segunda-feira, 29 de abril de 2013

EMENDAS PIORES QUE O SONETO

 

Indivíduos racionais levam a conhecer-se por persuasão, podendo ou não acomodar certezas em dogmas cuja defesa ocupará respectivas mentes e atitudes no transcurso talvez de uma vida, tudo dependendo também de olhos, ouvidos e sentidos. É claro.
 

Diferente do dogma a regra não surge da persuasão individual, mas como necessidade das relações entre os indivíduos persuasivos e de acordo com as suas vontades diante de um propósito comum a estabelecer um senso superior de obediência em mutualidade de vantagens convencionais e razoáveis.
 

Ideologicamente, em sua visão mais evoluída, a generalidade da lei, mais do que a regra é equiparativa da possível persuasão individual para hierarquizar valores socialmente pertencentes a um maior grau de consensualidade no principal relevo da incolumidade física e moral suficiente a garantir a liberdade de escolhas, indistintamente a todos os cidadãos e eis a isonomia ou igualdade legal como princípio constitutivo do Estado de Direito e sua derivação lógica pela democracia.
 

A lei é graduada pela permissividade do que leva a conhecer como limite individual e nesse sentido, por organizar o poder do Estado a Constituição exige submissão dos governantes às regras do poder, visando mais do que limitar, substituir a vontade pessoal destes pela convenção hierárquica e potencial emanada do povo.

 
O maior equívoco constitucional é o personalismo insistente em perverter qualquer que seja o sistema de governo para elevação de mitos elaborados vaga e sorrateiramente na persistente seara dogmática característica da ativação político-partidária e ou religiosa, numa quase que derrocada de toda ideologia jurídica desenvolvida por séculos através da história com o intuito de preservar as regras e oferecer espaço para a realização individual.
 

O fato é que constantemente o que se vê é a personalidade dos líderes usurpando a ideologia por oportunismo fático, no transformar a individualidade persuasiva em exemplo moral para dirigir rumos redundantes em manter elevado nível de subserviência ao invés de propiciar o cumprimento finalístico essencial equiparativo da legalidade na preservação da liberdade reflexa pelo exercício de vontades confiantes nas regras permitentes por sua vez, de exceção e defesa bilaterais, e por isso mesmo diferentes dos dogmas mais convincentes, típicos da tirania.
 

O povo elegerá poderosos enquanto não subverter a noção perversa de poder, o que significa penetrar sem medo o campo das idolatrias mitológicas e emergir intrépido com a própria condição e anseio para exercer equilibradamente a sua persuasão, acatando limites congruentes e rechaçando o egoísmo exigente de desmoralização baseada em mera superposição determinista de epidemias sazonais em proveito de alguns poucos.
 

A Constituição da República Federativa do Brasil é moderna e corrigiu um de seus maiores erros ao ajustar direitos trabalhistas aos empregados domésticos, uma circunstância demandante, por outro lado, da adequação instrumental legislativa com a finalidade de propiciar e facilitar o empregador da mão de obra diferenciada, não empresário, a promover a documentação necessária no sentido de comprovar a regularidade jurídica finalmente conquistada pelo devido tratamento isonômico.
 

Isto observado, eis que a perversão do poder legislativo iniciou inovadora atividade sazonal baseada na corrente sustentação de incapacidades econômicas diversas, extensivas à maioria da sociedade, para distorcer a adequação da norma constitucional, buscando deliberar diminuições e descontos nos direitos dos trabalhadores domésticos não menores e não aprendizes ou estagiários.  
 

Esclarecendo, o Congresso Nacional começou a roer o próprio rabo numa vexatória busca de agradar gregos e troianos sem deixar de lado o poder de Roma.

 
De fato, numa visão menos getulista, todos os direitos trabalhistas poderiam ganhar a flexibilidade de não necessitarem da categoria impositiva por direito constitucional, desonerando as relações de trabalho para alcançar maior disposição de investimentos com a contrapartida de atender melhor a particularidades de cada trabalhador em termos de fixar condições que lhe fossem mais vantajosas diante mesmo das fontes e frentes governamentais.
 

