segunda-feira, 23 de setembro de 2013

SEXO, DESARMONIA E CRIME

















É quase cruel dissociar a palavra sexo de prazer considerando-se o aparato natural tão bem elaborado de sensações rítmicas fisicamente enlevadas num fenômeno pessoal bastante favorável e vital. Como chave da reprodução dos seres animais, observe-se porém que nem todos são agraciados com a mesma percepção. As exemplificativas cotias revelam uma prática dolorosa em geral conducente à imposição forçosa da cópula pelo macho à fêmea entrementes ferida pelo órgão acima retratado (é espinhoso mesmo e com dente!) . Diferente do rato marsupial australiano, da espécie Antechinus que depois de uma maratona alucinante e compulsiva morre de cansaço e por queda da imunidade em dez dias, deixando para sempre a diferida batalha para perpetuar a espécie emprenhando todas as fêmeas sofregamente encontradas no caloroso prelúdio mórbido aparentemente extasiante.

Os racionais são passíveis dos denominados desvios ou parafilias representativos de uma sexualidade com tão extravagante diferenciação prática capaz de ocasionar pouca ou nenhuma receptividade na direção "normal" do ato conjunto, portanto a configurar o ingresso na esfera íntima de outra ou outras pessoas causando de mau a péssimo resultado.

Nem sempre a parafilia está relacionada ao transtorno, ou seja, nem sempre é fadada a subtrair satisfação alheia por meios indesejados, vez que pode ser restrita ao pervertido, assim considerado em face de uma discrepância intensa com relação ao meio social e que termina por reduzi-lo pessoalmente à extrema rejeição ou ao isolamento em grupos diminutos de semelhantes eventualmente condescendentes.

Da rejeição surge a falta de alternativa, a impotência e a compulsão enquanto fatores que fazem possível enveredar para o vitimismo e o descontrole de conduta passível à violência dirigida tanto à vida quanto à integridade de parceiros não consensuais a quem se impõe o prejuízo da morte ou do trauma causado pela invasão íntima violenta e ou repulsiva.

Quando se ingressa no terreno dos crimes sexuais, numa visão moderna e atual, a gravidade e o sentido repressor da lei visam justamente o pervertido extremo na parafilia, cuja análise inseparável do contexto social representa potentes graus de agressividade somados a presumível reincidência.

Se ultrapassada a criminalidade pura e simples com a forte característica premeditada típica da conduta delituosa bastante comum aos pervertidos, se adentra no terreno patológico da alienação mental franca, ilimitada pois quanto ao efeito de restringir, por razões de ordem médica, o retorno do indivíduo ao convívio social nas denominadas medidas de segurança que não só podem como devem ser perpétuas às hipóteses de maior gravidade como atestam os casos dos maníacos assassinos em série ou os requintes de crueldade visivelmente perpetrados.

O pior e mais árduo da análise dos crimes sexuais está na tênue linha separatória entre o típico criminoso calculista, sociopata de exemplar comportamento disfarçado e o claramente portador de doença mental, considerando que para o primeiro os motivos agravantes tanto pela agressividade quanto pela reincidência são muitas vezes maiores.

Dito isto, cumpre lembrar que pelo lado das vítimas, antigamente eram elas discriminadas, havendo graus de maior ou menor punibilidade ao agressor conforme a característica da vítima como “mulher honesta” sopesando fatores como virgindade ou  estado civil e sendo expressa a menor consideração para com as prostitutas.

Hodiernamente com o advento da Lei 12.015/2009, condensou-se o crime de estupro num único delito que inclui no fato criminoso ou típico, homens e mulheres submetidos à violência e ou grave ameaça não só à conjunção carnal como à prática de ato libidinoso (manipulação libidinosa) cuja pena pode variar de seis a dez anos e atingir a pena máxima de trinta anos conforme associado com resultado de lesão corporal grave ou morte.

Deste modo superou-se a grande discussão antes redundante acerca da dificultosa prova da conjunção carnal, notando que a perícia ou exame de corpo de delito ainda que pela constatação de lesões genitais, se sugeria ser amplamente refutada em termos de caracterizar a ausência de consentimento e repulsa da vítima.

Não é que se dispense o corpo de delito como importante elemento inquisitivo, apenas deixou de ser e definitivamente essencial para caracterizar a prática de estupro, o que remete à perícia psicológica tanto a vítima como o acusado , bem como a outras evidências necessárias à imputação da pena de reclusão mínima de seis anos. Nesse aspecto a reincidência de pessoa já acusada anteriormente pelo mesmo crime ou similar agravará em muito a possível condenação. Mulheres não são mais apenas vítimas, podem ser acusadas de estupro.

A harmonia e desarmonia do consentimento sexual e o grau de perversão envolvido em integrar o prejuízo da vítima, bem como a agressão do delinquente, são hoje producentes de pena de reclusão com o mínimo de dois anos e quatro meses em regime fechado já que 2/5 da mínima pena para possível progressão ao regime semiaberto para crime classificado como hediondo o que sobe para 3/5 nos caso de reincidência. Ampla é a margem de interpretação jurisdicional tanto para compreender a relevância da invasão íntima criminalizada e condenar quanto para absolver a pessoa acusada. Isso à exemplo da amplitude que reverbera a validação de contratos na órbita civil, sujeita a caracterização de abuso nem tanto por especificidades legais mas por ampla abertura a interpretação dos juízes.

A vítima menor de catorze anos faz presumir a ocorrência do estupro (estupro de vulnerável), agrava diante disso a pena entre oito e quinze anos de reclusão e é crime hediondo também.

O fato tipificado como crime independe de violência ou ameaça que se presumem ocorridas. Todavia, por questões de interpretação doutrinária, nenhuma presunção fixada em lei é absoluta, admitem-se provas em contrário e novamente fica a critério jurisdicional avaliar as condições entre o consentimento da vítima e a perversão do presumido estuprador, estabelecendo-se contudo mais forte imputação de pena quanto menor idade tiver a vítima e maior o grau de perversão, agressividade ou fraude balizados contra o acusado.

A lei penal tipificou como crime o assédio sexual equiparando em efeitos punitivos a obtenção de favores sexuais aproveitada em virtude do quanto possa ser interpretado como ascendência ou superioridade hierárquica, mas estabelece pena menos grave de detenção (regime semiaberto) entre um e dois anos. 

Aumenta de um terço a pena por assédio sexual se a idade da vítima for entre catorze e dezoito anos. No caso de estupro a pena parte de oito e vai a doze anos de reclusão.

Causar inconsciência e impossibilidade de reação como forma de burlar o consenso da prática sexual também é modalidade de estupro.

A excessiva incidência de estupros e mesmo de atos pedófilos estabeleceu vistosa margem legal tanto para a caraterização quanto para a imputação condenatória pelos crimes sexuais, amplificando principalmente o estupro no referente aos sujeitos ativos e passivos. Contudo, os extremos da lei penal tendem não só a minimizar como a maximizar rigores de análise probatória ao critério jurisdicional em circunstância favorável à invocação das mais elevadas instâncias judiciárias para a análise da matéria que por envolver forte restrição gravada à liberdade do direito de ir e vir, enquanto máxima constitucional, se encontra bem mais apta ao pleno galgar dos mais elevados graus, com culminância inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Há apenas correlação lógica e não dependência entre os julgamentos por crimes sexuais e a reparação indenizatória destes crimes nas instâncias civis. 


Jussara Paschoini



  

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