Conquistar o
seu lugar no mundo, algum status social, razoável segurança financeira é muito bom.
Principalmente para quem já experimentou a desconsideração natural de ser desapropriado
e assim viver sob dependência quando criança, já que desde aí a aptidão para o
compromisso com as posses e a formação de uma espontaneidade sã e competente ao
convívio em boa esfera individual e coletiva.
A criança
ensaia a vida e se for zelada pelos pais, faz isso com autonomia guiada, o que
significa não só liberdade, também oportunidade para participar do mundo a sua volta com proteção, ou seja,
quando aprende a andar é segurada nos primeiros passinhos e sai, depois cai e
geralmente não chora, recebe auxílio para levantar e lá vai de novo um
pouquinho e ao chão até um dia em que ensaia levantar sozinha e sai, cai de
novo até que a caminhada começa a se estender entre um tombinho e outro e um
belo dia não é mais preciso segurar os passinhos que vão se tornando cada vez
mais firmes.
É pena que esse
zelo genuíno muitas vezes vá aos poucos sendo substituído por uma inexata noção
adulta de "preparo" e aqueles de quem a criança depende o abandonem em prol do tal
intento premeditado, tendente a produzir mini adultos pseudo maduros porque
premiados com proezas da superinteligência ou com a digestão conveniente de um
avanço etário precoce, motivo de orgulho aos infantes obrigados assim a
interromper os ensaios e assumir responsabilidades que não são suas ainda.
A infância é
uma fase de excessiva importância senão a mais importante na formação de um
indivíduo e o valor erroneamente aplicado à queima de etapas de supostos ou
desejados superdotados é um equívoco visível e lamentável cuja notoriedade não
vem no boletim e sim no tropeço das expectativas de quem deixa de ensaiar para
o complexo espetáculo do viver.
Aplausos em
diferentes graus não deixam de ser importantes sinais de amor, é na pressa que
urge a falta de atenção tendente à queda desnecessária, ao pranto que não se
esvai tão facilmente quanto poderia.
O fantástico da
criança é a maior reverência de quem ama, um enorme e discreto respeito a cuja
praticidade não serve.
Empréstimo
compulsório consiste na intimidade dos filhos, dívida ao tesouro, paga sob a
forma de amparo, presentes, carinho e donde a moratória eventualmente cabível sucede
mais da sincera, honesta e destemida negociação amigável do que de imposições
disciplinares deméritas, suspeitas e de difícil ou impossível compreensão.
Pobreza e
carência são conceitos adultos sem os quais as crianças podem passar muito bem
e perceber com muito mais honradez do que a maioria dos pretensos maiores,
desde que as lágrimas pequenas de desejos grandes não sofram ainda mais pelo
menosprezo ou abuso de quem acredita se safar com isso.
Do respeito se
conquista a disciplina, fundamental para quem zela e impraticável por exemplos
mal elaborados e violentos de frustração intimidatória, típicos dos adultos
despreparados e por isso mesmo excessivamente prevenidos.
Curar os
machucados pede mais que mertiolate, gaze, esparadrapo ou band-aid rapidinho,
mas conduzir esteios de forças auto compensatórias tanto no sentido evitável
quanto inevitável da dor das quedas e para a recuperação rumo ao soerguimento
pronto cada vez mais consciente de escolhas próprias e por isso válidas. Chorar junto, só em ocasiões especiais desse
caminhar.
Segredos e
mistérios são dádivas partilhadas entre íntimos mantenedores de seus
respectivos interesses na posse e guarda constante e recíproca destes, portanto
em nada estão sujeitos à perfeição por serem plenos idólatras da mágica e da
pureza venturosas.
Preparado deve
ser o adulto, a criança é quem dita a receita e fornece o pó de pirlimpimpim.
Eis a minha
mensagem de filha única, cheia de pudor numa remissiva de quem não viveu a maternidade e não
tem mais essa pretensão, mas cuidou e fez ninar muitas crianças de todos os
tamanhos e origens antes mesmo de amadurecer e amadurecendo em face de anseios
e necessidades mescladas com fascínio de reflexões jamais perdidas.
Boa paternidade
e vida longa a quem sustenta essa suprema ousadia!
Jussara Paschoini
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