Todavia, tal intervencionismo oriundo de período ditatorial teve o providencial escopo justamente de operar na defesa dos menos favorecidos em vontade e mantém-se pelo mesmo motivo até que se cumpram dispositivos isonômicos paradoxalmente desrespeitados pela carta magna, como bem demonstra o caso dos empregados domésticos em comento aqui reiterado acerca de nossa "modesta" submissão ao perverso.

 
Merece contemplação de passagem o outro intento legislativo com destino a balizar interpretação constitucional capaz de repugnar a atuação investigatória do Ministério Público para exclusivizá-la à Polícia pela ingerência apenas dos delegados, extremando reflexo político oportuno ao resultado insatisfatório daquela atuação contra outras e maiores autoridades públicas, mediante solavanco convencional supercategorizado por projeto de emenda (PEC 37).
 

Na prática, o Ministério Público possui atribuições de autoria de ação judicial, entre outras, de fiscalização legal principalmente no âmbito processual onde hajam interesses públicos a defender e resguardar, conforme disposição legal, o que, para o específico caso das ingerências investigatórias dirigidas às autoridades maiores, certamente mereceu amparo extensivo das divisões de competências da Constituição, mediante jurisdição responsável pelo respectivo controle e admissão consequente no apreço e decisão de questões assim, específicas.
 

Não deixa por isso o Ministério Público de estar adstrito à legalidade de suas ingerências investigatórias vinculadas a um interesse assim permitente, qual seja, na seara pública plausível a tal equiparação coerente ao exercício do poder, mas que não pode como intentam algumas atitudes de representantes entusiasmados de suas atribuições, estender-se a toda e qualquer situação difusa em sociedade, sob pena de horripilante desrespeito aos princípios do contraditório e devido processo legal a quem não detém explícitos poderes perversos sob suspeita.
 

Pelos desmandos perceptíveis nas emendas piores que o soneto, vem agora o poder legislativo pretenso de emendar a Constituição Federal para adquirir poderes modificativos do controle concentrado de constitucionalidade pertencente ao Supremo Tribunal Federal.
 

Para tanto o proponente do projeto de emenda aponta o ativismo do poder judicante contra o poder legislador, o que em tese poderia ser debatido nas esferas regulamentares e administrativas presentes nas instituições pelas vias de relacionada corregedoria e mesmo do apontamento individual de membros praticantes de arbitrariedades comprováveis mediante tramites internos cuja disponibilidade é sempre digna de ser invocada por quem de direito com a frequência cabível.
 

Jamais, porém, por força do próprio poder constituinte, a casa legislativa poderia sequer cogitar interferência na tripartição de poderes por não ser essa disponível a emendas, conforme artigo 60, § 4º, inciso III da Carta Magna, tratando-se de cláusula pétrea para inequívoca submissão a menos que haja promulgação de outro instrumento legítimo para regência do Estado, ou seja, uma nova Constituição, o que não é o caso.

 
O método de divisão de auto regulação de poderes estatais tripartites,  efetivado em moldes clássicos da elaboração de Montesquieu e que como tal prevalece como alvissareira ideal em muitos países, assim o é no sentido de coibir a perversão do poder enquanto friso  por ora objetivado e para simples registro de incontida opinião e exercício de individual persuasão, como de direito.

 
Ocorrências como as expostas, somadas a uma forma burlesca e hagiográfica de presidencialismo personalíssimo admitido repetida e constantemente  no tangível mundo ocidental dogmatizado, onde os poderes servem-se ou desvirtuam-se uns aos outros na brecha das marginalidades e marginalizações sociais em desfavor e a despeito da evolução jurídica compatível com os novos tempos, precisam ser vistas e conscientemente repelidas para efetivar conquistas e não desmerecê-las pela desordem.   

 

Jussara Paschoini

 



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