primitivo momento tribal, desde a
pré-história.
É simples notar
que a modernidade tenha se dado conta da saturação securitária regente dos
rumos evolutivos, passando a talvez refletir sobre o seu caráter patológico.
Também digno de
atenção é que ao invés de relacionar a falha progressiva da seguridade fóbica à
violência, se associa o entrave a preferências coletivizadas ou não, religiosas
ou sexuais, principalmente.
O mundo
continua dividido entre suportes do modelo familiar patriarcal e o resto que
para se assegurar precisa legitimar contrariedades nesse modelo. Assim, o ”casamento”
homossexual é o coringa da vez, a diversidade sexual repelida por praticamente
todas as religiões e ordens sociais, quer seu banquinho entre os "homens de bem",
num equívoco daqueles mais retrógrados cogitáveis.
As preferências
individuais e diferenciadas só vão ganhar legitimidade quando o motor
securitário aperfeiçoar funcionamento mediante redução de atritos violentos e
para isso novos modelos precisam ser admitidos em funcionalidade própria e
independente. O obstáculo permanecerá intransponível no absurdo de inserir peças novas em
engrenagens velhas.
É insubsistente
afrontar o conteúdo emperrado pela inserção de travas quando novos valores
precisam ser agregados adversamente à violência e em prol da confiança, essa
sim fundamental a senão extinguir, minimizar os riscos inerentes à natureza
humana.
A
tradicional juridicidade foi fundada pela ideologia da eternização de valores e
vínculos e diante de diversidades ao preço de séculos para exteriorizar-se no
mundo social. Houve legitimação de muitos meios jurídicos destinados a proteger
novos vínculos, tendentes a afrouxar laços e permitir renovadas formas de
relacionamento e confiança, portanto a sociedade de fato, a herança
testamentária, o concubinato há muito estão disponíveis à vontade de outros
modos de associação e manifestação legítima de vontades.
No
entanto, isso cada vez mais quer seguir no rumo pregresso pela absorção, por
exemplo, da sociedade concubinária num casamento muito mais vinculante do que
uma oficial união com registro de separação de bens, no mais das vezes causa
típica do mero "morar junto" , enquanto plausível fruto de intenções
experimentais sem comprometimento patrimonial.
Constituir
vínculos é muito importante, mas não é sanguíneo ou convencional o elemento
primordial à desenvoltura de um empreendimento ou sociedade familiar. A confiança
que segue no rumo indissociável das fobias securitárias sem abrir-se ao cultivo
das experiências, aprisiona e atrasa o desenvolvimento quando não conduz ao
equívoco da libertação com violência, daí a prisão "de fato" ser hoje
o obstáculo entre o comodismo alienante e o progresso, porque a eternização é
predominante na cultura.
Assim
se nasce, cresce e vive no afã de aperfeiçoar-se o seguro e indissolúvel, a
pedra filosofal, o prazer sem fim, a vida eterna, desconfiando de métodos não condizentes
e marginalizando comportamentos inadequados até conduzi-los ao centro do
redemoinho para compatível tragada no ridículo dos extremos aceitáveis, numa
bela nádega exposta e disponível.
A infância bem
vivida é a infância com pouca ameaça e muito espaço para perceptíveis caminhos e ritmos,
onde a curiosidade possa crescer rumo a escolhas compensatórias da liberdade
como conquista intrínseca e inalienável para o adulto.
Não se ensina
ou se modela a liberdade, esta apenas faz compensar escolhas cuja
disponibilidade estará, naturalmente, restrita a não violentar o semelhante, ainda
que adverso em suas peculiares e não fáceis compensações e enquanto essa confiança não estiver no ar, lidemos com a poluição.
Não violência e
confiança são indissociáveis a exemplo da fome e do alimento.
Seja então a
confiança propícia a não violência pela adequação das livres escolhas e não o
contrário, de forma a que nossa vulnerabilidade não nos limite ou nos
descompense o gosto de viver.
Jussara Paschoini
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